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De dentro para fora

Autor: Thiago Fidelis

“Reconhece- se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral, e pelos esforços que faz para domar suas más inclinações”(Allan Kardec, O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. XVII – 4)

Em todo o Brasil, há órgãos (como a FEB e a USE, por exemplo) empenhados na difusão do Espiritismo, promovendo confraternizações, seminários, palestras e buscando a unificação das casas espíritas em torno de uma única doutrina.

Mas de que doutrina estamos falando?

Desde sua origem formal, Espiritismo passou por transformações durante os 150 anos de sua existência em várias partes do mundo, sendo sua difusão muito forte aqui no Brasil. Antes objeto de estudo e pesquisa de um intelectual, a doutrina passou a ter um alcance cada vez mais amplo, atingindo desde os operários franceses do século XIX até os mais desfavorecidos financeiramente do Brasil no século XXI.

Se o Espiritismo é único, como pode ter sofrido transformações?   

As formas de se interpretar a doutrina transformaram-se conforme a maneira como foi encarada por nós espíritas; somos difusores, cocriadores da doutrina, ou seja, somos responsáveis diretamente por ela, da mesma forma que os médiuns, os trabalhadores do Centro, dos Órgãos de Unificação e os Espíritos também o são.

E daí parte o grande problema do Espiritismo enquanto doutrina. Dentro de nossa realidade (falando mais diretamente sobre mocidades, que de uma forma ou outra é a “nossa praia”), frequentamos nossas mocidades, ajudamos nossos Centros, participamos dos encontros e confraternizações em todo o Estado (e alguns nacionais), muitos de nós passamos várias horas de nossas semanas envolvidas com o Movimento Jovem, e… ufa! Quanta coisa que fazemos! Estamos fazendo nossa parte, contribuindo para o fortalecimento do Movimento Espírita, ensinando e aprendendo as mensagens de paz, amor, solidariedade, de todos os sentimentos bons que captamos do Plano Espiritual, junto aos mentores que nos ajudam e nos orientam. Assim, contribuímos para uma sociedade mais justa, humana e solidária.

Será mesmo?    

Façamos algumas reflexões: quanto tempo nós ficamos sem brigar com alguém em casa? Na escola ou no trabalho, quanto tempo nós conseguimos ficar sem desejar coisas ruins para alguém que nos incomoda ou não sentir inveja por alguém que conseguiu se sobressair mais com suas ações do que com as nossas?

Na mocidade, quantas vezes deixamos de prestar atenção para nos distrair com outras coisas, não estando atento para as possíveis discussões que contribuem com nosso desenvolvimento intelectual e moral? Nos encontros, quantas vezes não desejamos estar ali, e quantas vezes vamos em busca somente de diversão e prazer próprio, mesmo sabendo que estes eventos não são para propiciar somente momentos de descontração?

Ser caridoso, benevolente, educado e gentil com pessoas que gostamos e em ambientes agradáveis é muito fácil. O esforço dentro da mocidade, do Centro, dos eventos que participamos é extremamente válido, mas a impressão que se tem de que este esforço fica restrito à estes locais. Assim, a imagem que geralmente construímos é de que a Doutrina Espírita é um conjunto de ensinamentos fechados, estáticos, que só valem para as pessoas que também compartilham das mesmas ideias e frequentam nossos círculos de afinidade.

A transformação moral, a descoberta de si e da realidade que nos cercam são assuntos exaustivamente estudados no Movimento Espírita, principalmente nos últimos trinta anos. Inúmeras palestras e vários encontros/confraternizações possuem estes temas como estrutura doutrinária, envolvendo teorias e dinâmicas aprofundadas em cima de temas relacionados aos assuntos expostos.

E a prática deste assunto acaba ficando restrita ao meio espírita. Acabamos por refletir, geralmente, quando presenciamos estudos tocantes ou belas palestras; nos atentamos para os problemas morais e da alma quando nos deparamos com exemplos que já aconteceram, que são relatados através de sessões mediúnicas e pela literatura (em geral romances).

O estímulo para tais reflexões é extremamente importante e nós, enquanto parte integrante do Movimento, devemos trabalhar para que sempre haja estes estímulos no meio espírita. O problema é que estes estímulos não existem somente no meio espírita; nosso ciclo de convivência é formado por pessoas de várias crenças, de várias culturas (muitas delas extremamente diferentes e conflitantes). Em um país como o Brasil, a dinâmica entre ideias diferentes é enorme; ficar preso ao Espiritismo apenas com os espíritas e não coloca-lo em prática com o resto do nosso ciclo social é condenar este mesmo Espiritismo ao esquecimento, é relegá-lo a um grupo de ideias que fica a parte da nossa vida, não sendo parte integrante de nossa conduta.

Assim, que transformação moral é esta que dizemos fazer se somos joviais dentro da mocidade e mal-educados fora? Estender a mão para uma pessoa necessitada na hora da sopa é um gesto louvável, mas passar reto quando se vê um mendigo jogado na calçada de nossas cidades ou uma criança pedindo esmola nos sinaleiros, não seria hipocrisia nossa? É muito prudente defender a doutrina quando ela é mal interpretada e caluniada por outros setores sociais (religiosos em geral), mas quando casos em abundância de corrupção são noticiados, quando um garoto é arrastado por vários quarteirões por um carro, ou quando uma triste e angustiante realidade explorada em um filme vira motivo de piada e chacota no nosso cotidiano, qual é a nossa atitude? Das duas uma: ou não fazemos nada ou contribuímos para a disseminação de tais atitudes.

O Espiritismo é de fora para dentro ou de dentro para fora?

A ideia do texto não é culpar ninguém ou desvalorizar nossos esforços dentro do Movimento. Muito pelo contrário: a ideia de alertar que o Espiritismo é, antes de mais nada, uma filosofia de vida. Devemos estender a mão para todos, não para apenas aqueles que gostamos; devemos exercer nossa paciência em todos os lugares que estamos (fila do banco, conversas com o chefe ou professor, broncas de nossos pais), mesmo se o ambiente for hostil. Beijar os familiares, abraçar pessoas de que se gosta, levar uma palavra amiga ou saber ouvir quem nos ofende é muito mais fácil do que imaginamos. Basta derrubarmos as barreiras as quais construímos com nossos medos, nossas inseguranças e nossos preconceitos; buscar o melhor para todos, independente de quais crenças as pessoas possuem, é uma obrigação nossa, não um favor ou um ato de superioridade. Se amar o próximo como a si mesmo é quase uma máxima dentro do Espiritismo, que este próximo não tenha face, nem cor, nem credo ou situação financeira.

A doutrina é clara, e como já foi exposto, somos responsáveis (cocriadores) dela. Portanto, nossas ações devem ser espontâneas, e não forçadas. Sejamos espíritas por vontade, e não por obrigação ou convenção social.

Fala MEU! Edição 58, ano 2007

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