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Para ver a sombra há que iluminá-la

Autor: George De Marco

Em seu livro, A doença como caminho, o psicólogo Thorwald Dethlefsen e o médico Rüdiger Dahlke se propõem a demonstrar que o doente não é a vítima inocente dos erros da natureza, mas antes o seu próprio carrasco. Encarados por esse prisma, os sintomas surgem como manifestações físicas de conflitos psíquicos e a sua mensagem pode desvendar o problema de cada paciente.

Ao utilizar o tema da doença como base para um leque de temas ideológicos e esotéricos, cujo alcance está para além do quadro restrito da doença, eles têm como objetivo principal facultar ao leitor uma nova perspectiva que lhe permita reconhecer os sintomas e entender por si mesmo o seu significado pois, para os autores, toda doença tem um propósito e uma finalidade: ao obrigar o Ser Humano a não abandonar o caminho da unidade, a doença seria o caminho da perfeição.

No que diz respeito aos olhos, Dethlefsen e Dahlke são da teoria de que eles não recolhem apenas impressões do exterior, mas deixam igualmente passar algo de dentro para fora: neles se veem os sentimentos e o estado de espírito de uma pessoa. Por essa razão, os autores defendem que olhamos para os olhos das outras pessoas para tentar ler o seu olhar e concordam com a máxima de que os olhos são o espelho da alma – o diagnóstico pela íris apenas utiliza o olho como espelho do corpo, mas é também possível discernir no olho os traços de caráter e as idiossincrasias de cada pessoa. Expressões como mau olhado e olhar com maus olhos dão-nos igualmente a entender que o olho não é meramente um órgão receptor, mas que também projeta. Na linguagem popular diz-se que o amor é cego, frase que indica que os namorados não veem claramente a realidade.

A expressão externa de não querer ver é a cegueira. A cegueira é considerada pela maioria das pessoas como sendo a perda mais grave que se possa sofrer no plano físico. Emprega-se também a expressão estar cego em sentido figurado. O cego vê-se desprovido, definitivamente, da superfície de projeção externa e é obrigado a olhar para dentro. Para os dois médicos alemães, a cegueira corporal é apenas a última manifestação da verdadeira cegueira – a cegueira mental.

Aqui, a percepção equivale à tomada de consciência da verdade. Isso apenas se afigura possível se o Ser Humano se reconhecer a si mesmo em tudo aquilo que percepciona. Se ele se esquece, então as janelas da alma ficam embaciadas, perdem a transparência e obrigam-no a dirigir a sua percepção para dentro. O Homem aprende a olhar para dentro de si e a escutar o seu interior na medida em que os órgãos dos sentidos deixam de funcionar. O Homem é obrigado a recolher-se em si mesmo.

Segundo eles narram, há vários anos, nos Estados Unidos, restituiu-se a visão a uma série de jovens cegos mediante uma intervenção cirúrgica. O resultado não foi saudado com os sorrisos e a felicidade esperada e a maioria dos contemplados enfrentou grandes dificuldades na adaptação a sua nova vida. Dethlefsen e Dahlke, então, analisam o fenômeno a partir dos ângulos mais variados.

Na opinião deles, importa apenas o reconhecimento de que ainda que se consigam eliminar os sintomas através de medidas funcionais, os problemas de fundo que através deles se manifestam não são susceptíveis de serem eliminados por essa via. Enquanto não retificarmos a ideia de que todo o impedimento físico é uma perturbação incomodativa que deve ser eliminada ou compensada quanto antes, não conseguiremos extrair dele qualquer benefício. Seria preferível deixarmo-nos incomodar pela perturbação ao nosso quotidiano habitual, consentir o empecilho que nos impede de levar a vida avante nos moldes habituais. Nessa altura, a doença passará a ser a via que nos conduzirá à verdadeira saúde. Inclusive, a cegueira poderá ensinar-nos a ver, poderá dar-nos uma visão superior.

Para comprovar o que dizem, os autores desafiam todos quantos sofrem de problemas da visão a prescindir dos óculos (ou lentes de contato) durante alguns dias e assumir conscientemente a situação.

Em seguida deverão fazer uma descrição da forma como viram e viveram o mundo no decorrer desses dias – o que é que puderam fazer e o que é que tiveram que deixar de fazer – e o modo como resolveram a situação. Tais informações deveriam fornecer-lhes material de reflexão suficiente e revelar-lhes a atitude que tomam em relação ao mundo e em relação a si próprios.

Dethlefsen e Dahlke também propõem que acima de tudo a pessoa procure responder às seguintes perguntas:

  1. O que é que não quero ver?
  2. A minha subjetividade constitui obstáculo a que me conheça a mim mesmo?
  3. Evito reconhecer-me nas minhas ações?
  4. Utilizo a vista para melhorar a minha perspectiva?
  5. Tenho medo de ver as coisas com clareza?
  6. Consigo ver as coisas tal como são?
  7. A que aspectos da minha vida é que eu fecho os olhos?

Curiosamente, depois de tantas reflexões e considerações visando uma melhor compreensão da mensagem dos sintomas, os autores dizem que diante da inevitável pergunta “o que é que tenho de fazer para me curar?”, a resposta seria: “abra os olhos”.

Segundo eles, é precisamente nesta nossa vontade constante de mudança que se esconde um dos maiores perigos que nos espera pelo caminho. Na realidade, não há nada a mudar a não ser a nossa visão das coisas. Daí que o conselho deles se reduza a “abrir os olhos”.

“Através das nossas interpretações”, afirmam Dethlefsen e Dahlke, “pretendemos reconduzir o olhar do leitor para aquilo que sempre descura. Cada um de nós consegue vê-lo, basta apenas que não o percamos de vista e que olhemos sempre com atenção redobrada.

Só um olhar constante e atento, permitirá vencer as resistências e fazer crescer o amor necessário para assumirmos aquilo que observamos. Para ver a sombra há que iluminá-la”.

Jornal do NEIE

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