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O valor de dez verdades

Autor: Rogério Miguez

O Grande Arquiteto do Universo há criado Espíritos constantemente, somos “zilhões” em diversos estágios de evolução, inúmeros ainda incipientes, outros mais sábios, muitos perfeitos. Entre os representantes da classe dos sábios, bondosos e instruídos, certamente está Erasto, um Espírito superior, nos dizeres de Allan Kardec.1

Com participação registrada na elaboração de obras fundamentais, como exemplo, O Livro dos Médiuns, O Evangelho segundo o Espiritismo e O Céu e o Inferno, além de ter contribuído na Revista Espírita de 1861 e 1863, à parte outras contribuições não assinadas ou não identificadas, este Espírito luminar, discípulo de Paulo, fez-se sentir ativamente na estruturação do corpo doutrinário, contribuindo significativamente na elaboração da Doutrina dos Espíritos.

Uma de suas lúcidas contribuições foi certamente a máxima: “É melhor repelir dez verdades do que admitir uma única falsidade, uma só teoria errônea”.2 Especial e incomum ensino.

A primeira vista parece um contrassenso, é enigmático, afinal rejeitar dez verdades, em nome de apenas uma mentira ou teoria falsa! Numericamente parece desproposital e desproporcional, entretanto, Erasto conhecia muito bem o valor deste ensinamento. Tinha ciência perfeita de como agem Espíritos apenas interessados, a qualquer custo, em: homenagens, aplausos, vã admiração, louvores e idolatria, tanto encarnados, bem como desencarnados.

O preceito foi proposto a mais de 150 anos atrás, contudo, encontra perfeita aplicação na virada do século XX e início do XXI, período onde houve acentuada produção de obras espiritualistas e afins. Observando detidamente a nossa particular seara, quantas literaturas têm sido escritas em nome da Doutrina, não representando nada além de tentativas de: confundir, ludibriar, enganar, dividir, fantasiar e maravilhar os incautos seguidores destas novas proposituras.

Um afirma sobre a existência de reencarnação no plano imaterial, uma afronta aos princípios doutrinários quando estes esclarecem sobre a impossibilidade desta teoria errônea. Não há qualquer indício contido nas Obras Básicas sequer apontando nesta direção. A significativa obra psicografada por Francisco Cândido Xavier em bem mais de 400 volumes, jamais deixou qualquer abertura para a materialização de tal conceito. Igualmente, a obra ainda inacabada continuamente oferecida pela pena de Divaldo Pereira Franco, através de Espíritos iluminados, não corrobora esta proposta, apenas para citar dois confiáveis médiuns entre outros encarnados e já desencarnados. Como entender dois Espíritos desencarnados por via de uma conjugação sexual gerar um “corpo”, espiritual, no qual outro Espírito venha a se “encarnar”! Isto no plano etéreo!?

Há o defensor da prática do aborto respaldada por decisão pessoal da mãe ou dos pais, porém, esta hipótese caminha frontalmente de encontro ao princípio mais basilar de todos qual seja: o direito à vida, conforme Allan Kardec bem registou nas questões 358 e 880 em O Livro dos Espíritos. Qual seria a base lógica e racional sustentando esta possibilidade? Aborto em função de violência sexual!? Perguntamos nós outros: Existe alguma orientação doutrinária sugerindo a existência do acaso na Lei do Senhor? Fatos desta ordem quando acontecem, são efeitos indesejados relacionados a tortuosas condutas anteriores da pessoa agredida, mormente na área sexual. Além do aborto por violência sexual, defende-se igualmente o aborto do anencéfalo. Mais uma vez, lembramos, não há acaso nos postulados divinos. Ademais, a vida tem nos mostrado ser possível o anencéfalo viver, embora com restrições, dependendo do grau de anencefalia do nascituro, sendo uma vida e um processo de aprendizado tanto para os pais quanto para o Espírito reencarnante, a se interromper, quando se lança mão desta prática delituosa. Certamente mais uma teoria errônea.

Outro, categoricamente, “instrui” a ninguém ser dado o direito à repreensão, não se podendo levantar nenhuma dúvida sobre os outros, ser impossível descortinar o erro na conduta alheia, visto sermos todos imperfeitos, desta forma, ninguém teria a autoridade moral para tanto. Relendo O Evangelho segundo o Espiritismo, lá encontramos: “É permitido repreender os outros, notar as imperfeições de outrem, divulgar o mal de outrem?”, e no item 19 temos:

19. Ninguém sendo perfeito, seguir-se-á que ninguém tem o direito de repreender o seu próximo?

– Certamente que não é essa a conclusão a tirar-se, porquanto cada um de vós deve trabalhar pelo progresso de todos e, sobretudo, daqueles cuja tutela vos foi confiada. Mas, por isso mesmo, deveis fazê-lo com moderação, para um fim útil, e não, como as mais das vezes, pelo prazer de denegrir. Neste último caso, a repreensão é uma maldade; no primeiro, é um dever que a caridade manda seja cumprido com todo o cuidado possível. […] – S. Luís. (Paris, 1860.) 3

É fato, São Luís é quem nos orienta de modo contrário à proposta tortuosa anteriormente mencionada. Vale observar também ser esta particular análise, exemplo da utilização direta da orientação de São Luís aplicada ao momento atual.

Observemos agora em qual contexto espírita a regra de ouro de Erasto foi formulada: dentro da área experimental espírita, no mais seguro guia tratando das manifestações e dos médiuns – O Livro dos Médiuns. Teria sido incluída neste compêndio ao acaso? Não cremos, afinal, é exatamente nesta área do corpo doutrinário aonde se vem apresentando as maiores aberrações, oriundas de algumas duplas “médium-guia espiritual”, ambos em princípio claramente desalinhados com o ideal espírita.

São um punhado de médiuns ávidos por destaque a comandar esta verdadeira avalanche de obras pseudo e antidoutrinárias, surpreendentemente, fazendo adeptos nas fileiras de seguidores espíritas, por pura desatenção destes, em função do desconhecimento da base dos conceitos espíritas, pois se estudassem as obras básicas e suas subsidiárias, facilmente perceberiam as distorções pretendidas por alguns, desejosos de incorporá-las à Doutrina, segundo interesses diversos.

Os seguidores e divulgadores destes pseudoautores espíritas nota-se, se justificam frequentemente lançando mão do argumento de serem estes médiuns praticantes da caridade, realizam obras sociais de vulto, asseveram, desta forma, se justificaria plenamente a aquisição das obras publicadas, cabe lembrar, por editoras próprias, para ajudá-los a manter as suas nobres iniciativas caridosas.

É sempre oportuno um esclarecimento na condução da prática espírita, visto não haver qualquer dever dos espíritas na manutenção de atividades sociais, o propósito do Espiritismo é a melhora moral da Humanidade, combatendo sistematicamente o egoísmo e o orgulho, esclarecendo-nos sobre o funcionamento das leis de Deus. Em consequência, a Humanidade se tornará mais cumpridora de seus deveres, proporcionando uma melhora natural no organismo social, sem necessidade de se construir obras humanitárias para justificar os meios de se obter numerário, de forma a mantê-las.

Não há nenhuma obrigatoriedade de nos preocuparmos com obras sociais mantidas por médiuns desorientados, tentando viabilizá-las financeiramente, com a aquisição da literatura falsa, por eles produzida.

Mas afinal onde está o valor da proposta de Erasto? Está justamente no sacrifício em deixar de lado verdades incontestes de modo a não permitir uma única mentira disseminada em conjunto com estas verdades. Neste fato reside o peso deste preceito.

Se um livro possui 99% de verdades, textos irrepreensíveis do ponto de vista espírita e apresenta 1% de inverdades, as verdades nele contidas, se forem novas, ficam para o futuro, no entanto, de modo geral, cabe ressaltar, estas verdades não passam de cópia de irrepreensíveis textos doutrinários e lá são inseridas para dar sustentação ao todo, ocultando sutilmente as teorias errôneas entre muitas opiniões corretas. Técnica sábia, mas insuficiente para iludir os mais atentos.

Ademais, não há verdades novas do ponto de vista moral, tudo já foi dito e visto, o exemplo a ser seguido é Jesus; tampouco novidades filosóficas, pois a filosofia espírita ora contida no Pentateuco é material vastíssimo nos desafiando a: observar, refletir, entender e principalmente vivenciar. Na área científica certamente acontecerão as novas verdades, mas para tanto é preciso haver pesquisas e concordância universal, obterem a aprovação da lógica, da razão e do bom senso, não ferirem os princípios doutrinários, exatamente o que não se apresenta em qualquer dos exemplos ora citados, tampouco em outros casos não abordados no momento.

Admitindo-se as falácias mencionadas, existem consequências, e são graves, pois em cima de uma fundação falsa, constrói-se um castelo de inverdades, uma mentira alimenta a outra e ao final tem-se uma “doutrina” conduzindo os seus seguidores à perdição e ao descaminho.

Os interesses dos embusteiros são sempre os mesmos, tudo está a indicar: o agrado da velha vaidade; a ânsia pelo poder e o destaque; a satisfação do orgulho pessoal observando a massa de perseverantes e fanáticos seguidores; e não menos importante de se destacar, a obtenção de bens materiais, podendo ou não serem usados em obras sociais.

Esta é a realidade do momento, cabe a cada um de nós trabalhar pela erradicação destes autores levianos, mantendo a nossa vigilância sobre todos eles, permanecendo fiéis ao pensamento doutrinário, muito bem elaborado e coordenado pelo invulgar Espírito Allan Kardec.

1 KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Trad.  Evandro Noleto Bezerra. 2. Ed. 1 imp. Brasília: FEB Editora, 2008. cap. XIX, item 225.

2  ____.____. cap. XX, item 230.

3 ­­____. O Evangelho segundo o Espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. 97. Ed. Rio de Janeiro: FEB Editora, 1987. cap. X, itens 19 a 21.

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