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A explicação inédita e inovadora do livre arbítrio ensinada pelos espíritos superiores

Autor: Paulo Henrique de Figueiredo

Santo Agostinho converteu-se ao cristianismo, tornando-se sacerdote no ano 386, em Milão, Itália. Depois de viver tranquilamente numa chácara, com familiares e alguns discípulos, sofreu com a morte de sua mãe, após uma fulminante doença. Enquanto aguardava a chegada do navio que o levaria de volta para sua terra natal, atual Argélia, na África do Norte, escreveu a obra “De libero arbítrio”.

Nascia o conceito de livre arbítrio, que se tornaria futuramente um termo fundamental para a doutrina espírita.

Agostinho tinha em mente sua própria experiência de vida, um contraste entre uma juventude regada de excessos, com mulheres e noitadas; e agora sua dedicação à vida de monge. Qual a causa fundamental do mal? Essa era a grande dúvida.

No início de suas meditações, a hipótese dos maniqueístas o seduziu. Uma ideia antiga, nascida no mundo árabe do pensamento de Zoroastro. Haveria no universo duas grandes forças, uma do bem e a outra do mal, competindo pela supremacia e influencia no mundo.

Mas essa corrente de pensamento seria considerada uma heresia, falso ensinamento, sendo combatido com todas as forças pelo próprio Agostinho. Nesse período da história a doutrina da igreja estava em formação, e não havia lugar para debates e opiniões diversas, o objetivo era estabelecer dogmas indiscutíveis.

O problema do mal, todavia, considerava algumas questões fundamentais incontornáveis. A primeira, Deus não pode ser o criador do mal. Isso contrariaria sua bondade infinita. O mal também não poderia ser uma força de oposição, uma potência, colocando em risco a supremacia divina no universo. O todo do entendimento da realidade não pode conter contradições que o corroeriam, destruindo sua lógica.

Em sua obra, Agostinho estabeleceu que o mal tem que proceder da escolha do homem, escolha errada, diferente da determinação do bem divino, portanto, o mal. A causa do pecado está no livre arbítrio do homem, que é o seu potencial de escolher. A liberdade, por sua vez, é a escolha correta. Essa a diferença entre livre arbítrio e liberdade em seu livro.

Os bens aos quais o homem está exposto no mundo podem ser divididos entre bens superiores, que são as virtudes, e os inferiores, que são os prazeres do corpo. Algumas coisas são intermediárias, bens médios, como o próprio livre arbítrio. Agostinho foi construindo uma lógica, para classificar as vivencias do ser humano, considerado como união de duas substâncias: a alma e o corpo.

Quando estamos sob a graça divina, propõe Agostinho, nossa escolha é orientada para os bens superiores, daí o bem e a felicidade, e, posteriormente as recompensas divinas. Esse é o estado de liberdade. Por outro lado, quando agimos sem a graça, escolhemos os bens inferiores, exercendo o livre arbítrio, e criando assim o pecado, causa das desgraças, sofrimentos e do castigo eterno.

Um milênio e meio depois, os ensinamentos dos espíritos superiores, nos diálogos com Allan Kardec e os pesquisadores espíritas, levarão a uma nova explicação, adequada aos tempos modernos. O ponto chave para compreender o novo entendimento está no fato de que Agostinho precisava analisar as questões considerando que a vida humana é uma só, e nela será resolvido o seu destino. Também acreditava, como todo o mundo antigo, que a alma fora criada perfeita por Deus, com todas as virtudes, e se degenera pelo pecado. Para a igreja, todo ser humano já nasce com o pecado original degenerando sua essência.

O Espiritismo, porém, surgiu quando a humanidade vivia o despertar de uma nova era, determinada pelo livre pensamento, livre dos sistemas e dogmas. Não se acreditava que o mundo seria destruído por Deus para dar lugar ao paraíso, mas unidos e determinados, seria possível regenerar a humanidade, criando um mundo novo, no caminho da felicidade. Os meios seriam a educação, e o agir pelo dever, que era o uso determinado da razão e da vontade, por suas escolhas, ou livre arbítrio. Só escolhe que compreende, portanto o livre arbítrio está subordinado ao uso da razão. Essa é a importância fundamental da educação para transformar o homem, diziam os espiritualistas racionais, livres pensadores.

A sociedade, estudando a moral independente dos dogmas religiosos, encontrava um novo lugar para o livre arbítrio, agora associado ao pensamento racional.

Mas outras dúvidas tomaram lugar no debate. Sendo os prazeres também um bem, por que a busca deles seria um mal? A natureza não poderia se opor às leis divinas, afinal Deus criou tanto o mundo material quanto o moral. Ele não estabeleceria uma contradição, uma armadilha, uma pegadinha para submeter o ser humano ao erro pelo engano. O prazer é um impulso natural, todos sentem isso, até os animais.

A resposta dos espiritualistas racionais, que dominavam as ciências morais nos tempos de Kardec, foi brilhante, como explica Paul Janet, em sua obra Tratado Elementar de Filosofia: “os prazeres são um bem, mas não são o princípio do bem”. É uma ideia para se pensar. O materialista que considera o prazer como impulso fundamental do bem está confundindo as coisas. O prazer é um bem natural, pois leva o homem à conservação de si mesmo e da espécie, mas não é o princípio do bem moral. O indivíduo age pelo bem moral quando escolhe de forma livre e racional o que for melhor para todos, com base nas leis morais presentes na sua consciência. Interessante, resolve muita coisa, mas não explica tudo adequadamente.

A solução mais ampla encontra-se no espiritismo. Segundo Kardec, o espiritismo é um complemento do espiritualismo racional, que foi essa corrente filosófica dominante na universidade de sua época. Os espíritos ensinam, resolvendo a questão, que a alma é um ser progressivo, evolutivo, elaborando seus potenciais em três fases de sua existência: anímica, intelecto-moral e por fim co-criadora. Vamos explicar.

A fase anímica vai do átomo ao animal superior. Nesse período, o princípio espiritual se elabora pela força natural, pelo impulso dos prazeres e dores, balizados pelos instintos e paixões, elaborando-se pela evolução das espécies. Saltando trilhões de vidas, experienciando os estados minerais, vegetais e animais, sem ter consciência dessa trajetória.

Depois vem a vida humana, quando ocorre a evolução intelecto-moral. A alma, nesta fase, começa simples e ignorante, ou seja, sem moral e inteligência. Nada acontece de diferente nas primeiras vidas, explica Kardec, continua sob o comando infalível dos instintos. Com centenas ou milhares de vidas, a razão vai fazendo surgir o entendimento. Só então vai se elaborando o livre arbítrio, a capacidade de escolha racional, ou seja, com entendimento das opções. Somente nesse momento torna-se responsável tanto pelos erros cometidos como pelo progresso realizado. É importante frisar: Segundo o espiritismo, o livre arbítrio é uma capacidade que o indivíduo conquista progressivamente, sustentada pela razão.

Por fim, quando faz despertar as virtudes da alma, e superadas as imperfeições se as tiver contraído, começa a assumir missões no universo. Auxiliar um indivíduo para superar suas dificuldades, tornar-se espírito da guarda de alguém, ajudar uma família, um grupo, uma nação, um planeta. Participar da criação e evolução das espécies de um mundo, depois agir nos sistemas solares nas galáxias, os espíritos co-criadores auxiliam a Deus no estabelecimento da harmonia universal, de forma voluntária e cooperada.

A realidade do livre arbítrio, assim compreendida, mostra toda a sua lógica e finalidade na criação divina. Todos os espíritos superiores chegaram a essa condição por seu esforço dedicado em milhares de vidas, conquistando cada uma de suas qualidades, e superando qualquer imperfeição que porventura tenham vivenciado em seu passado. São forjadores de seus próprios destinos e capacidade de agir no bem.

Esse será, certamente, o destino de todos nós. Já superamos a quase infindável evolução anímica nas experiências minerais, vegetas e animais. Superamos as milhares de primeiras vidas para despertar a inteligência e o livre arbítrio. Basta agora fazer uso desses instrumentos da alma para superar os apegos e imperfeições, enfrentando os desafios da vida, e despertando as qualidades que serão as ferramentas para agir no universo em favor da harmonia universal, nossa razão de ser e fonte da verdadeira felicidade.

Livros do autor: https://mundomaior.com.br/paulo-henrique-de-figueiredo/

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