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Variedades: Lorde Castlereagh e Bemadotte

Revista Espírita, julho de 1859    

Há quase quarenta anos, a aventura seguinte chegou ao marquês de Londonderry, depois lorde Castlereagh. Ia ele visitar um gentil-homem de seus amigos, que morava ao norte da Irlanda, um desses castelos que os romancistas escolhem, de preferência, para teatro de aparições. O aspecto do apartamento do marquês estava em harmonia perfeita com o edifício. Com efeito, as paredes de madeira, ricamente esculpidas e escurecidas pelo tempo, a imensa abóbada da chaminé, semelhante à entrada de um túmulo, as cortinas apodrecidas e pesadas, que ocultavam os cruzeiros e cercavam o leito, eram de natureza a darem uma direção melancólica aos pensamentos.

Lorde Londonderry examinou o seu quarto e tomou conhecimento com os antigos senhores do castelo, que, de pé em seus quadros, pareciam esperar a sua saudação. Depois de haver despedido seu criado, deitou-se. Vinha de apagar sua vela, quando percebeu um raio de luz que clareou o dossel de seu leito. Convencido de que não havia fogo na grade, e as cortinas estavam fechadas, e que o quarto se encontrava, alguns minutos antes, mergulhado numa obscuridade completa, supôs que um intruso se introduziu no quarto. Virando-se, então, rapidamente para o lado de onde vinha a luz, ele viu, com grande espanto, a figura de uma bela criança, cercada de um limbo.

Persuadido da integridade de suas faculdades, mas supondo uma mistificação de um dos numerosos hóspedes do castelo, lorde Londonderry avançou para a aparição, que se retraiu diante dele. À medida que ele se aproximava, ela recuava, até que, enfim, chegada sob a sombria abóbada da imensa chaminé, ela submergiu na Terra.

Lorde Londonderry não dormiu a noite inteira.

Determinou-se em não fazer-se nenhuma alusão ao que lhe acontecera a até que tivesse examinado, com cuidado, todas as pessoas da casa. No almoço, procurou em vão compreender alguns sorrisos ocultos, olhares de conivências, piscadelas de olhos pelas quais se traem, geralmente, os autores dessas conspirações domésticas.

A conversação seguiu seu curso normal; estava animada, e nada revelava uma mistificação. Afinal, o marquês não pôde resistir ao desejo de contar o que vira. O senhor do castelo fez observar que o relato de lorde Londonderry deveria parecer muito extraordinário àqueles que não habitavam, a muito tempo, o solar, e que não conheciam as lendas da família. Então, voltando-se para lorde Londonderry:

“Vós vistes a criança brilhante, disse-lhe; ficais satisfeito, é o presságio de uma grande fortuna; mas preferiria que não fosse a questão dessa aparição.”

Em uma outra circunstância, lorde Castlereagh viu a criança brilhante na câmara dos comuns. No dia de seu suicídio, teve uma aparição semelhante (1)((1)Fontes Winslow.

Anatomyotsuicide, 1 vol. in-8-, p. 242. Londres, 1840. ). Sabe-se que esse lorde, um dos principais membros do ministério Harrowby e o mais encarnecido perseguidor de Napoleão, durante seus reveses, se cortou a artéria carótica no dia 22 de agosto de 1823, e morreu no mesmo instante. A espantosa fortuna de Bernadotte, diz-se, fora-lhe predita por uma famosa necromante . Jue anunciara também a de Napoleão l, e que tinha a confiança da imperatriz Josephine.

Bernadotte estava convencido de que uma espécie de divindade tutelar ligava-se a ele para protegê-lo. Talvez as tradições maravilhosas que cercaram seu berço, não eram estranhas a esse pensamento, que jamais o abandonou. Conta-se, com efeito, na sua família, uma antiga crônica que pretendia que uma fada, mulher de um dos seus ancestrais, predissera que um rei ilustraria sua posteridade.

Eis um fato que prova quanto maravilhoso conservara de império sobre o Espírito do rei da Suécia. Ele queria cortar pela espada as dificuldades que a Noruega lhe opusera, e enviar seu filhos Oscar à frente de uma armada para subjugar os rebeldes. O conselho de Estado fez uma viva oposição a esse projeto. Um dia, quando Bernadotte acabara de ter uma discussão animada sobre esse assunto, ele montou a cavalo e se distanciou da capital em grande galope. Depois de ter vencido um longo espaço, chegou aos limites de uma sombria floresta. De repente, apresentou-se-lhe aos olhos uma velha mulher bizarramente vestida e com seus cabelos em desordem: “Que quereis?” Perguntou bruscamente o rei. A feiticeira respondeu sem se desconcertar:

– Se Oscar combater nessa guerra que tu me dizes, ele não dará os primeiros golpes, mas recebê-los-á.

Bernadotte, atingido por essa aparição e essas palavras, retornou a seu palácio. No dia seguinte, trazendo ainda no rosto os traços de uma longa vigília cheia de agitação, ele se apresentou ao conselho: “Mudei de opinião, disse; negociaremos a paz, mas quero-a em condições honrosas.”

O senhor de Chateaubriand conta, em sua Vie de M. de Rance, fundador da Trappe, que um dia esse homem célebre, passeando na avenida do palácio de Veretz, acreditou ver um grande fogo que havia tomado as construções do galinheiro. Para Ia voou: o fogo diminuía à medida que dele se aproximava. A uma certa distância, o grande incêndio se muda em um lago de fogo, no meio do qual se elevava, a meio corpo, uma mulher devorada pelas chamas. O medo o tomou, e retomou correndo o caminho da casa. Ao chegar, as forças lhe faltavam, e ele se lançou morrendo sobre um leito. Não foi senão muito tempo depois, que ele contou essa visão, cuja única lembrança lhe fazia empalidecer.

Esses mistérios pertencem à loucura? O senhor Bière de Boismont parece atribuí-los a uma ordem de coisas mais elevada, e sou de sua opinião. Isso não desagrada meu amigo, o doutor Lélute: prefiro crer melhor no gênero familiar de Sócrates e na voz de Jeanne d’Arc que na demência do filósofo e da virgem de Domrémy.

Há fenômenos que ultrapassam a inteligência, que desconcertam as ideias recebidas, mas diante da evidência dos quais é preciso que a lógica humana se incline humildemente. Nada é brutal e, sobretudo, irrecusável como um fato. Tal é a nossa opinião, e sobretudo a do senhor Guizot:

“Qual é a grande questão, a questão suprema que preocupa hoje os Espíritos? É a questão posta entre aqueles que reconhecem e aqueles que não reconhecem uma ordem sobrenatural, certa e soberana, embora impenetrável à razão humana; a questão posta, para chamar as coisas pelo seu nome, entre o super naturalismo e o racionalismo.

De um lado, os incrédulos, os panteístas, os céticos de toda sorte, os puros racionalistas; do outro os cristãos.

“É necessário, para a nossa salvação presente e futura, que a fé na ordem sobrenatural, que o respeito e a submissão à ordem sobrenatural reentrem no mundo e na alma humana, nos grandes espíritos como nos espíritos simples, nas regiões mais elevadas como nas regiões mais modestas. A influência real, verdadeiramente eficaz e regeneradora das crenças religiosas, está nessa condição; fora disso, são superficiais e bem perto de serem vãs.” (Guizot.)

Não, a morte não separa para sempre, mesmo neste mundo, os eleitos que Deus recebeu em seu seio e os exilados que permanecem neste vaie de lágrimas, in hac lacrymarum valle, para empregar as melancólicas palavras do Salve regina. Há horas misteriosas e abençoadas onde os mortos bem-amados se inclinam para aqueles que os choram e murmuram, em seus ouvidos, palavras de consolação e de esperança. O senhor Guizot, esse espírito severo e metódico, tem razão em professar: “Fora daí, as crenças religiosas são superficiais e bem perto de serem vãs.”

SAM. (Extraído de La Párie, em 5 de junho de 1859.)

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