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Evocação: A rainha de Oude

Revista Espírita, março de 1858

Nota. – Nestas conversas, doravante, supriremos a fórmula de evocação, que é sempre a mesma, a menos que ela não apresente, para a resposta, alguma particularidade.

1. Que sensação experimentaste deixando a vida terrestre? – Resp. Não saberia dizê-lo; experimento, ainda, perturbação.

2. Sois feliz? – Resp. Não.

3. Por que não sois feliz? – Resp. Lamento a vida», não sei», sinto uma dor pungente; a vida disso teria me livrado… gostaria que meu corpo se levantasse do seu sepulcro.

4. Lamentai-vos por não ter sido sepultada em vosso país, e de sê-lo entre os cristãos? – Resp. Sim; a terra indiana pesaria menos sobre o meu corpo.

5. Que pensais das honras públicas prestadas aos vossos despejos? – Resp. Foram pouca coisa; eu era rainha, e nem todos dobraram os joelhos diante de mim… Deixai-me… Forçam-me a falar… Não quero que saibam o que sou agora». Fui rainha, sabei-o bem.

6. Respeitamos a vossa posição, e pedimos para nos responder para nossa instrução. Pensais que vosso filho recuperará, um dia, os Estados de seu pai? – Resp. Certamente, o meu sangue reinará; disso ele é digno.

7. Dais à reintegração do vosso filho no trono de Oude a mesma importância de quando vivíeis? – Resp. Meu sangue não pode ser confundido na multidão.

8. Qual é a vossa opinião atual sobre a verdadeira causa da revolta das índias? – Resp. O Indiano foi feito para ser senhor em sua casa.

9. Que pensais do futuro que está reservado a esse país? – Resp. A índia será grande entre as nações.

10. Não se pôde inscrever, no vosso atestado de óbito, o lugar do vosso nascimento; poderíeis dizê-lo agora? – Resp. Nasci do mais nobre sangue da índia. Creio que nasci em Delhy.

11. Vós que haveis vivido nos esplendores do luxo e que haveis sido cercada de honras, que pensais disso agora? – Resp. Eram-me devidos.

12. A posição que haveis ocupado na Terra, vos dá uma posição mais elevada no mundo onde estais hoje? – Resp. Sou sempre rainha… Que se me mandem escravos para me servirem!… Não sei; não me parece importarem-se comigo aqui… Não obstante, sou sempre eu.

13. Pertenceis à religião muçulmana, ou a uma religião hindu? – Resp. Muçulmana; mas eu era muito grande para me ocupar de Deus.

14. Que diferença fazeis entre a religião que professáveis e a religião cristã, quanto à felicidade futura do homem? – Resp. A religião cristã é absurda; diz que todos são irmãos.

15. Qual é a vossa opinião sobre Maomé? – Resp. Ele não era filho de rei.

16. Ele tinha uma missão divina? – Resp. Que me importa isso!

17. Qual é a vossa opinião sobre o Cristo? – Resp. O filho de um carpinteiro não é digno de ocupar o meu pensamento.

18. Que pensais do uso que subtrai as mulheres muçulmanas dos olhares de homens? – Resp. Penso que as mulheres são feitas para dominarem; eu era mulher.

19. Haveis, alguma vez, invejado a liberdade da qual gozam as mulheres na Europa? – Resp. Não; que me importava a sua liberdade! São servidas de joelhos?

20. Qual é vossa opinião sobre a condição da mulher em geral na espécie humana? – Resp. Que me importam as mulheres! Se me falasses de rainhas!

21. Lembrai-vos de haver tido outras existências na Terra, antes da que acabais de deixar? – Resp. Devo ter sido sempre rainha.

22. Por que viestes tão prontamente ao nosso chamado? – Resp. Eu não quis; forçaram-me a isso». Pensas, então, que me dignaria responder? Ora bem, quem sois perto de mim?

23. Quem vos forçou a vir? – Resp. Não sei… Todavia, aqui não deve haver ninguém maior do que eu.

24. Em que lugar estais aqui? – Resp. Junto de Ermance.

25. Sob qual forma aqui estais? – Resp. Sou sempre rainha. Pensais, pois, que deixei de o ser? Sois pouco respeitosos… Sabei que se fala de outro modo às rainhas.

26. Por que não podemos vos ver? – Resp. Eu não o quero.

27. Se pudéssemos ver, ver-vos-íamos com vossas vestimentas, vossos adereços e vossas joias? – Resp. Certamente.

28. Como ocorre que, tendo deixado tudo isso, vosso Espírito deles haja conservado a aparência, sobretudo de vossos adereços? – Resp. Não me foram tirados… Eu sou sempre tão bela quanto era». Não sei que ideia fazeis de mim! É verdade que não me haveis jamais visto.

29. Que impressão experimentais encontrando-vos em nosso meto? – Resp. Se pudesse, aqui não estaria: vós me tratais com tão pouco respeito! Não quero que me tratem por tu… Chamai-me Majestade, ou não responderei mais.

30. Vossa Majestade compreendia a língua francesa? – Resp. Por que não a compreenderia? Eu sabia tudo.

31. Vossa Majestade gostaria de nos responder em inglês? – Resp. Não… Não me deixareis, pois, tranquila?». Quero ir-me daqui… Deixai-me… Julgais-me submissa aos vossos caprichos?… Sou rainha e não sou escrava.

32. Pedimos somente consentir em responder, ainda, a duas ou três perguntas.

Resposta de São Luís, que estava presente: Deixai-a, a pobre enganada; tende piedade de sua cegueira. Que vos sirva de exemplo! Não sabeis o quanto sofre seu orgulho.

Nota. – Essa entrevista oferece mais de um ensinamento. Evocando essa majestade decaída, agora no túmulo, não esperávamos respostas de uma grande profundidade, tendo em vista o gênero de educação das mulheres nesse país; mas não pensávamos encontrar, nesse Espírito, senão a filosofia, pelo menos um sentimento mais verdadeiro da realidade, e ideias mais sadias sobre as vaidades e as grandezas deste mundo. Longe disso: nela, as ideias terrestres conservaram toda a sua força; é o orgulho que nada perdeu de suas ilusões, que luta contra a sua própria fraqueza, e que deve, com efeito, muito sofrer por sua impotência. Na previsão de respostas de uma natureza diferente, havíamos preparado diversas perguntas que se tornaram sem objeto. Essas respostas são tão diferentes daquelas que esperávamos, assim como as pessoas presentes, que não se poderia, nelas, ver a influência de um pensamento estranho. Por outro lado, têm uma marca de personalidade tão caracterizada que acusam, claramente, a identidade do Espírito que se manifestou.

Poder-se-ia estranhar, com razão, em ver Lemaire, homem degradado e manchado por todos os crimes, manifestar, por sua linguagem de além-túmulo, sentimentos que denotam uma certa elevação e uma apreciação bastante exata da sua situação, ao passo que, na rainha de Oude, cuja categoria que ocupava deveria ter desenvolvido o senso moral, as ideias terrestres não sofreram nenhuma modificação. A causa dessa anomalia nos parece fácil de explicar. Lemaire, por degradado que era, vivia no meio de uma sociedade civilizada e esclarecida, que havia reagido sobre a sua natureza grosseira; inconscientemente, ele havia absorvido alguns raios da luz que o cercava, e essa luz deveu fazer nascer nele pensamentos sufocados pela sua abjeção, mas cujos germes nele não subsistiram menos. Ocorre de modo diferente com a rainha de Oude: o meio onde viveu, os hábitos, a falta absoluta de cultura intelectual, tudo deveu contribuir para manter, com toda a sua forca, as ideias das quais estava imbuída desde a infância; nada veio modificar essa natureza primitiva, sobre a qual os preconceitos conservaram todo o seu império.

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