Os sonhos segundo a Doutrina Espírita

Autor: Rogério Miguez

Quantos sonhos já tivemos em nossa atual existência? Seguramente são incontáveis. De todos os tipos: uns curtos; outros estranhos; há aqueles assustadores – os pesadelos; alguns nos comunicam tranquilidade e acordamos renovados; pessoas desconhecidas, misturadas com amigos, às vezes até animais aparecem nos sonhos; é uma imensidão de possibilidades e cada qual os regista de modo particular.

Pouco se consegue relatar ou recordar sobre os sonhos, pois esquecemos a maioria deles; basta recomeçar o dia e, distraídos, já os perdemos da memória, de modo que nem mesmo com toda concentração mental conseguimos recuperá-los.

Mentes privilegiadas na área das ciências médicas tentaram interpretá-los, sem sucesso. Baseando-se apenas na atual existência, os dedicados e competentes estudiosos, entre os quais se destaca Sigmund Freud, criador da psicanálise, não conseguem unir elementos tão díspares quanto o são aqueles que formam os nossos sonhos.

O sonho seria, segundo a visão materialista, em uma conceituação geral, um encadeamento de imagens, geralmente sem conexão ou mesmo confusas, formando-se em nossas mentes enquanto dormimos.

Uma das razões primordiais para tentar bem interpretar os sonhos, agora sob a ótica espiritualista, buscando pelo menos entender a mensagem central, é a aceitação, ou melhor, a compreensão da lei das muitas existências, um dos mais fundamentais princípios divinos: a reencarnação.

Outras razões seriam a certeza da imortalidade do Espírito, corolário da lei anteriormente citada; e a nossa capacidade de nos afastarmos temporariamente do corpo físico, fenômeno comum e diário que ocorre com todas as pessoas, quando dormem, enquanto descansa o corpo biológico para, ao despertar, retomar suas atividades corriqueiras.

Sem estes três princípios, tudo fica obscuro, enigmático.

A temática não poderia ter sido deixada à margem pelo igualmente estudioso e competente investigador Allan Kardec, ao elaborar o edifício do conhecimento universal representado pela literatura que constitui a Doutrina dos Imortais. Afinal, dormimos aproximadamente um terço de todas as nossas existências, tempo suficiente para que saibamos em quais atividades, se houver, estamos envolvidos quando caímos nos braços de Morfeu, segundo a fascinante mitologia grega, o deus dos sonhos.

O capítulo dos sonhos recebeu a atenção do Codificador ao estruturar o tópico sobre a “Emancipação da Alma”, dedicando mais de cinquenta perguntas ao assunto, com um extenso resumo de sua autoria, ao final, comentando todas as possibilidades da emancipação da alma, entre as quais o “Sono e os Sonhos” exemplificam apenas o primeiro nível, se assim nos podemos expressar, sobre a emancipação do Espírito encarnado, ou alma.

Tudo na criação é sábio, justo e misericordioso. Assim sendo, a capacidade de provisoriamente nos afastarmos da estrutura física, enquanto encarnados, não pode fugir à estas características. Quais seriam, então, os benefícios oferecidos por Deus nesta particular questão?

  • Descanso da matéria – corpo humano –, pois esta magnífica máquina, construída toda vez que retornarmos à carne, ferramenta de nossa evolução, não é indestrutível, bem o sabemos; desgasta-se e, em consequência, precisa recuperar-se dos esforços a que é submetida pelo Espírito no seu dia a dia. Dormindo, criamos a condição para compensar o natural desgaste orgânico da rotina diária.
  • Alívio ou descanso, para o Espírito imortal, da influência da matéria. Quando reencarnamos, temos limitados os nossos sentidos às condições dos órgãos físicos; por exemplo, quando estamos no plano espiritual, enxergamos por todos os lados, em qualquer direção, isto é, pelo envoltório do Espírito, seu perispírito. Ao ocupar um corpo novamente, ficamos restritos às possibilidades do aparelho ótico: nossos olhos; é como se um mergulhador, com a capacidade de nadar livremente, vestisse um escafandro, cerceando pesadamente seus movimentos enquanto usa o equipamento. O Espírito, portanto, aproveita todos os momentos de torpor do corpo humano para tentar “escapar” de sua prisão, passeando pelo plano etéreo, moradia final de todos nós.
  • Encontro com Espíritos encarnados ou desencarnados: o anjo da guarda, familiares, amigos e inimigos, deste ou de outros mundos. Estes variados contatos propiciam nosso fortalecimento, orientação, aconselhamento, podendo ainda nos prevenir de algum perigo futuro. Podem surgir novas ideias para questões antigas a nos afligir, que tanto podem ser fruto de sugestões de outros Espíritos mais sábios do que nós, como podem nascer de nós mesmos, visto que enxergamos as coisas de modo mais lúcido quando estamos emancipados.
  • Recordar promessas oriundas de acertos previamente estabelecidos antes da atual reencarnação, o passado distante e eventual acesso ao futuro, de forma espontânea e natural, caso Deus  o permita; as premonições. Até mesmo o instante da morte pode ser revelado, desde que proveitoso ao Espírito para algum preparativo final de vida junto aos familiares, aos amigos, no trabalho, além de providencias diversas, relacionadas, por exemplo, à doação de órgãos.
  • Aprendizado auferido na participação em palestras, aulas e avisos, mediante projeções de imagens, são exemplos de oportunidades de instrução, guardando o Espírito, ao final do sono, quando retoma o corpo, as impressões destes colóquios e até, muitas vezes, de animadoras e tranquilizadoras conversas.
  • Pesquisadores e cientistas encarnados podem beneficiar-se também quando entram em contato com Espíritos desencarnados que realizam as mesmas pesquisas e estudos no Plano Espiritual. Muito mais lúcidos, estes últimos podem auxiliar os Espíritos temporariamente desprendidos da matéria, de modo que, ao despertarem no dia seguinte, encontrem a solução de algum problema que contribua para a promoção do progresso da humanidade.
  • Particularmente em relação aos lidadores espíritas, é comum continuarem a atividade desenvolvida durante a vigília nas Casas Espíritas. Muitos médiuns são regularmente convocados a dar prosseguimento ao trabalho recém-executado, precisando, para isso, manter boa postura até a hora de dormir, preparando-se pela oração para o período de sono que se aproxima e se colocando à disposição dos mentores do grupo mediúnico ao qual pertencem. Mas se o médium, após o trabalho, entrega-se, por exemplo, a farta refeição, sobretudo se regada a vinho, já inviabiliza a sua participação, perdendo a oportunidade de contribuir com a Espiritualidade durante o sono. Trata-se aí de simples questão de indisciplina.
  • Por outro lado, o Espírito vicioso tende a procurar os seus pares, ou mesmo velhas afeições, partícipes em deslizes comuns do passado, perdendo um tempo que poderia ser usado para enriquecer a sua existência. Nestes casos, argumentam alguns, não seria antes um malefício  que um benefício!? Ora, a Lei é a mesma para todos, sempre visa o bem; contudo, cada qual a utiliza a seu modo, recolhendo, naturalmente, os resultados provenientes de suas próprias escolhas.

Considerando estas muitas possibilidades, podemos agora compreender por quais razões é tão difícil penetrar na essência dos sonhos, ou mesmo decifrá-los integralmente, sobretudo se considerarmos outros aspectos relevantes na formação dos sonhos:

  • Preocupações do cotidiano – todos os assuntos que recebam a nossa atenção de modo especial durante a vigília podem se misturar aos sonhos; por exemplo: contas a pagar, o exame do ENEM, uma persistente doença, variadas questões sentimentais etc. Quando estas apreensões recebem forte apelo de nossa atenção levamo-las conosco durante a emancipação pelo sono.
  • Alimentação em demasia – o corpo físico necessita de alimentos em doses adequadas para bem funcionar. Se, próximo do sono, alimentamo-nos em excesso e não processamos a necessária digestão, o corpo é obrigado a trabalhar enquanto estamos no Espaço; esta atividade física, excepcional, influencia o sonho.
  • Filmes, TV, imagens da WEB –muitas pessoas, antes de dormir, assistem a programas televisivos e filmes violentos, às vezes envolvendo cenas fortes na área sexual ou permeados de aspectos macabros, de horror e terror. Essas imagens inadequadas, captadas momentos antes de dormir, por certo contribuirão para a eclosão de pesadelos e outros transtornos que podem ocorrer durante o sono.
  • Sentimento de culpa – deslizes de conduta, perpetrados nesta e em outras existências e não plenamente resgatados perante a Lei de Deus, apresentam-se na forma de culpa e aflições, medos ocultos e receios incompreensíveis, imiscuindo-se também em nossos sonhos.
  • Alcoólicos e drogas ilícitas – o uso de drogas psicoativas lícitas ou ilícitas tem influência preponderante na formação dos sonhos, pois avivam indesejados traços, às vezes represados, de nossas personalidades antigas, prejudicando, além disso, o bom funcionamento do corpo biológico, quando este deveria encontrar-se em estado normal para bem repousar.
  • Obsessores – caso estejamos sendo influenciados por Espíritos ainda ignorantes, por variadas razões, estes se nos apresentarão quando estivermos emancipados, fornecendo a sua cota de material a ser misturada ao conteúdo dos nossos sonhos.
  • A facilitação de acesso às vidas passadas durante o sono abre um capítulo especial na formação dos sonhos. Todas as nossas existências estão gravadas em nosso perispírito e, durante a emancipação pelo sono, o Espírito tem maior facilidade de vislumbrar estas experiências passadas, as espécies de existências que vivenciou, quando e onde esteve reencarnado etc. Dependendo da capacidade de acesso ao passado, não sendo esta uniforme para todos, alguns indivíduos adentram mais profundamente estes antigos enredos. Tais relances das existências precedentes podem facilmente se embaralhar com a realidade de agora, criando um cenário demasiadamente confuso, fruto da combinação da existência atual com as anteriores, das quais não temos lembrança durante a vigília. Ao acordar, o Espírito fica perplexo diante de um sonho que lhe parece inverossímil.

Diante de quadro tão complexo, poderíamos indagar: Qual o proveito do sonho para o nosso cotidiano?

Além dos benefícios anteriormente elencados, sabe-se que os bons Espíritos que nos acompanham, quando desejam nos dar algum aviso importante, alguma sugestão oportuna para o presente ou mesmo para o futuro, possuem meios de nos impregnar com impressões ou sensações que permanecerão conosco, ocultas e que despertarão no momento aprazado, como num déjà vu. Em tal situação, seremos arremessados àquele pedaço de sonho, àquele fragmento de recordação, o que facilitará a nossa compreensão, o nosso entendimento sobre a real mensagem evocada pelo sonho, permitindo-nos, assim, agir com mais sabedoria, caso acatemos as boas sugestões que tal aviso encerra.

Diante de tudo isto, importantíssimas providências podem ser tomadas, caso desejemos criar condições para uma boa noite de sono, repleta de bons sonhos. Citamos algumas nos fatores que influenciam negativamente os sonhos, e que deverão ser evitadas sempre, mas ainda não mencionamos a mais eficaz medida para uma boa noite de sono: os bons pensamentos, a prece fervorosa quando nos preparamos para dormir.

Se proferida com sinceridade e humildade, a prece faculta tranquilidade durante o sono, harmonia para o ambiente em que nos encontramos e defesa contra a ação dos Espíritos obsessores, entre tantos outros benefícios salutares, de que já estão cientes os que se entregam a esta prática piedosa, recomendada pelo próprio Jesus.

Uma dica: se o leitor deseja refletir sobre os sonhos, sugerimos manter papel e lápis à mão na cabeceira da cama, ao deitar-se. Caso acorde à noite em meio a um sonho, anote todos os detalhes, porque, como já mencionamos, será muito difícil recuperá-los na manhã seguinte, ao despertar; eles se terão perdido na maioria das vezes.

Bons Sonhos!

É DE RESPEITO QUE ELAS GOSTAM