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Um Espírito estouvado

Revista Espírita, março de 1859      

O senhor J., um de nossos colegas da Sociedade, vira, diversas vezes, chamas azuis passearem sobre sua cama. Convicto de que era uma manifestação, tivemos a ideia, no dia 20 de janeiro último, de evocar um desses Espíritos, a fim de nos edificar sobre a sua natureza.

1. Evocação. – R. E que me queres?

2. Com qual objetivo te manifestaste na casa do senhor J……? – R. Que te importa?

3. A mim, isso pouco importa, é verdade; mas isso não é indiferente ao senhor J… – R. Ah! a bela razão!

Nota. Essas primeiras perguntas foram feitas pelo senhor Kardec. O senhor J… prosseguiu no interrogatório.

4. É que não recebo todo o mundo de bom grado em minha casa. – R. Estás errado; sou muito bom.

5. Dá-me, pois, o prazer de dizer-me o que fazias em minha casa? – R. Crês, por acaso, que, porque sou bom, devo obedecer-te?

6. Foi-me dito que és um Espírito muito leviano. – R. Fazem de mim uma bem má reputação, fora de propósito.

7. Se é uma calúnia, prove-o. – R. Isso não desejo mais.

8. Eu poderia bem empregar um meio para conhecer-te. – R. Isso não poderia senão divertir-me, com efeito, um pouco.

9. Eu te íntimo a dizer-me o que vieste fazer em minha casa. – R. Não tinha senão um objetivo, o de divertir-me.

10. Isso não está de acordo com o que me foi dito por Espíritos superiores. – R. Fui enviado à tua casa, disso conheces a razão. Estás contente?

11. Pois mentiste? – R. Não.

12. Não tinhas, portanto, más intenções? – R. Não; disseram-te o mesmo que eu.

13. Poderias dizer-me qual a tua classe entre os Espíritos? – R. Tua curiosidade me apraz.

14. Uma vez que pretendes ser bom, por que me respondes de modo tão pouco conveniente? – R. É que te insultei?

15. Não; mas, por que respondes de modo evasivo e te recusas a dar-me as informações que te peço? – R. Sou livre para fazer o que quero, entretanto, sob o comando de certos Espíritos.

16. Então, vejo, com prazer, que começas a ser mais conveniente, e auguro que terei contigo relações mais amáveis. – R. Coloque tuas frases de lado, farás muito melhor.

17. Sob qual forma estás aqui? – R. De forma, não a tenho.

18. Sabes o que é o perispírito? – R. Não; a menos que isso seja do vento.

19. O que eu poderia fazer-te que te seja agradável? – R. Já o disse: cala-te.

20. A missão que vieste cumprir em minha casa te fará avançar como Espírito? – R. Isso é um outro assunto; não me dirijas mais tais perguntas. Sabes que obedeço a certos Espíritos; dirige-te a eles; quanto a mim, não peço senão para ir-me.

21. Tivemos más relações, em uma outra existência, e isso seria a causa de teu mau humor? – R. Não lembras mais o mal que disseste de mim, e isso a quem queria ouvi-lo. Cala-te, digote.

22. Não te disse senão o que me foi dito pelos Espíritos superiores a ti. – R. Disseste também que eu te havia obsediado.

23. Ficastes satisfeito com o resultado que obtiveste? – R. Isso é assunto meu.

24. Sempre queres, pois, que conserve de ti má opinião? – R. É possível! Eu me vou.

Nota

Pode-se ver, pelas conversas que relatamos, a extrema diversidade que há na linguagem dos Espíritos, segundo o grau de sua elevação. A dos Espíritos dessa natureza é quase sempre caracterizada pela rudeza e pela impaciência; quando são chamados nas reuniões sérias, sente-se que não vêm de bom grado; têm pressa de se irem, e isso porque não estão cômodos, em meio de seus superiores e de pessoas que os colocam, de algum modo, na berlinda. Não ocorre o mesmo nas reuniões frívolas, onde se diverte com seus gracejos; estão, em seu centro, e se entregam de coração alegre.

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