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Juventude desenfreada

Autor: Thiago Rosa

“A gente estava com o bolso cheio de denji, por isso não havia realmente necessidade, do ponto de vista de krastar mais tia pecúnia, de dar um tolchok em algum vekio num beco e videá-lo nadar em seu próprio sangue…”

A fala acima é do personagem Alex em um dos trechos da obra Laranja Mecânica. Escrito em 1961 pelo inglês Anthony Burgess, o livro, que em 1972 ganhou as telas do cinema pelo então diretor Stanley Kubrick, narrado em primeira pessoa, conta a história do líder de uma gangue futurista. Junto com alguns amigos adolescentes, eles roubam, praticam assaltos, espancam e até mesmo praticam estupros em meio a uma cidade decadente, onde os moradores com medo, ficam trancados em casa e assistem programas de televisão.

O texto é cultuado por uns e odiado por outros. Ou você simplesmente o entende ou simplesmente o ignora e o rebaixa. Mas a ideia aqui não é fazer propaganda positiva ou negativa da história contada há décadas atrás.

No texto, escrito com uma visão futurista do que poderia vir a ser a juventude dos tempos modernos, a gíria, palavrões, brigas, drogas, sexo, rebeldia, gangues, grupos de jovens, entre tantas outras características que figuram em meio à juventude, fazem parte do repertório que muitos de nós conhecemos bem.

Vamos dar umas voltinhas pela grande São Paulo. Se formos a pé de ponta a ponta da Avenida Paulista vamos cruzar uma diversidade de estilos, de mensagens visuais transmitidos pelos mais variados tipos de pessoas, de cabelos, de roupas. Coisas que vão da ponta dos pés até um detalhe simples colocado no ouvido. Há quem diga que se você andar por toda Paulista é a mesma coisa que dar a volta ao mundo.

Os grupos de jovens que interagem com a cidade paulistana, e que vão disseminando aos poucos pelas metrópoles paralelas, se diversificam por características particulares. Formam grupos com afinidades específicas que pode ser um gosto em comum pela música, pela roupa, pelas idéias, por opção sexual, pelo cinema e tantas outras coisas em comuns. São os mesmos grupos que formam a mais agitada noite do país. São Paulo é tão viva que qualquer dia da semana, seja um sábado ou mesmo uma segunda, terça ou qualquer outro dia, você vai encontrar pessoas vagando pela madrugada afora, se divertindo, bebendo, dançando, conversando e se enturmando nas mais variadas tribos. As gírias são específicas para cada grupo de amigos, assim como o cumprimento de mãos, de beijos. As pessoas se identificam por coisas simples, por uma simples camiseta, por um tênis descolado nos pés, por cores que lhe pintam as bochechas, lhe contornam os olhos ou que lhe marcam a pele tatuada.

Mesmo a violência, como cita Burgess em Laranja Mecânica, pode ser visto em grupos liderados por jovens, como as grandes torcidas organizadas que se alinham como se fossem gangues. Sem contar os grupos de jovens nazistas, onde o mais conhecido, os Skinheads, cultua a cor branca, ofende o negro, como fizeram em cartazes espalhados na cidade em pleno dia da Consciência Negra, agridem os homossexuais, são contra as pessoas migradas do norte e nordeste do país e criam brigas com outros grupos como roqueiros, skatistas e emos.

Mesmo assim, hoje em dia, estas famosas tribos urbanas parecem se acostumar no cotidiano da grande cidade e acabam por transitar umas com as outras. As pessoas têm necessidades de se encontrarem por aí, de estabelecerem uma identidade, de se agruparem e, vira e mexe, criam um novo agrupamento, uma nova tribo. A do momento agora são os famosos emos, palavra originada da abreviação em inglês do gênero musical “emotional hardcore”. Termo surgido para denominar bandas do cenário de Washington DC e que compunham em um lirismo mais emotivo que o normal.

Uma das mais famosas tribos vindas para o Brasil no final dos anos 80 e começo da década de 90, por exemplo, foram os clubbers. Com características bem coloridas, com cores vibrantes e fluorescentes, um tanto quanto “kitsch” e cheio de tipos gozados, a cultura clubber nasceu em Nova York. Envolto de drogas, bebidas e sexo, o percussor desta moda, Michael Alig, até ganhou filme recentemente. “Party Monster”, com reestréia de Macaulay Culkin nas telas, mostrou uma juventude, como muitas outras, que nem sabemos que existe.

Um mundo doente, é isso que podemos constatar. Um mundo doente onde os jovens participam de toda esta enfermidade. A questão “moral” fica de fora destas classes e tribos juvenis que afloram pelos cantos de nossa cidade. A pressão dos amigos, o desejo de experimentar sensações diferentes, a promessa do passaporte para pertencer a uma turma, o desafio, a transgressão de regras e limites, o alívio de uma angústia, o prazer, a falta de opção para lazer, o vácuo emocional nas famílias são fatores propagandísticos negativos e que influenciam o jovem a usar drogas, podem fazê-lo encaminhar para a promiscuidade e ganha grande força na bebida, aliás, esta é uma aliada de fácil acesso em qualquer roda de adolescentes e jovens.

Em São Paulo ou no Rio de Janeiro, duas das mais importantes cidades do país, não há um final de semana em que não exista acidente fatal envolvendo jovens embriagados. Enquanto se investe tanto na propaganda para o uso de camisinhas, muitos meninos e meninas morrem em meio a infrações no trânsito causadas pela embriaguez. A preservação da vida com o preservativo no bolso desmorona em meio a acidentes como estes que lhes tomam a vida, desprevenidos com o abuso.

Dentro da mocidade espírita não existe só um grupo. Pessoas de diversas tribos com seus manuais debaixo dos braços se encontram e discutem na roda de amigos formada, porém, é necessário que a mensagem ali vivenciada pelo grupo de jovens da casa espírita seja multiplicada pelos ventos afora. O certo não é se afastar dos diferentes, daqueles que taxamos de incorretos, de condutas duvidosas ou que não nos agradam em um primeiro olhar. O certo é fazer parte, é vivenciar e saber se mostrar através do exemplo.

Há algum tempo atrás mesmo levei um belo de um puxão de orelha. Como num dia qualquer, ao correr por um dos metrôs da linha vermelha, percebo um jovem todo cheio de piercings, tatuagens, brincos, correntes no pescoço, um estilo de roupas largadas, etc. Não que coisas assim me desagradem, pelo contrário. Acho interessante esta forma de comunicação e de estilo, porém, quando o garoto tirou da bolsa o “Evangelho Segundo o Espiritismo” e eu com nada nas mãos para ler, tive a sensação de levar um tapa na cara. Um grande puxão de orelha, pois o pré-julgamento que fiz em minha mente era incorreto. Porque eu nunca poderia imaginar que aquele tipo de garoto no metrô poderia tirar aquele livro da bolsa.

É desta mesma forma que encaramos as pessoas, de forma bizarras quando vemos algo diferente. Nós simplesmente deixamos de nos olhar. Porque da mesma forma como os diversos jovens de estilos e gostos diferentes, qualquer um de nós faz a mesma coisa quando vamos nos vestir, nos perfumar, nos arrumar. Nós queremos fazer parte de um grupo, de toda nossa sociedade e, pra tanto, nos preparamos diariamente para sermos aceitos por ela. Muitas vezes, quando deparamos com uma manchinha de tinta diferente em nosso vestuário, já ficamos preocupados com que os outros podem pensar. Fazer parte de um grupo é super importante para o desenvolvimento social, para aguçar a criatividade, para criar estilos e culturas, mas é muito importante sermos nós mesmos. No dicionário já diz: “Tribo – pequeno agrupamento social de características próprias”.

O grande papel do jovem dentro disso tudo é nunca perder sua personalidade própria. Assim, não precisamos de tantas laranjas mecânicas para desenhar um futuro que não queremos que exista.

Fala MEU! Edição 45, ano 2006

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