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A dor que dói nos dois mundos…

Autora: Christina Nunes

Nestes dias me lembrei da cena do filme As Mães de Chico Xavier, no qual é proferida uma de suas máximas: – … A saudade é dor que dói nos dois mundos!…

Entrei em estado de desprendimento espiritual, recordando-me com melancolia da tragédia acontecida há pouco com meninos e meninas na flor da idade, no Rio de Janeiro. E, aos poucos, me senti transportada para cenário de enlevo, em local praiano – mas, certamente, não deste mundo!

Lá, me reconheci mais jovem, como é praxe em nossas visitas rápidas ou quando de nossos retornos para as paisagens da Vida definitiva. Vestia traje branco; um vestido, e usava flores em tiara nos cabelos. Caminhando por ali, com os meus pés entre as águas frescas das ondas do mar que se agitava em perfumes e rumores reconfortantes, trazia ainda no estado de espírito a mesma melancolia que me dominava ao entrar naquele transe, aqui, no âmbito material, enquanto ouvia, distraída, a música em estilo celta executada por um grupo agradável de instrumentistas acomodados nas areias ali por perto, como num acolhedor acampamento de veraneio.

Parecia-me uma tarde ensolarada, repousante. O único rumor audível era o dos ventos misturados ao ir e vir das ondas, espraiando-se nas areias macias; quando, de repente, alguém se aproximou, tomando-me gentilmente pela mão.

– Faz muito tempo que você não dança um pouco. Venha comigo… – pronunciou a voz grave e agradável, fazendo com que me voltasse e reconhecesse logo, com enlevada surpresa, a presença do meu mentor desencarnado, Caio Quinto, o autor de nossos livros, com quem já há um longo tempo não deparava assim, de maneira tão direta.

Puxou-me amavelmente para perto do grupo, enquanto ainda me demorava a me perturbar com o que acontecia, buscando, como sempre – e como é usual acontecer enquanto reencarnados -, explicações plausíveis para o fato, porque guardava clara a recordação de me achar ao mesmo tempo em dois lugares: ali e no sofá de minha casa, em estado de repouso, durante uma tarde silenciosa de fim de semana, na minha residência no Rio de Janeiro.

Para a minha ainda maior admiração, em iniciativa até então inédita, desde que passei a conviver via mediunidade com este meu tutor amorável durante a presente trajetória material, trouxe-me gentilmente para si, e se pôs a dançar comigo aquela melodia maravilhosa, entoada em instrumentos cuja definição se me torna difícil de traduzir em palavras.

– Você precisa dançar ou cantar, de vez em quando… – sorria-me, jovial – Ajuda a dissipar estes estados de melancolia…

Mas eu me mantinha na mesma disposição, agora de mistura com a franca emoção experimentada pelo lugar paradisíaco onde fora ter de inopino, e pelo que me acontecia, na presença deste que durante todo o tempo tem se manifestado como meu fiel protetor e mentor pessoal e familiar, durante os desafios da jornada terrestre.

– É difícil para a mente assimilar acontecimentos deste teor! – confessei a ele, em linguagem aparentemente mental, os olhos ainda úmidos, desviando-os ao acaso para o mar caudaloso, rebentando próximo a nós – Nosso psiquismo não encontra razões que justifiquem o fato de forma satisfatória. Tudo parece fruto de um grande caos, lançando a todos em dolorida sensação de desamparo frente a estas manifestações desnorteadoras da incúria humana!…

Mas, olhando-me de dentro de sua grande serenidade e ternura habitual, ele me sorria de leve, levando-me de mansinho naquela dança gentil nas areias úmidas.

Ouvia-me com atenção e desvelo; mas parecia considerar a situação de um outro prisma. Assim, começou a entonação de sua voz grave e cariciosa, tão familiar ao meu espírito, alcançando-me diretamente no âmbito da mente e do coração, marcante, inesquecível:

– Olha o vaivém das ondas que lavam incessantemente as areias, e imagine que cada um desses minúsculos grãos tem vida própria, qual a nossa, e apreciam o contato mútuo e a convivência entre si… A cada ida e vinda, as águas impetuosas carregam incontáveis deles para destinos desconhecidos. Para compor outros cenários e acontecimentos na ordem da Vida, em transformação constante! E entenderá que isso não difere muito do que acontece com os movimentos de natureza variada que, em ritmo incessante, também nos deslocam, a todos nós, para destinos diversos!…

Eu dirigi a ele o meu olhar curioso ante a ideia inspirada, talvez mais alentado, e tomado por renovado brilho. Ele, notando isso, prosseguiu:

– Como estes grãos de areia que aqui permanecem, e, se pudessem eles se dar conta da ausência dos que se foram, também lamentariam a sua partida, querida, ignorando o paradeiro de todos na imensa orquestração do Oceano! É como acontece conosco, tanto lá, onde você por enquanto estagia, na despedida da morte corporal, quanto por aqui, quando nossos amores e afetos partem temporariamente para as vivências inéditas no aprendizado às vezes árduo da materialidade!…

E deitando-me olhar profundo e comovente, o sorriso amoroso ainda imóvel em seus lábios, depois de apor-me leve beijo na fronte, concluiu:

– Também senti a sua partida, desta última vez em que se foi para a sua nova estadia física! Todos nós sentimos! Mas sabemos, daqui, que tudo continua, e que a sua volta para nós, em época oportuna, é simplesmente fato líquido e certo, com o qual podemos contar! E então, todas as razões pelas quais todos se foram ou vieram; todos os acontecimentos, de quaisquer qualidades sejam, que tenham motivado a partida e a chegada, haverão de tomar um segundo plano na ordem das coisas! Porque o essencial, minha querida, é a continuidade da Vida, pura e simples! Para todas aquelas crianças e os seus familiares, que por agora tanto sofrem; e para todos nós… E, arrematando, enquanto parávamos um pouco, ao fim da melodia tocante entoada próxima de onde estávamos, entrelaçando-me, afetuosamente, as mãos – Assim, apenas esperemos! Pois um dia todo o ansiado entendimento e reconforto virão, em situação melhor, mais apaziguada! Mais adequada à devida compreensão de tudo!…

A última lembrança que guardo é a destas palavras proferidas carinhosamente, sob os ventos amenos daquela tarde luminosa diante dos mares das mais altas esferas. E a do olhar amoroso de Caio Fábio Quinto, contemplando-me como a uma criança temporariamente desalentada, e abraçando-me, por fim – sabendo que tudo ocupa o seu lugar e o seu momento certo para cada um de nós, nos fluxos e refluxos dos movimentos da Vida; e procurando, devotadamente, aproveitar aquele curto instante de reencontro para reavivar em meu espírito transitoriamente desorientado esta certeza.

– Também senti a sua partida… – o mentor querido me afiançou, com tocante emotividade.

A saudade é dor que dói nos dois mundos!

Mas não para sempre!

Só por agora…

O consolador – Ano 5 – N 208

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