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Existe espírita Kardecista? Ou se trata de um equívoco?

Autor: Paulo Henrique de Figueiredo

Espiritismo kardecista?

Quando criança minha família era espírita desde meus avós, pais, irmãos. Em casa, coisas como mediunidade, espíritos, obras de Kardec, reuniões mediúnicas, efeitos físicos, aulas, seminários, médiuns e escritores espíritas, faziam parte do cotidiano.  Mas naquele tempo (é estranho poder falar isso: “naquele tempo”, deveria deixar essa expressão para quem já viveu 70 ou 80 anos, mas aos 50, peço licença) havia preconceito com quem fosse espírita. Mais ainda se fosse de umbanda, candomblé ou qualquer cultura africana ou afro-brasileira. Muitos espíritas, então, acrescentavam algo, como:

— Sou espírita de mesa branca.

Sempre me intrigou esse título. Afinal, normalmente não havia toalha. E quando tinha era estampada, colorida, enfeitada, rendada. Quase nunca branca, que sabe quem cuida, que toalha branca dá trabalho.

Também ouvia muito dizerem:

— Não sou espírita, falta muito para isso. Tenho muitos defeitos, não posso me afirmar assim.

Mas ser espírita não é ser espírito superior! Logo eu dizia. Sempre li em Kardec, porque desde criança adorava ler enciclopédias ou coleções, fosse Tesouro da Juventude, Barsa, Conhecer, Medicina e Saúde, Clássicos da Literatura Universal, Clássicos da Literatura Brasileira, Seleções ou Reader’s Digest. Mas eu não lia consultando, lia tudo, página por página. Quando me deparei com a coleção da Revista Espírita de Estudos Psicológicos publicada mensalmente por Allan Kardec de 1858 a 1869, fiquei maravilhado. Não era um Kardec dos livros, com aqueles parágrafos bem construídos, frases precisas, exposição didática, fundamentado nas ciências e filosofias. Era um outro Kardec. Parecia que estávamos acessando os bastidores do Espiritismo. Atas das reuniões. Transcrições dos diálogos. Artigos contra e a favor da Doutrina Espírita. Cartas de outros pesquisadores espíritas. Longe de algo pronto e acabado, era a própria transcrição do fazer!

Como ia dizendo, ao ler a Revista Espírita vemos que ser espírita é buscar a compreensão sobre os mais diversos ramos do conhecimento a partir dos ensinamentos dos espíritos superiores. Essa construção não é teológica, que trata dos textos considerados sagrados, a palavra direta de Deus. Não se trata disso. Nem é uma especulação filosófica do autor. Mas uma forma inédita de lidar com as comunicações dos espíritos. É fazer ciência disso tudo.

Em filosofia, cada grande pensador faz seu próprio sistema. Ele precisa cria-lo com coerência entre todas as suas partes. Precisa respeitar todos os critérios da lógica para formar uma doutrina sólida. Todavia, outros filósofos fazem o mesmo, e estabelecem suas ideias a partir de premissas diferentes. Explicam tudo por doutrinas diversas. Por isso, dizemos: a filosofia de Platão. A filosofia de Locke. Ou então filosofia aristotélica, filosofia comteana.

Mas o espiritismo é uma ciência e não um sistema filosófico.

Disse tudo isso para tratar de uma moda que surgiu não sei a quanto tempo, mas segue o rastro das anteriores que citei:

— Sou espirita kardecista.

Alguns, mais chiques, dizem ser espíritas kardecianos.

Mas será?

Quando Einstein elaborou os conceitos da relatividade, sua proposta teve de explicar tudo o que a teoria de Newton explicava e só então ampliar a sua visão da realidade. Ele não criou uma física einsteiniana em paralelo a uma newtoniana. Física é Física. Em qualquer canto do planeta, Física é Física. O que não é, simplesmente não é.

Assim funciona na ciência, uma nova teoria, apresentada quando a anterior já não explica tudo, ou explica mal, precisa resolver tudo o que anterior fazia e ainda dar conta dos novos fenômenos surgidos. Funciona por revoluções científicas. A ciência se estabelece por um processo histórico e progressivo.

O Espiritismo é uma ciência pura e não um sistema filosófico criado por Kardec. Existem inúmeros sistemas filosóficos na história. Mas só há uma Física. Considerar um Espiritismo kardecista permite supor que existam outros e não uma só ciência forte.

Para criar uma hipótese nova no Espiritismo ela terá que respeitar o núcleo forte da doutrina espírita proposta por Kardec ou estabelecer outra teoria inteira que o supere. De outro modo não é nem pertence ao Espiritismo. Espiritismo é Espiritismo. O que não é, não é.

Desse modo, quando me perguntavam na escola, na hora da inscrição, qual a sua religião? Mesmo sabendo que não era mais uma religião, mas uma ciência filosófica com consequências morais, mesmo assim, com todo orgulho (e haveriam sim consideráveis consequências do preconceito):

— Sou espírita!

Simplesmente isso.

Livros do autor: https://mundomaior.com.br/paulo-henrique-de-figueiredo/

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