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Solucionando a falta de jovens no movimento espírita

Autor: Felipe Gallesco

Desde que pesquisas nacionais espíritas, tais como as realizadas pelo pesquisador Ivan Franzolim, começaram a ser divulgadas, um fato em destaque é a falta de jovens no movimento espírita.

Escrevo considerando jovens, aqueles que têm entre 15 a 29 anos, conforme definido no Estatuto da Juventude. Na última Pesquisa Espírita, realizada em 2022, os jovens corresponderam só a 4,8% da média desse público, na casa espírita. Pessoas com idade entre 51 a 70 anos representaram 56,6% – o endereço da pesquisa está ao final do texto.

Diversas casas espíritas, órgãos de unificação, grupos de estudo, entre outros… têm debatido constantemente o que pode ter gerado este quadro de evasão e possíveis formas de solução. Alguns apontam que a divulgação dos trabalhos deve ser intensificada, outros questionam os horários das reuniões e, por fim, é feita uma lista de pontos que quando são implementados, não trazem o resultado esperado.

Acredito, não só por eu trabalhar há 20 anos focado na juventude espírita, que muito esforço é gasto no campo das ideias e que as perguntas e atividades não surtem o resultado desejado, por falta de um entendimento mais abrangente do problema. Percebo que muitos grupos estão preocupados com a continuidade dos trabalhos no futuro, depois que os trabalhadores mais idosos desencarnarem, porém eu vejo um cenário mais preocupante hoje. Vou detalhar e apresentar soluções.

O primeiro ponto é que não existe falta de jovens na população brasileira. Os que chegam na casa espírita não permanecem por muito tempo. Quando o jovem gosta de uma atividade, ele permanece e convida outros que aumentam o grupo. O maior problema está em conseguir reter essa faixa etária.

Sofrendo mais influência que os demais grupos, o jovem costuma ter uma série de atividades prazerosas ou obrigações que geram valor, concorrentes a participação na casa espírita, tais como escola, faculdade, trabalho, festas, academia, videogame, séries, redes sociais, relacionamentos etc.

Mesmo com uma quantidade grande de demandas, o jovem costuma priorizar aquilo que o faz se sentir bem, como maratonar uma série que está em alta – no final de semana inteiro. Acredito que os outros públicos sofrem menos assédio de atividades que os jovens.

Com o desenvolvimento tecnológico e aumento da concorrência, o meio empresarial precisou se reinventar. Usando segmento bancário como exemplo, antigamente o banco queria aumentar a base de clientes, bastava investir em mais propaganda na TV e as pessoas procuravam as agências para abrirem suas contas. Hoje, esse cenário é diferente. Os bancos que vão atrás dos clientes, colocando equipes de prospecção nas ruas e criando um relacionamento de valor que fideliza os correntistas.

A questão da geração de valor é o resumo do problema que o movimento espírita brasileiro enfrenta hoje.

Na casa espírita que participo, quase não existem jovens – e trabalhadores. Se eu pegar o carro, no horário das reuniões noturnas, e passear pelo bairro, vou encontrar uma multidão de jovens frequentando academias e bares. A pergunta principal é:

Por que eles preferem esses lugares à casa espírita?

Conversando sobre este assunto com meu amigo Lucas Sá, que é um antigo trabalhador no movimento de mocidades, ele disse que a resposta dessa pergunta valia milhões de reais e era assunto recorrente em reuniões de unificação. Não acho que seja para tanto, e consigo responder com certa assertividade – os jovens preferem esses lugares por verem mais valor ali, que nas casas espíritas.

No bar geralmente eles estão entre amigos, conversam, contam problemas, dividem histórias, risadas e esse contato humano é que faz eles se sentirem bem – não necessita de álcool. Nas reuniões espíritas essa abertura pode não acontecer.

As academias de musculação sabem que as pessoas se matriculam, muitas vezes, por impulso de melhorarem a estética, terem mais saúde e disposição, porém esse impulso não é suficiente para fazê-las manter a rotina de frequência. Por isso, o ambiente é cheio de espelhos. A pessoa prefere permanecer ali quando vê a mudança no corpo, e esse é o valor e motivação para continuar – quando os benefícios são perceptivos

A noção de valor pode variar de pessoa para pessoa e existe uma literatura rica contendo problemas, cenários, soluções e resultados – para quem quiser se aprofundar, recomendo o estudo na área de agilidade – que é um campo de estudo recente, e administração.

As empresas fintech que hoje, no mercado, têm demonstrado resultados de crescimento surpreendentes, tem em sua cultura a geração de valor como foco principal, e esse movimento tem sido copiado por outros tipos e portes de empresas, mas essa riqueza de informações não foi absorvida pelo movimento espírita.

Penso que todo o esforço que está sendo empregado em entender a falta de jovens no movimento seria mais bem direcionado se as discussões girassem em torno, de como a casa espírita pode gerar mais valor para os trabalhadores, frequentadores e assistidos.

Vou elencar três tópicos, que na minha visão, já serviria de solução, num primeiro momento. Pretendo abordar mais profundamente esse assunto em textos futuros.

Ter foco no essencial

Casas espíritas e órgãos de unificação realizam várias atividades que muitas vezes começaram em períodos que esses grupos tinham quantidades de pessoas diferentes, e querendo manter o costume, mantêm atividades precárias que cansam quem participa ou trabalha.

O ideal é escolher aquilo que é essencial e focar todo esforço nisso, para que seja muito bem executado. Depois, se a disponibilidade permitir, abraçar outras tarefas.

Criar um departamento de agilidade

Geralmente, nos núcleos espíritas, existem vários departamentos, tais como doutrina, tesouraria, livraria, assistência social, mocidade, infância etc. Nesse contexto, o de agilidade viria para ajudar na melhoria dos demais.

Primeiro, agilidade é um campo de estudo e não se refere a fazer as coisas rapidamente, mas de estruturar fluxos para o trabalho acontecer de maneira leve, fluída. É justamente essa leveza que sinto que os trabalhadores espíritas mais anseiam.

Na prática, esse departamento ajudaria na melhoria contínua, na transformação digital, aplicaria dinâmicas e pesquisaria boas práticas para serem adotadas. Não tenho totalmente a ideia fechada nesse departamento e podem ser incluídas mais tarefas.

Dinâmicas de grupo

Essas dinâmicas seriam aplicadas periodicamente com os trabalhadores e frequentadores que participam das atividades da casa espírita. Recomendo a aplicação sempre que um ciclo se encerra. Pode ser trimestralmente, por exemplo, e podem ser feitas todas no mesmo dia ou em momentos diferentes.

Eu, particularmente, gosto sempre de aplicar três tipos de dinâmicas, em sequência – que podem ser feitas virtualmente ou com papel. Pretendo detalhar essas dinâmicas em outros textos e colocar os links aqui.

Dinâmica de agradecimento

Promover dinâmicas onde os participantes tenham a oportunidade de abertamente manifestarem o quanto estão agradecidas por aquele ciclo que se encerrou, o quanto cresceram, agradecer outras pessoas.

A condução não deve ocorrer de forma que o agradecimento seja principalmente para os dirigentes do trabalho, mas que o grupo como um todo possa manifestar contentamento por estarem integrados ali.

Dinâmica dos sentimentos

Pode ser realizada eletronicamente, todavia presencialmente eu distribuiria um papelzinho com três perguntas, sobre pessoas, estudo e local. Quem participar pintaria o rosto de como se sentiu, sobre cada um desses aspectos, durante o ciclo avaliado, dobraria o papel e colocaria anonimamente numa urna.

Dinâmica de retrospectiva

Abrir o espaço para falarem sobre os pontos que naquele ciclo foram bons, ruins e quais mudanças podem ser feitas. O importante é estimular a falarem sobre incômodos e situações que não gostaram. É nesse tipo de conversa aberta e moderada que o conflito entre pessoas, geralmente se resolve. Muita gente prefere se afastar da casa espírita quando sente mágoa e não encontra espaço para falar abertamente e se curar.

Nos espaços de retrospectiva o foco das conversas é sobre situações, nunca direcionar o incomodo para o jeito de uma pessoa ser – o moderador precisa intervir se algum conflito evoluir. Existe muito material de como aplicar essa dinâmica na internet, com sites especializados.

Com essas aplicações eu consigo:

  • Aumentar em todos a gratidão e percepção do valor de estarem ali
  • Percebo o sentimento do grupo com relação aos pontos chaves
  • Abertura para discutir problemas, tratar conflitos e unir pessoas

Com base nessas informações, a casa espírita consegue fazer ajustes graduais e constantes que previnam que pessoas busquem valor somente em outros lugares.

Acredito firmemente nessa proposta e já tive a oportunidade de aplicar em grupos não espiritas, com problemas semelhantes.  Os resultados foram ótimos e vieram com o tempo.

Essa não é somente uma solução para falta de jovens no movimento espírita, mas através de uma abordagem mais atualizada e humanizada, vejo uma transformação que beneficiará o público de todas as idades.

Espero não encerrar este assunto, mas estimular uma discussão mais direcionada e assertiva.

Agradecimento

Ao meu amigo Tácio Andrade Teixeira da Silva, excelente agilista, que me apresentou toda a estrutura de dinâmicas

Referências

Resultado da pesquisa nacional para espíritas 2022 – http://franzolim.blogspot.com/2022/05/resultados-da-pesquisa-nacional-para.html

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