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O silêncio das religiões

Autor: José Passini

Vivemos uma época de paradoxos: nunca se falou tanto em paz, mas nunca se ensinou tanto a guerra, a grosseria, a brutalidade, a violência. Como é possível criar uma sociedade pacífica, serena, nos modelos ensinados por Jesus, por Buda, por Francisco de Assis, por Gandhi, se desde a infância a criatura humana é submetida a um aprendizado de violência por meio audiovisual em cores no cinema e no lar? Observem-se os desenhos animados, plenos de exemplos de brutalidade, de destruição, de desrespeito às coisas e à vida, que são apresentados às crianças na televisão e na internet. As cenas se sucedem, mostrando seres disformes, monstruosos, criaturas que se combatem e se destroem de modo espetacular, arruinando tudo o que está ao seu redor, através de socos, pancadas, raios, explosões.

Pergunta-se como ensinar à criança a paz, a tranquilidade, o respeito às coisas e às criaturas, se lhe são apresentados exemplos que a induzem exatamente ao contrário? O resultado dessa sementeira de brutalidade e desumanização é visto todos os dias nas estatísticas, que apresentam o crescente número de desavenças, de agressões e de mortes.

Como será possível a uma criança chegar à condição de adulto sem tornar-se consumidora de alcoólicos, se a televisão faz uma pregação insistente sobre o prazer de consumi-los, em todos os horários, dentro dos lares, usando como pano de fundo a euforia do futebol, a alegria do convívio humano? Nesse particular, evidencia-se o imenso poder dos produtores de bebidas alcoólicas, que não só conseguiram manter sua propaganda na mídia, como ganharam o espaço anteriormente usado pelos produtores de cigarros.

A batalha contra o fumo foi vitoriosa, colocando o Brasil bem à frente de países mais desenvolvidos. Entretanto, o fumo é bem menos lesivo à sociedade do que o álcool. O dano produzido pelo fumo se restringe quase que só ao seu usuário, enquanto que o do álcool é capaz de destruir uma família inteira. Por que não regulamentar a propaganda, a venda e o uso de alcoólicos como se fez com o fumo? Mas apesar de o uso do álcool ser muito mais danoso que o do fumo, não há legislação que obrigue os fabricantes de bebidas alcoólicas colocarem, nos seus produtos, avisos quanto aos malefícios do seu uso, conforme é exigido nas embalagens de cigarros.

E, por falarmos em propaganda danosa, o que dizer quanto à licenciosidade sexual, o que dizer sobre as aulas de prostituição que entram nos lares, em todos os horários? As cenas de intimidade vividas por casais são apresentadas em novelas exibidas à tarde e à noite. Alguns programas são apresentados em horário mais avançado, dado o nível de sensualidade que apresentam, mas as suas chamadas, os seus anúncios são feitos em todos os momentos. Há programas que não apenas são atentatórios aos bons costumes, à moral, à ética, mas à própria dignidade humana, onde se evidencia não só a licenciosidade, mas também a ausência de pudor, de senso de privacidade, este, um dos atributos que distingue o ser humano do restante da criação. Há programas humorísticos que pregam abertamente a promiscuidade, o desrespeito, o deboche, o uso do palavrão. O aviltamento da mulher se tornou tão comum que é olhado pelo viés humorístico. Há flagrante apoio à mulher leviana, despudorada, em detrimento da nobre figura da mulher-esposa, da mulher-mãe.

Mas, afinal, vivemos num país que se diz cristão. Será que o Cristianismo é para ser vivenciado apenas no interior das comunidades religiosas? Será que se deveriam isolar do mundo aqueles que não desejam compactuar com esse estado de coisas, ou lutar para que o mundo se torne compatível com os ensinamentos do Cristo? Se aqueles que desejam manter uma vida equilibrada, respeitosa, pretenderem afastar-se do convívio com a sociedade, como interpretariam a recomendação de Jesus, registrada por dois evangelistas: “Eis que vos envio como ovelhas no meio de lobos (…)” (Mt., 10: 16) e “Ide; eis que vos mando como cordeiros ao meio de lobos.” (Lc., 10: 3)?

Diante da recomendação de Jesus, não devemos criar ilhas onde se viva cristãmente, mas devemos trabalhar no sentido de cristianizar todos os lugares.
Como nos sentiríamos se, subitamente, aparecesse Jesus ao nosso lado, quando nossas crianças estão vendo certos desenhos, ou estamos assistindo a algumas dessas novelas, desses filmes ou algum desses programas?

E o que estão fazendo as religiões no sentido de despertar as criaturas para uma mudança de atitude, a fim de que assumam sua real posição diante do Cristo? Será que o papel das religiões é levar seus fiéis a pensarem em Deus, ouvindo enternecidamente comentários sobre os ensinamentos de Jesus, somente no interior dos templos, em momentos sagrados? Mas Jesus nunca separou a vida em momentos sagrados e momentos profanos. De acordo com os Seus ensinos, os princípios éticos e morais devem permear todos os atos da vida, em todos os ambientes. Portanto, é premente a necessidade de se despertar o homem para o esforço de proceder de conformidade com esses ensinamentos, em todas as circunstâncias da vida, conforme Ele ensinou e exemplificou. Logo, as religiões devem esclarecer o homem no sentido de não esperar o Céu depois da morte, mas de construí-lo aqui, em todos os ambientes, principalmente dentro de si mesmo, desde agora.

E como estamos procedendo nós, espíritas, nesse cenário caótico em que vivemos? As casas espíritas estão promovendo reflexões sérias que nos levem a nos situarmos na vida como Espíritos imortais temporariamente encarnados? Estamos tendo oportunidade de avaliação das propostas da televisão, do cinema, do teatro, da literatura ante nosso futuro no Mundo Espiritual?

Lembremo-nos de que, se o Espiritismo não nos atemoriza com o Inferno, também não nos oferece um Céu conquistado sem esforço no Bem. A verdade é que também nós estamos um tanto acomodados diante do panorama atual, pois raras vozes se erguem para denunciar esse tremendo antagonismo entre o que nos oferece a mídia, e as diretrizes de conduta ensinadas no Evangelho. Portanto, diante dessa ruína moral que se vê na atualidade, é de se perguntar onde estão as vozes dos condutores de almas, onde estão as vozes das religiões que silenciam diante de tanta ignomínia? Será que aguardam a volta de João Batista?

O consolador – Ano 5 – N 242

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