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Série River aborda a mediunidade

Autor: Anselmo Ferreira Vasconcelos

É extremamente alentador observar a crescente utilização de temática espiritual em filmes, telenovelas, peças teatrais e até minisséries. Quem não se lembra, por exemplo, do filme Ghost, que arrebatou corações e despertou a curiosidade saudável em torno da mediunidade e da atuação dos Espíritos nos anos 1990? Muitas outras produções artísticas vieram à tona após esse consagrado sucesso de crítica e bilheteria mundial.

Com efeito, os produtores, diretores e organizações dessas áreas de entretenimento vêm lentamente explorando esse filão e, por conseguinte, revelando outros conteúdos – mesmo que o objetivo primário não seja exatamente esse – que se afastam do lugar-comum. No geral, tais trabalhos acabam indiretamente por levar a alguma reflexão acerca dos assuntos transcendentais, em especial por parte das audiências mais céticas.

Nesse sentido, gostaria de ressaltar a positiva contribuição proporcionada por uma minissérie de origem britânica com enfoque dramático, recentemente disponibilizada pelo serviço de streaming Netflix, intitulada River. Trata-se do drama vivenciado por um veterano detetive da polícia de Londres, que praticamente assiste impotente ao cruel e enigmático assassinato de sua querida colega de trabalho. O comportamento sorumbático e um tanto idiossincrático do policial River(interpretado com muita competência pelo ator sueco Stellan Skarsgård), bem como a sua obsessão por descobrir a verdade dão o tom da estória. Mas não é só isso. O que verdadeiramente se destaca em todo o enredo é a ostensiva mediunidade de vidência do perturbado detetive e a maneira como ele lida com ela.

Aliás, é oportuno enfatizar que o portador desse tipo de mediunidade é propenso a ver todos os tipos de entidades. Allan Kardec reitera, por sinal, na seminal obra O Livro dos Médiuns, que “Outros há em quem a faculdade da vidência é ainda mais ampla: veem toda a população espírita ambiente, a se mover em todos os sentidos, cuidando, poder-se-ia dizer, de seus afazeres”. Às vezes, o portador de tal capacidade enfrenta consideráveis dificuldades para identificar quem pertence a essa dimensão ou à espiritual. A propósito, o renomado médium brasileiro, Divaldo Pereira Franco, já relatou a sua experiência na juventude com relação a isso. Na trama sob análise, fica-se sabendo que River possui tal mediunidade em alto grau desde criança.

O infeliz policial sofre dupla angústia: a de perder a colega de trabalho, por quem nutria profunda amizade, afeto e consideração, e a mediunidade desorientada acompanhada de entidades sofredoras e obsessoras que não lhe dão trégua. A sua ausência de paz interior é tão intensa que chega ao ponto de quase enlouquecer.

River praticamente não dorme. Ele vive literalmente para o trabalho. Os mortos lhe aparecem como seres materializados e, de certa forma, o ajudam na elucidação de crimes e tragédias, mas também lhe causam situações altamente embaraçosas. A sua própria filha, cujo desencarne ocorre num episódio nebuloso, lhe aparece em várias ocasiões até à elucidação efetiva do caso. A sua ex-colega de trabalho, a seu turno, não o abandona. Cria-se entre ambos uma espécie de simbiose. Ele se alimenta do seu sorriso, lembranças e espontaneidade que lhe dão certo refrigério na cáustica atividade profissional.

Mas ao dar espaço a tal tipo de conexão, River age como se ela estivesse ainda “viva”, e os seus diálogos tornam-se corriqueiros, inesperados e eivados de emoção. Mais ainda, eles são travados independentemente dos ambientes em que o protagonista está situado ou das eventuais testemunhas encarnadas. Assim sendo, em muitos momentos, ele demonstra não ter mais qualquer controle sobre a situação. Cumpre esclarecer que essa interação atípica se dá igualmente entre ele e outros personagens desencarnados da trama. O seu novo parceiro aos poucos compreende o drama vivido por River, perdido, de certa forma, entre duas realidades distintas, mas que, no seu caso, se interpenetram completamente.

Atendendo aos impositivos do caso, isto é, a morte trágica da colega, River é obrigado a se consultar com uma psiquiatra do departamento. Lentamente, ela consegue algo extrair dos dramas íntimos que martelam aquela alma atormentada. De fato, ao perceber o perigoso estado de River, ela o convida a fazer parte de um grupo de pessoas portadoras do mesmo “problema”. Curiosamente, nem ele, nem a colega terapeuta e nem os outros participantes cogitam de qualquer remédio mais voltado à espiritualidade, como, por exemplo, o uso de preces, meditações, leituras etc. Basicamente eles se limitam a expor as suas experiências pessoais como se fosse o único caminho.

Certamente muito pouco para algo tão complexo. Poderia ter havido, é forçoso admitir, um pouco mais de profundidade na abordagem de tão delicado assunto já que nos seis capítulos não há a mais remota menção à palavra mediunidade. Apesar do deslize, tal capacidade da alma está ali explicitada de maneira límpida, cristalina e em estado puro permeando toda a trama.

Como muito bem explica o Espírito Joanna de Ângelis (em mensagem psicografada pelo médium Divaldo P. Franco, divulgada na edição de julho/agosto do corrente ano pela revista Presença Espírita), “Semelhante a outras faculdades da alma, exige cuidados especiais de ordem moral, psíquica, emocional e espiritual, a fim de poder ser ativada e desenvolvida conforme a finalidade a que se encontra destinada pela Divindade”.    

Seja como for, as coisas vão caminhando até o ponto que o crime é definitivamente solucionado. River consegue finalmente ligar as pontas soltas, montar o quebra-cabeça e a verdade surge nua e crua. Ou seja, a decepcionante descoberta de que a ex-colega não havia lhe contado tudo sobre a sua vida. Ao longo da trama tal omissão, aliás, lhe soa como uma espécie de traição. Mas o final da minissérie é surpreendentemente alegre e descontraído.

A criadora da minissérie, Abi Morgan, talvez tenha desejado passar a positiva mensagem de que certas coisas devem ser ditas enquanto estamos aqui. Por outro lado, as nuances da mediunidade de vidência ficam claramente expostas. Na essência, trata-se de uma potencialidade da alma que precisa de orientação apropriada para o seu uso eficaz. O Espiritismo tem felizmente produzido extenso e revelador material a respeito. Todavia, a iniciativa de procurar uma solução e/ou entendimento compete sempre a nós.     

O consolador – Ano 10 – N 479

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