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Rousseau, o “Newton” da mente

Autor: Paulo Henrique de Figueiredo

Kant estudava a metafísica como todos de seu tempo, conjecturando ideias sobre como as coisas foram criadas por Deus, e muitas outras coisas fora do alcance dos nossos sentidos, e que, por isso, podemos chamar de dogmática. Ele dava aulas na universidade sobre isso, e escrevia textos, como A história universal da natureza de 1755, ano em que obteve o título de doutor.

Em sua carreira como professor titular de filosofia chegou a ocupar o cargo de reitor por duas vezes na universidade. Com 46 anos, em 1770, uma nova fase se estabeleceu em suas pesquisas, conhecido como período crítico. Foi quando percebeu que os debates acadêmicos sobre a metafísica não teriam progresso no futuro, por um fato muito simples. Como poderíamos discutir as hipóteses sobre os atos de criação de Deus, por exemplo, se não há pessoa alguma que tenha observado um fenômeno que poderia confirmar ou negar determinada ideia? Não só nas questões acadêmicas, como também nas metafísicas tradicionais das religiões positivas. Por exemplo, na época, se perguntava como podemos saber se Deus criou os planetas ou se eles existem desde sempre? Ninguém estava lá nesse início para dizer como ocorreu!

Fazendo um parêntese, podemos pensar hoje que a ciência tem meios indiretos de observação para elaborar complexas teorias, adequadas para explicar o surgimento do universo. Sabemos que ele teve um início, e uma formação progressiva das partículas, estrelas, átomos e tudo o mais. Na época, isso parecia impossível de confirmar. No entanto, mesmo hoje não sabemos se nosso universo é único, ou se haviam outros antes desse ter iniciado! Os físicos podem pensar sobre isso, mas não há indício anterior a este universo que permita fazer uma afirmação, seja negativa ou positiva.

Essa história da formação intelectual de Kant é muito interessante, e está bem relatada em centenas de livros. Interessa-nos aqui, porém, o que ele estudou sobre a questão moral. As conclusões do filósofo sobre esse tema teve grande influência de sua leitura arrebatadora da obra de Rousseau, em especial O Emílio. Esse encontro formidável foi fundamental para abrir caminho ao Espiritismo, que surgiria no século seguinte. Segundo Kant, a revolução no campo da moral provocada pelo filósofo genebrino se compara ao ocorrido nas ciências com as descobertas de Newton:

Em primeiro lugar, Newton viu ordem e regularidade ligadas com grande simplicidade onde antes dele só havia desordem e diversidade mal combinada, e desde então os cometas percorrem orbitas geométricas. Em primeiro lugar, Rousseau descobriu em meio à diversidade das supostas figuras humanas a natureza oculta no fundo dos homens e a lei escondida segundo a qual a Providência se justifica pelas suas observações.

(Immanuel Kant’s Sämmtliche Werke, vol. VIII, p.630).

Kant foi quem melhor compreendeu a profundidade do pensamento de Rousseau, percebendo em suas ideias uma revolução nas ideias morais e religiosas. Quando a lei universal está presente em nossa consciência, não devemos obedecer a Deus, temendo castigos e desejando recompensa, seguindo leis externas. Em verdade, temos um sentido, um senso moral, que desenvolvemos pela razão, que orienta as escolhas de nossa vontade livre, para que nossa ação seja sempre a melhor possível, para o maior número de pessoas.

A lei natural que rege a moral não é externa, está presente na consciência de cada ser, como definiu Rousseau em O Emílio:

Consciência! Juiz infalível do Bem e do Mal, que tornas o homem semelhante a Deus, és tu que fazes a excelência de sua natureza e a moralidade de suas ações.

Seguir uma lei externa imposta por Deus foi o que ensinaram as religiões, submetendo as multidões por milhares de anos. Kant e Rousseau revolucionaram as ideias ao apresentar o conceito de autonomia moral, máxima fundamental da doutrina espírita, como ensinariam os espíritos superiores à Kardec e a comunidade dos primeiros pesquisadores espíritas!

Retomar essa teoria esquecida nas obras de Allan Kardec é um passo fundamental para que essa doutrina libertadora esteja presente nesses momentos de transformação da humanidade!

Livros do autor: https://mundomaior.com.br/paulo-henrique-de-figueiredo/

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