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Espiritismo e cultura

Autor: Rogério Coelho

Estuda-se o Espiritismo para saber e também para viver. O saber sem a vivência é pura ornamentação

Espíritas, amai-vos; espíritas, instruí-vos

O Espírito da Verdade

O Espiritismo além de muitas outras coisas importantes é também cultura, como por exemplo: roteiro de luz, emancipador de almas, Consolador prometido, etc., e a bibliografia espírita é riquíssima mostra desse aspecto cultural, portanto, o espírita jamais poderá abrir mão do uso (sem preguiça) de um bom dicionário, para o seu próprio enriquecimento cultural.

No prefácio de seu livro: “O Amor Como Solução”, pela psicografia de Divaldo Franco, a nobre Mentora Joanna de Ângelis afirma: “(…) nunca tivemos a veleidade de apresentar textos estilizados, difíceis, de complicado entendimento, mas procuramos manter o cuidado de apresentá-los de maneira correta quanto possível, em linguagem escorreita, considerando a beleza, a complexidade e a riqueza vocabular da língua portuguesa, de alguma forma contribuindo para a valorização da cultura e do melhor esclarecimento daqueles que estão interessados no aprimoramento moral e intelectual com que a existência os favorece”.

Podemos, assim, observar que a par do enriquecimento doutrinário, existe – paralelamente – o enriquecimento cultural, nas leituras espíritas.

Com seu indiscutível discernimento, Deolindo Amorim[1] disserta sobre a cultura em suas variegadas nuanças conceituais e principalmente sobre a cultura espírita:

“(…) A palavra cultura, no uso corrente, significa simplesmente “refinamento da inteligência” ou bagagem intelectual: cultura literária, filosófica, científica, etc.

Geralmente se confunde cultura com erudição, quando a erudição, na realidade, é apenas um instrumento, um meio, aliás, indispensável, porque indica as fontes e fornece informações, mas a cultura tem outros aspectos: visão de conjunto, espírito analítico, enriquecimento de aquisições em sentido progressivo, contribuição própria, desvela relações novas, e assim por diante… Cultura não é mera repetição do que se lê e grava na memória. Podemos entender a noção de cultura em acepções diferentes, dependen­do, é claro, do contexto em que esteja situada. Dentro de um contexto literário, obviamente cultura significa lastro intelectual, adornado com o fulgor da inte­ligência e a expressão estética das formas de expandir o pensamento.  Já no contexto das ciências sociais, entretanto, a palavra cultura tem outro valor, muito diferente. Quando o homem de letras e o cientista social falam em cultura, até parece que usam línguas estranhas, pois os termos estão muito distanciados na significação…

Para o homem que se dedica às ciências sociais (antropólogo ou sociólogo, por exemplo), cultura é o conjunto de técnicas, costumes, símbolos, crenças, valores, etc. Isto é o que, na linguagem antropológica, se chama “complexo cultural”. Todo esse conjunto, que traduz o modo de vida do homem dentro de seu habitat, é o que caracteriza uma cultura, tanto faz em grupos australianos como nas tendas dos esquimós.

Cultura, finalmente, em termos de Etnologia ou Antropologia Cultural, como preferem alguns autores, é tudo quanto possa revelar um sistema de vida, começando pelos instrumentos de trabalho, seus artefatos, seus tabus: o polimento de qualquer utensílio de caçar, um arco de índio, a forma de preparar os alimentos, a cerimônia do matrimônio, a maneira de render o culto às suas divindades, seja nos grupos mais primários, seja nos confins do mundo, todo esse complexo é a cultura do grupo, da tribo, em linguagem de ciência social. Dentro desta conceituação global, há uma divisão entre cultura material e cultura espiritual. Chama-se cultura material o acervo de objetos de uso, técnicas moradia, etc…, enquanto a cultura espiritual diz respeito aos valores subjetivos: adoração, evocações espirituais, noções de vida futura. Há tratadistas que não adotam essa divisão em termos rígidos, por entenderem que o elemento mate­rial e o espiritual são simplesmente aspectos da cultura, tomada em termos integrais. A divisão seria apenas didática. Antes de chegarmos ao ponto de mais interesse para nós – a cultura espírita – devemos fazer algumas observa­ções, que nos parecem necessárias, a respeito do caráter da cultura em relação a seus fins, suas aplicações:

Cultura desinteressada e cultura prática

Há dois tipos de cultura, bem distintos: a cultura desinteressada, que permite o saber pelo saber, e a cultura profissional ou prática, que visa a um fim imediato.  A cultura intelectual, quer nas especulações filosóficas, quer na literatura ou nas ciências, nas artes, etc., cogita do conhecimento puro ou intensi­vo, porque se empenha em descobrir a verdade que lhe interessa ou, quando não é assim, deseja apenas enriquecer a inteligência, “ilustrando o espírito”, como se diz. É a cultura desinteressada, porque não tem um objetivo imediato, um programa de ordem profissional, um compromisso condicionante. Há, en­tretanto, uma cultura que é realmente interessada, porque se realiza em função de um interesse direto: é a cultura profissional, cujo objetivo não é o saber puro e profundo, mas o substrato de conhecimentos suficientes para um programa de vida.

Cultura Espírita

Em termos simples, cultura espírita é conhecimento do Espiritismo em todos os aspectos.

Como nos ou­tros campos de cultura, o estudo sério do Espiritismo reclama pelo menos três condições psicológicas: perseverança, espírito crítico, isenção de prevenções ou ideias preconcebidas.  É certo que a cultura espírita também é desinteressa­da, também é especulativa, até certo ponto, mas não fica no plano puramente teórico, uma vez que tem implicações normativas, porque afirma a predomi­nância de valores éticos: a moralidade individual, a reforma íntima do homem, o amor como base da convivência humana, a dignidade intelectual. Estuda-se o Espiritismo para saber e também para viver.O saber sem a vivência tem efeito apenas ornamental. Ninguém estuda seriamente uma doutrina tão com­plexa e tão profunda, como o Espiritismo, apenas para brilhar, conquistar fama ou consolidar posições de prestígio social. Não! É uma cultura de aplicação aos atos de responsabilidade, em qualquer circunstância, visando sempre e acima de tudo à predominância do lado espiritual da vida e ao melhoramento moral do ser humano.  O conhecimento da Doutrina Espírita em profundidade torna o portador ou detentor dessa cultura cada vez mais responsável pelo uso que venha a fazer das faculdades espirituais, pois muito será pedido àquele a quem muito foi dado, adverte o Evangelho.

Não podemos falar em cultura espírita sem dizer que a sua fonte primacial é a Doutrina codificada por Allan Kardec, portanto, não se pode formar a legítima cultura espírita sem a Doutrina, sem o conhecimento seguro de sua fonte básica.

Denominação adequada

Existe uma propen­são para descaracterizar a Doutrina Espírita, enquadrando-a em configurações indefinidas ou pouco precisas de espiritualismo, universalismo, psiquismo, como se tudo isso não estivesse no próprio corpo da Doutrina. Pelo fato de haver muito desenvolvimento no campo da cibernética, da eletrônica e da físi­ca, por exemplo, o que, aliás, ninguém pode desconhecer, já se pensa que a Doutrina Espírita perdeu a razão de ser… Então, a Doutrina deveria adaptar-se a nova sistemática, substituindo até seus termos específicos.  Diluição pura e simples do Espiritismo, que não seria mais Espiritismo e, sim, qualquer elemento de combinação terminológica. Daí, naturalmente, uma consequência inevitável: a Doutrina Espírita entraria, como parte, na conjugação de um sistema diferente, não seria mais um todo homogêneo, com características inconfundí­veis.  E até o nome de Espiritismo, que lhe é inerente, terminaria desaparecen­do na elasticidade ou na fluidez de um neologismo inovador. Mas o Espiritis­mo não é uma teoria, pois uma teoria é uma hipótese de trabalho, e toda hipó­tese está sujeita a substituição e reformulação: o Espiritismo é uma doutrina, sabem-no todos quantos o estudam bem, e uma doutrina, em seu verdadeiro sentido, pressupõe uma constituição assentada sobre experiências e princípios. Assim é a Doutrina Espírita. Não se pode fazer adaptações a formas e fórmulas criadas por situações transitórias…

(…) Se uma doutrina, que já é tradicional, que já foi testada e confirmada por mais de um século de experiência como é o Espiritismo, amolda-se a um esquema diferente, abre mão de sua nomenclatura, suas afirmações fundamentais, transformando-se em mero compartimento de uma combinação, claro que compromete toda a estrutura que lhe é característica. Isto significa, nada mais, nada menos, despersonalizar a Doutrina.

O Espiritismo tem, portanto, expressões claras, tem uma linha de pensamento seguramente definida, tem uma direção inequívoca e, por isso mesmo, é uma doutrina inamoldável a improvisações e “ajustamentos”.

Referências 

[1] – AMORIM, Deolindo. Doutrina Espírita. 2.ed.Salvador: Circulus, 2002, p. 95-100.

O consolador – Ano 16 – N 796 – Artigos

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