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Morte de um espírita

Revista Espírita, setembro de 1859

O senhor J…, negociante do departamento da Sarthe, que morreu em 15 de junho de 1859, era um homem de bem, sob todos os aspectos, e de uma caridade sem limites. Ele fizera um estudo sério do Espiritismo, do qual era um dos fervorosos adeptos. Como assinante da Revista Espírita, tinha relações indiretas conosco, sem que nos víssemos. Evocando-o, tivemos por objetivo não somente responder ao desejo de seus parentes e de seus amigos, mas de dar-lhe pessoalmente um testemunho de nossa simpatia, e agradecer-lhe pelas coisas corteses que havia dito e pensado de nós. Por outro lado, era para nós um objeto de estudo interessante do ponto de vista da influência que pode ter o conhecimento aprofundado do Espiritismo sobre o estado da alma depois da morte.

1. Evocação. – R. Estou aqui há algum tempo.

2. Não tive o prazer de vos ver; não obstante, me reconheceis? – R. Eu vos reconheço tanto melhor quanto se vos visitasse frequentemente, e porque tive mais de uma conversa convosco, como Espírito, durante a minha vida.

Nota. – Isso confirma o fato muito importante e do qual tivemos numerosos exemplos, de comunicações que os homens têm entre si, com o seu desconhecimento durante a sua vida. Assim, durante o sono do corpo, os Espíritos viajam e se visitam reciprocamente.

Eles trazem, ao despertar, uma intuição das ideias que hauriram nessas conversas ocultas, mas das quais ignoram a fonte. Temos, dessa maneira, durante a vida, uma dupla existência: a existência corpórea que nos dá a vida de relação exterior, e a existência espírita, que nos dá a vida de relação oculta.

3. Sois mais feliz do que na Terra? – R. Cabe a vós me perguntar isso?

4. Eu o concebo; entretanto, gozáveis de uma fortuna honrosamente adquirida, que vos proporcionava os gozos da vida; tínheis a estima e a consideração que mereceram vossa bondade e vossa beneficência, quereis dizer-nos em que consiste a superioridade de vossa felicidade atual? – R. Consiste naturalmente na satisfação que me proporciona a lembrança do pouco bem que fiz, e na certeza do futuro que me promete; e contais por nada a ausência das inquietações e das confusões da vida; dos sofrimentos corpóreos e de todos esses tormentos que nós criamos para satisfazer as necessidades do corpo?

Durante a vida, a agitação, a ansiedade, as angústias incessantes, mesmo no meio da fortuna; aqui, a tranquilidade e o repouso: é a calma depois da tempestade.

5. Seis semanas antes de morrer, afirmáveis ter ainda cinco anos para viver; de onde vos chegava essa ilusão, quando tantas pessoas pressentiam sua morte próxima? – R. Um Espírito benevolente quis afastar do meu pensamento esse momento que eu tinha a fraqueza de temer sem confessá-lo, apesar do que eu sabia quanto ao futuro do Espírito.

6. Havíeis aprofundado seriamente a ciência Espírita; podeis dizer-nos se, na vossa entrada no mundo dos Espíritos, encontrastes as coisas tais como as tínheis figurado? – R. Quase tudo, a não ser questões de detalhes que havia compreendido mal.

7. A leitura atenta que fazíeis da Revista Espírita e de O Livro dos Espíritos, vos ajudou muito nisso? – R. Incontestavelmente; foi principalmente isso o que me preparou para a minha entrada na verdadeira vida.

8. Sentistes um espanto qualquer em vos encontrando no mundo dos Espíritos? – R. É impossível que seja de outro modo; mas espanto não é a palavra: antes admiração. Bem longe se pode fazer uma ideia do que ele é!

Nota. – Aquele que, antes de ir habitar um país, estuda-o nos livros, se identifica com os costumes de seus habitantes, sua configuração, seu aspecto, por meio de desenhos, de planos e de descrições, fica menos surpreso, sem dúvida, do que aquele que dele não tem nenhuma ideia; e, todavia, a realidade mostra-lhe uma multidão de detalhes que ele não havia previsto e que o impressiona. Deve ocorrer o mesmo no mundo dos Espíritos, do qual não podemos compreender todas as maravilhas, porque há coisas que ultrapassam o nosso entendimento.

10. Deixando o vosso corpo, vistes e reconhecestes imediatamente Espíritos ao vosso redor? – R. Sim, e Espíritos queridos.

11. Que pensais agora do futuro do Espiritismo? – R. Um futuro mais belo do que pensais ainda, apesar da vossa fé e do vosso desejo.

12. Vossos conhecimentos quanto às matérias espíritas vos permitiram, sem dúvida, nos responder com precisão sobre certas questões. Poderíeis descrever-nos claramente o que se passou em vós no instante em que o vosso corpo deu o último suspiro, e quando o vosso Espírito se achou livre? – R. É, eu creio, pessoalmente muito difícil encontrar um meio para vos fazer compreender de outro modo que não haja sido feito, comparando a sensação que se experimenta ao despertar que se segue a um sono profundo; esse despertar é mais ou menos lento e difícil em razão direta da situação moral do Espírito, e não deixa nunca de ser fortemente influenciado pelas circunstâncias que acompanham a morte.

Nota. – Isto está conforme todas as observações que se fizeram sobre o estado do Espírito no momento da sua separação do corpo; sempre vimos as circunstâncias morais e materiais, que acompanham a morte, reagirem poderosamente sobre o estado do Espírito nos primeiros momentos.

13. Vosso Espírito conservou a consciência de sua existência até o último momento, e a recobrou imediatamente? Houve um momento de ausência de lucidez, e qual foi a sua duração? – R. Houve um instante de perturbação, mas quase inapreciável para mim.

14. O instante do despertar teve alguma coisa de penoso? – R. Não, ao contrário; eu me sentia, se posso falar assim, alegre e disposto como se tivesse respirado um ar puro à saída de uma sala enfumaçada.

Nota. – Comparação engenhosa e que não pode ser senão a expressão da verdade.

15. Lembrai-vos da existência que tivestes antes da que acabais de deixar? Qual foi ela? – R. Eu me lembro como melhor se pode. Fui um bom servidor junto de um bom mestre, que me recebeu juntamente com outros na reentrada neste mundo feliz.

16. Vosso irmão, creio, se ocupa menos das questões espíritas do que não o fazíeis? – R. Sim, eu farei de modo que ele as tome mais no coração, se isso me for permitido. Se ele soubesse o que se ganha com isso, ligar-lhe-ia maior importância.

17. Vosso irmão encarregou o senhor B… de comunicar-me o vosso decesso; ambos esperam, com impaciência, o resultado de nossa conversa; mas ficarão ainda mais sensíveis com uma lembrança direta de vossa parte, se quiserdes encarregar-me de algumas palavras para eles, ou para outras pessoas que vos lamentam. – R. Eu lhes diria, por vosso intermédio, o que lhes diria eu mesmo, mas temo muito não ter mais influência junto de alguns entre eles do que tive outras vezes; entretanto, eu os conjuro, em meu nome e daqueles de seus amigos, que eu vejo, de refletirem, e de estudarem seriamente essa grave questão do Espiritismo, não fosse senão pelos recursos que ela dá para passar por esse momento tão temido da maioria, e tão pouco temível para aquele que se preparou para avançar pelo estudo do futuro e da prática do bem. Dizei-lhes que estou sempre com eles, no meio deles, que os vejo, e que ficaria feliz se suas disposições lhes assegurarem, no mundo que estou, um lugar do qual não terão senão que se felicitarem. Dizei-o, sobretudo ao meu irmão, cuja felicidade é meu voto mais caro, e de quem eu não me esqueço, embora eu esteja mais feliz.

18. A simpatia que quisestes me testemunhar durante a vossa vida, sem me ver, faz-me esperar que nos reconheceremos facilmente quando me encontrar entre vós; e até lá ficaria feliz se quisésseis me assistir nos trabalhos que me restam a fazer para cumprir a minha tarefa. – R. Vós me julgais muito favoravelmente; entretanto, convencei-vos de que, se vos posso ser de alguma utilidade, não deixarei de fazê-lo, talvez mesmo sem que disso suspeiteis.

19. Nós vos agradecemos em consentir vir ao nosso chamado, e pelas explicações instrutivas que nos destes. – R. Estou à vossa disposição; estarei frequentemente convosco.

Nota. – Esta comunicação, sem contradita, é uma das que pintam a vida espírita com mais clareza; ela oferece um poderoso ensinamento quanto à influência que as ideias espíritas exercem sobre o nosso estado depois da morte.

Esta palestra pareceu deixar alguma coisa a desejar ao amigo que nos comunicou a morte do senhor J… “Este último, nos respondeu ele, não conservou em sua linguagem o cunho de originalidade que tinha conosco. Ele se prende numa reserva que não observava com ninguém; seu estilo incorreto, irregular, sem inspiração: ele ousava tudo; ele atacava vivamente quem formulasse uma objeção contra as suas crenças; ele nos desfazia inteiramente para nos converter. Na sua aparição psicológica, não deixa conhecer nenhuma particularidade das numerosas relações que tinha com uma multidão de pessoas que ele frequentava. Gostaríamos muito ver-nos designados por ele, não para satisfazer a nossa curiosidade, mas para a nossa instrução. Gostaríamos que falasse claramente de algumas ideias emitidas por nós, em sua presença, nas nossas conversações. Poderia dizer-me, a mim pessoalmente, se estou errado em deter-me em tal ou tal consideração; se o que lhe disse é verdadeiro ou falso. Nada nos falou de sua irmã ainda viva e tão digna de interesse.”
Depois desta carta, evocamos de novo o senhor J… e lhe dirigimos as perguntas seguintes:

20. Tendes conhecimento da carta que recebi em resposta à enviada de vossa evocação. – R. Sim, eu o vi escrevê-la.

21. Teríeis a bondade de nos dar algumas explicações sobre certas passagens dessa carta, e isso, como bem o penseis, num objetivo de instrução, e unicamente para fornecer-me os elementos de uma resposta? – R. Se o considerais útil, sim.

22. Acham estranho que a vossa linguagem não conservou seu cunho de originalidade; parece que, quando vivo, éreis bastante intransigente na discussão. – R. Sim, mas o Céu e a Terra são bem diferentes, e aqui encontrei mestres. Que quereis? Eles me impacientavam com as suas objeções ridículas; eu lhes mostrava o Sol, e eles não queriam vê-lo; como guardar sangue frio? Aqui não tenho nada para discutir; todos nos compreendemos.

23. Esses senhores se admiram que não os interpelastes nominalmente para refutá-los, como o fazíeis quando vivo. – R. Que se admirem com isso! Eu os espero; quando vierem juntar-se a mim verão quem de nós tinha razão. É necessário que eles venham. bom grado ou malgrado eles, e uns antes do que o creem; sua jactância cairá como a poeira abatida pela chuva; sua fanfarrice… (Aqui o Espírito se deteve e se recusou a acabar a frase).

24. Eles inferem com isso que não lhes destes todo o interesse a que tinham direito de esperar de vós? – R. Eu os quero bem, mas não o farei, apesar deles.

25. Eles se admiram igualmente de que nada dissestes sobre vossa irmã. – R. Estão, pois, entre mim e ela?

26. O senhor B… desejava que lhe dissésseis o que vos contou na intimidade; seria para ele, e para os outros, um meio de se esclarecerem. – R. Por que repetir-lhe o que ele sabe? Crê que eu não tenha o que fazer? Não têm todos os meios de se esclarecerem que tinha eu mesmo? Que os aproveitem! Que eles se sentirão bem, eu lhes garanto. Quanto a mim, bendigo o céu por ter me enviado a luz que me abriu a rota da felicidade.

27. Mas é esta luz que eles desejam e que ficariam felizes recebendo de vós. – R. A luz brilha para todo o mundo; cego quem não a vê; este cairá no precipício e amaldiçoará a sua cegueira.

28. Vossa linguagem me parece marcada por uma bem grande severidade. – R. Não me acharam muito afável?

29. Nós vos agradecemos por consentir em vir, e pelos esclarecimentos que nos destes. – R. Sempre ao vosso serviço, porque sei que é para o bem.

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