Autor: Rogério Miguez
Quando o assunto é pena de morte, de modo geral, faz-se uma associação desta medida extrema aos criminosos, àqueles que cometem crimes hediondos que chocam a nossa sociedade.
As últimas estatísticas abordando a opinião dos cidadãos sobre o tema mostram que a maior parcela dos brasileiros declarou ser favorável à pena de morte. Questionados caso houvesse uma consulta à população, se votariam a favor ou contra a adoção da pena de morte, 57% dos entrevistados declararam que votariam a favor. Esse é o maior índice da série histórica (iniciada em 1991) e em comparação com a pesquisa anterior, de março de 2008, o índice cresceu 10 pontos (eram 47%). O atual índice supera os 55% observados em fevereiro de 1993 e em março de 2007. Por outro lado, 39% dos brasileiros (eram 46% em 2008), declararam que votariam contra à adoção da pena de morte; 3% não opinaram e 1% é indiferente.[1]
São números impressionantes se considerarmos a população brasileira em torno de 210 milhões de habitantes. São aproximadamente 120 milhões de pessoas a favor da pena capital, caso os achados numéricos de 2018, época em que foi realizada a última pesquisa, ainda sejam válidos no momento atual.
Contudo, a causa de maior espanto se relaciona à outra intrigante informação. Segundo o último censo religioso, aproximadamente 87% da população brasileira se diz cristã, ou seja, cerca de 183 milhões de pessoas afirmam ser seguidoras do Cristo: são católicos, evangélicos e espíritas, entre outras minorias.[2] Isto significa que dezenas de milhares de cristãos são contra o “Não matar”, registrado no 5º Mandamento de Moisés, princípio este ratificado plenamente pelo Cristo, quando disse não ter vindo à Terra para destruir a Lei de Deus, formulada no monte Sinai.
Um dado surpreendente!
Graças ao Bom Deus, estas cifras se encontram na área das hipóteses, pois ainda não houve um plebiscito no país que indagasse o povo, sobre esta particular questão, mas são um sinal de alerta para todos nós.
Entretanto, há outra modalidade da pena de morte regularmente exercida em todo o planeta, disseminada em todas as nações e praticada em todas as classes sociais que pouca atenção recebe da Humanidade: o aborto.
Na atualidade, os dados oficiais da Organização Mundial da Saúde indicam que “(…) cerca de 55 milhões de abortos ocorreram no mundo, entre 2010 e 2014, e 45% destes foram inseguros.”[3]
Segundo a Doutrina Espírita, só há uma razão para a prática do aborto, sem ferir a Lei de Deus, que recebeu a seguinte redação pelo Codificador:
“No caso em que o nascimento da criança pusesse em perigo a vida da mãe dela, haverá crime em sacrificar a criança para salvar a mãe? – É preferível sacrificar o ser que ainda não existe a sacrificar o que já existe.”[4]
O número é estarrecedor: 55 milhões de penas de morte!
Sim, ao realizar o aborto a aplicação da pena capital é patente, pois após a ligação do Espírito, futuro reencarnante, à célula ovo, ainda no ventre materno, a sua expulsão, exceto pela razão apontada, representa um crime contra a vida, a interrupção de uma existência, impecavelmente equivalente à tradicional pena de morte.
E com uma agravante: decreta-se a pena capital ao Espírito sob uma condição em que ele se encontra indefeso, à mercê daqueles que estão arquitetando a morte daquele corpo ainda em formação. Segundo a legislação humana, quando o criminoso comete um crime sem que o agredido tenha condição de defesa, a pena é agravada, dada a impossibilidade de a vítima opor resistência ao ato criminoso.
Só não existiria a pena de morte no ato do aborto caso não houvesse um Espírito previamente vinculado àquele corpo em formação, contudo, ninguém sabe com certeza se esta condição se faz presente ou não. Portanto, à vista disso, vale a intenção, ou seja, a de destruir um corpo em formação, impedindo um nascimento.
Sendo assim, o que sucederá a todos os envolvidos na ação criminosa do aborto: entre médicos, enfermeiros, assistentes, familiares quando cientes do fato, a própria mãe, o companheiro quando incentivador do crime, a sociedade que, desorganizada e egoísta, cria as condições de miséria, de necessidade social extrema que, em muitos casos, são o estopim do triste desfecho!?
Quanta ignorância das leis divinas.
Estas duas possibilidades de concretização do tema em exame já seriam suficientes para motivar uma reflexão profunda por parte da Humanidade na forma como vem se conduzindo, todavia, infelizmente, há mais a acrescentar.
De maneira mais discreta, às vezes às escondidas, sem muito alarde, acontece sub-repticiamente e com certa frequência, outro tipo de pena de morte. Referimo-nos à aplicação da eutanásia.
A fundamental obra doutrinária intitulada O Livro dos Espíritos registra um ensinamento capital para todos aqueles interessados em, seja por qualquer motivação, destruir uma vida, não importa por qual modalidade:
“Qual o primeiro de todos os direitos naturais do homem? – O de viver. Por isso é que ninguém tem o direito de atentar contra a vida de seu semelhante, nem de fazer o que quer que possa comprometer-lhe a existência corporal.”[5]
Em outras palavras, ninguém está autorizado a promover a desencarnação – eutanásia – de doentes terminais, desenganados pela medicina oficial, já cansados de viver com as suas dores atrozes em uma cama de hospital, desiludidos consigo mesmos quando reconhecem terem sido os autores de sua incomensurável desdita. Às vezes, há interesses escusos dos familiares que não desejam mais ocupar-se com o familiar doente; em outros casos, desejam acelerar a abertura do testamento. Todavia, seja por qual motivo for, há crime no exercício da morte indolor. É propriamente dita uma pena de morte.
Incentivamos os leitores à observar o capítulo V, de O Evangelho segundo o Espiritismo, em seu item 28, em que o Espírito São Luís responde à indagação: “Será lícito abreviar a vida de um doente que sofra sem esperança de cura?”
Contudo, há casos em que o paciente conscientemente solicita a medicação específica para promover a aceleração da própria morte. Nestas situações, o interessado se enquadra em outra modalidade de aplicação da pena de morte: o suicídio. E os partícipes, no suicídio assistido.
Quando o indivíduo opta, através do pleno exercício de seu livre-arbítrio, pela “solução” de autodestruir-se, comete a pena de morte contra si próprio, conduta também contrária aos princípios divinos. O “Não matar” de Moisés também se aplica a não matar a si mesmo, embora, no entendimento antigo e mesmo na atualidade, possa ser visto apenas como não matar o próximo, uma visão limitada da abrangência deste postulado divino.
Referindo-nos a esta possibilidade do autocídio, temos então o quarto gênero do tema em pauta: o suicídio. As estatísticas sobre este modo de aplicação da pena de morte: “Embora os números mundiais continuem alarmantes, a taxa de suicídio per capita está caindo, informou a OMS nesta segunda-feira (9). Cerca de 800 mil pessoas acabam com suas vidas todos os anos no mundo, o que equivale a uma morte a cada 40 segundos.”[6]
Esta é outra variedade do princípio da pena de morte, aplicada também, indiscriminadamente, atingindo crianças, jovens, adultos, idosos, de qualquer sexo e em qualquer região do Globo.
A reportagem citada inicia com uma informação esperançosa, a de que o número de suicídios está diminuindo em números absolutos. Contudo, há uma faixa etária onde esta prática vem recrudescendo: a das crianças e jovens, conforme havia predito Allan Kardec, quando abordou a questão da “Regeneração da Humanidade”: “E como se a destruição não marchasse bastante depressa, ver-se-ão os suicídios multiplicando-se em proporção nunca vista, até entre as crianças.”[7]
Por fim, poderíamos estender a doutrina da pena capital à destruição da fauna e flora existentes em nossa Casa Mater, ou seja, na Natureza.
O “Não matar” mosaico, seguramente, abrange o “Não matar” aos irracionais, prática que, mesmo neste século de tanta tecnologia e progresso da inteligência, alcança indiscriminadamente os nossos irmãos em evolução, muitas vezes de forma cruel.
Nota-se claramente que, embora a autorização para aplicar a pena de morte em nossa sociedade não tenha sido dada oficialmente, e esperamos confiantes que não seja jamais formalizada, há outras modalidades da pena capital sendo praticadas aos milhões, sem que a maioria sequer perceba essa triste realidade, de consequências graves para todos os envolvidos.
Diante de quadro tão contundente, que pelo menos nós, os espíritas, que recebemos uma educação moral e ética primorosa por meio das obras da Codificação, sejamos os inveterados protetores da vida, sob quaisquer circunstâncias, já que sabemos, temos a certeza de que o Espírito é imortal, e que o corpo representa apenas um aglomerado de átomos e partículas que, de fato, não se destroem, mas voltam à Natureza para a regular reciclagem na formação de novos corpos físicos.
Defendamos a vida, hoje e sempre!
Referências
1Disponível em: http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2018/01/1948797-apoio-a-pena-de-morte-no-brasil-e-a-mais-alta-desde-1991.shtml
Acesso em: 16/10/2020.
2 Disponível em: https://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/o-ibge-e-a-religiao-cristaos-sao-86-8-do-brasil-catolicos-caem-para-64-6-evangelicos-ja-sao-22-2/
Acesso em: 16/10/2020.
3 Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2020001305001
Acesso em: 16/10/2020.
4 KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 3. ed. Comemorativa do Sesquicentenário. Rio de Janeiro: FEB, 2006. q. 359
5 ______. ______. q. 880.
6 Disponível em: https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2019/09/09/suicidio-mata-uma-pessoa-a-cada-40-segundos-no-mundo-diz-oms.ghtml
Acesso em: 16/10/2020.
7 KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. ano 9. n. 10, out. 1866. Instrução dos Espíritos sobre a regeneração da Humanidade. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Brasília: FEB.