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O Centro Espírita e sua dimensão espiritual

Autor: Astolfo O. De Oliveira Filho

A Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, primeiro centro genuinamente espírita constituído em nosso mundo, foi o foco orientador dos núcleos espíritas que se estabeleceram depois nos diferentes países

Em 1850, já existiam nos Estados Unidos, segundo Deolindo Amorim, cerca de 300 grupos espíritas, mas a primeira sociedade regularmente constituída sob a égide da Doutrina Espírita foi a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, fundada por Kardec em 1º de abril de 1858. 

O Espiritismo nasceu, como sabemos, na intimidade dos núcleos familiares. O professor Hippolyte Léon Denizard Rivail havia participado de muitas reuniões em casas de família (Sra. Plainemaison, srs. Roustan e Baudin etc.), antes de fundar a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, que se tornou o foco orientador dos demais grupos que surgiram na França e em outros países. Seu ascendente era, contudo, exclusivamente moral.  

Conceito de Centro Espírita 

O Centro Espírita é a célula de disseminação do Espiritismo e de congraçamento de seus adeptos, onde se toma contato com a mensagem re­novadora do Consolador. Ponto visual de convergência do movimento dou­trinário, é ele, no dizer de Emmanuel, “uma escola onde podemos aprender e ensinar, plantar o bem e recolher-lhe as graças, aprimorar-nos e aper­feiçoar os outros, na senda eterna”. 

J. Herculano Pires, referindo-se ao Centro Espírita, assim dizia: “Podemos figurá-lo como um espelho côncavo em que todas as atividades doutrinárias se refletem e se unem, projetando-se conjugadas no plano social geral, espírita e não-espírita”.  Não se aceita, pois, nos dias atuais um Centro Espírita estanque, fechado em suas quatro paredes, a que Leopoldo Machado chamava Espiritismo de “mortos”, quando propugnou fizéssemos o Espiritismo de “vivos”.  

O Centro Espírita deve revestir as características de TemploLarHospitalOficina e Escola. Assevera Emma­nuel: “Quando se abrem as portas de um templo espírita-cristão ou de um santuário doméstico, dedicado ao culto do Evangelho, uma luz divina acende-se nas trevas da ignorância humana e através dos raios benfazejos desse astro da fraternidade e conhecimento, que brilha para o bem da comunidade, os homens que dele se avizinham, ainda que não de­sejem, caminham, sem perceber, para a vida melhor” (“Reformador” de janeiro de 1951). 

Finalidades do Centro Espírita  

Operar a propagação da Doutrina Espírita para a renovação do homem, eis a função essencial do Centro Espírita, cujas finalidades derivam de sua natureza de núcleo de estudo, fraternidade, oração e trabalho, com base no Evangelho de Jesus interpretado à luz da Doutrina Espírita. O Centro deve ser a casa da grande família, onde as crianças, os jovens, os adultos e os mais idosos tenham a oportunidade de conviver, estudar e trabalhar. Os Centros mais estáveis são aqueles em que a família inteira parti­cipa, onde as atividades dos adultos, dos jovens e das crianças são integradas. Esses Centros formam assim uma grande família, que é a reunião das famílias que neles trabalham. 

Como escola das almas que deve ser, onde a oração está sempre presente no processo, cabe ao Centro Espírita promover a educação integral do ho­mem, o estudo sistematizado da Doutrina Espírita e do Evangelho, a evangelização da criança à luz da Doutrina Espírita, a integração do jovem nas tarefas da Casa, o estudo da mediunidade, o atendimento fra­terno às pessoas que procuram o Centro e a implantação do culto do Evangelho no lar. 

Ele deve ter por alvo o homem espiritual, antes do homem físico, preparando-o para ser um homem de bem no meio social em que atue. O estudo sistematizado é excelente instrumento de formação de recursos humanos necessários à Casa. O estudo da mediunidade visa a oferecer orientação segura para as atividades mediúnicas. O diálogo com as pes­soas, o contato direto com os participantes do Centro, para sabermos o que eles desejam fazer, eis também uma atividade indis­pensável. 

O Centro Espírita é também um posto de socorro material e espiri­tual. Seu trabalho no campo assistencial tem por base o lema: “Fora da caridade não há salvação”. Nesse sentido, cabe à Casa espírita promo­ver o serviço de assistên­cia social espírita, assegurando suas carac­terísticas beneficentes, preventivas e promocionais, conjugando a ajuda material e a espiritual e fazendo com que este serviço se desen­volva concomitantemente com o atendimento às necessi­dades de evangeli­zação. 

Se o Espiritismo é combatido pelas diferentes religiões cristãs no que diz respeito à doutrina que ensina, é tolerado, res­peitado e até ajudado no campo da assistência social, onde desenvolve um trabalho importante. Temos de compreender, contudo, que a caridade, tal como conceituada no item 886 d’ O Livro dos Espíritos – benevolência para com todos, indulgência para com as imperfeições dos outros, perdão das ofensas – constitui algo que transcende a esmola e o mero assistencialismo. Na tarefa espírita, devemos ter em conta que a meta é a evangelização da pessoa; as demais atividades são simples meios.

Centro Espírita e Unificação 

Na atividade de unificação espírita, o Centro Espírita é a unidade fundamental. Allan Kardec foi, como se sabe, o primeiro a conce­ber a necessidade da unificação quando propôs que os Centros se correspondessem, permutassem informações e se visi­tassem, formando a grande família espírita (“O Livro dos Médiuns”, cap. 29, item 334). 

Realmente, como aferir a concordância e a universalidade dos ensinos sem um Centro catalisador? A própria elabo­ração da Doutrina Espírita é um modelo de unificação, razão que levou Kardec a propor, em seu “Projeto 1868”, a exis­tência de um centro de coordenação do movimento espírita. Posteriormente, em mensagem dada por intermédio de Frederico Jú­nior, Kardec realçou três itens da ação espírita a ser desenvolvida pelos centros espíritas: a unificação, a escola de médiuns e a caridade

Também nesse sentido é a seguinte advertência de Bezerra de Menezes: “Solidários, seremos união. Separados uns dos ou­tros, seremos pontos de vista. Juntos, alcançaremos a realização de nossos propósitos. Distanciados entre nós, conti­nuaremos à procura do trabalho com que já nos encontramos honrados pela Divina Providência” (psicografia de Chico Xa­vier, em “Unificação” de nov./dez. de 1980). 

Cabe, pois, ao Centro Espírita participar efetivamente do movimento de unificação, e conjugar esforços e somar experiências com as demais entidades locais e regionais do movimento, que tem de ser intrinsecamente democrático, visto que nele ninguém tem o poder de impor sua vontade aos outros. O livro “Orientação ao Centro Espírita”, publicado pela FEB, com base em texto aprovado pelo Conselho Federativo Nacional, é exemplo disso, como fruto que é de uma ampla discussão feita a partir dos Centros Espíritas e dos organismos regionais do movimento espírita. 

O Centro Espírita fechado em si mesmo não tem meios de evoluir, pela ausência de troca de ideias, experiências e interação; já os Centros unidos têm condição de se projetar na sociedade.  

Centro Espírita e mudanças sociais 

A solução da questão social, diz Kardec, está toda no melhoramento moral dos indivíduos e das massas. Não é o Espiritismo que cria a renovação social, mas o amadurecimento da humanidade que fará disso uma necessidade, escreveu ele em “A Gênese” (cap. XVIII, item 25).  

Em “O Livro dos Médiuns”, cap. XXIX, item 350, Kardec escreveu: “Se o Espiritismo deve, assim como foi anun­ciado, trazer a transformação da Humanidade, isto pode ser apenas pelo melhoramento das massas, o que pode acontecer gradualmente e pouco a pouco, apenas pelo melhoramento dos indivíduos”. E mais adiante, no mesmo item, o Codificador propõe: “É para o fim providencial que devem tender todas as sociedades espíritas sérias, agrupando ao seu redor to­dos os que possuem os mesmos sentimentos; então haverá entre elas união, simpatia e fraternidade e não um vão e pue­ril antagonismo de amor-próprio, de palavras antes que de fatos; então elas serão fortes e poderosas, porque se apoiarão numa base indestrutível: o bem para todos”. 

A projeção do Centro Espírita na sociedade é função da preparação do homem espírita como agente de mudança. A Doutrina Espírita nos dá uma ideia de Deus mais alta e mostra qual é, em essência, a finalidade da vida na Terra. O Espiritismo prova a vida futura e, assim, a vida material deixa de ser a única realidade, tirando ao materialismo a sua base de apoio. 

É da essência do Espiritismo e, por isso, do Centro Espírita combater sem tréguas o materialismo e seu filho di­leto, o egoísmo, que é o vício mais radical e a causa de todas as mazelas da sociedade, divulgando a Doutrina Espí­rita por meio do livro e de todos os meios de comunicação disponíveis. O papel do Centro Espírita é colocar a Doutrina Espírita ao alcance do homem na intimidade da família ou nos segmentos sociais em que vive e milita.  

Centro Espírita e a Codificação 

O Centro Espírita é o depositário dos princípios da Doutrina Espírita e dela não pode afastar-se, sob pena de concorrer para que aconteça com o Espiritismo o que ocorreu com o Cristianismo. Bezerra de Menezes propõe-nos: “É indispensável manter o Espiritismo, qual foi entregue pelos Mensageiros Divinos a Allan Kardec, sem compro­missos políticos, sem profissionalismo religioso, sem personalismos deprimentes, sem pruridos de conquista a poderes terrestres transitórios” (psicografia de Chico Xavier, “Reformador” de dez. de 1975). 

A adoção de teorias e práticas exóticas ou não afinadas com a simplicidade e a pureza dos trabalhos espíritas compromete o seu objetivo e desorienta frequentadores e assistidos. Eis, por exemplo, o caso da Projeciologia: não existe dúvida  quanto ao seu valor, mas não é assunto para o Centro Espírita. Assim se dá com tantas outras teo­rias e práticas estranhas à Doutrina codificada por Kardec. 

O Centro Espírita dispõe de recursos suficientes para dar atendi­mento aos que o procuram com problemas psicofí­sicos: a prece, o passe, a água magnetizada, a desobsessão, além da imprescindível orientação evangélico-doutrinária. O Centro que busca reforço nos processos al­ternativos de tratamento e cura indica falta de fé na terapêutica proposta pelo Consolador. 

A contribuição trazida por André Luiz (Espírito), sobretudo nos livros que integram a chamada série “Nosso Lar”, constitui uma complementação da obra de Kardec. Seus relatos sobre a vida espiritual são uma espécie de desdobramento da segunda parte do livro “O Céu e o Inferno”. A obra kardequiana é, porém, a base dos estudos espíritas e Emmanuel quis de­monstrar isso ao escrever os livros “Religião dos Espíritos”, “Seara dos Médiuns”, “Livro da Esperança” e “Justiça Divina”, em torno das obras básicas da codificação kardequiana, que constituem “a pedra de toque” em matéria de Espi­ritismo, para valer-nos aqui de expressão cunhada por Herculano Pires no livro “A Pedra e o Joio”. 

No Congresso Espírita realizado pela USE (União das Sociedades Espíritas de São Paulo) em maio de 1992, uma con­clusão tornou-se marcante: `a causa espírita é maior do que a Casa espírita’. A causa espírita é o fim, a Casa espí­rita é o meio. Mas geralmente invertemos isso, dando mais importância à Casa do que à causa, ou fazendo concessões para manter a Casa, em detrimento da causa. Nesse sentido, o Centro deve evitar o uso de rifas, tômbolas, quermesses, bingos e outros meios desaconselháveis, para angariar recursos. O mundo de César tem suas exigências, mas não podemos olvidar que no Centro Espírita estamos a serviço de Deus. Não se pode aceitar, portanto, a alegação de que os fins justificam os meios. 

Centro Espírita e o tríplice aspecto 

Os três aspectos do Espiritismo – ciência, filosofia, religião – devem ser objeto de estudo no Centro Espírita, mas o aspecto religioso assume um papel primacial. 

A pesquisa científica pode e deve ser feita, se o Centro tiver pessoas com capacidade para, em dia e reunião es­pecíficos, realizarem trabalhos nessa área. Não devemos, porém, esquecer que se estivermos aplicando a Doutrina Espí­rita no Centro estaremos praticando ao mesmo tempo o aspecto científico, o aspecto filosófico e o religioso. 

Vejamos este exemplo: quando uma pessoa perde um ente querido e recebe no Centro Espírita a mensagem espiritual que lhe prova que seu ente querido continua a viver, deve-se isso ao fenômeno mediúnico, que é o objeto da ciência espírita. A pessoa começa então a refletir, buscar informações sobre o fenômeno e suas causas e se enriquece com tais reflexões: eis aí o aspecto filosófico. Depois, em face da nova concepção de vida que adquire, muda seu comportamento diante do mundo: temos então o aspecto religioso. O Centro Espírita propicia, assim, diuturnamente, a prática dos três aspectos, cuja divisão foi feita por Kardec tão-somente para efeito didático. 

Organização e simplicidade do Centro Espírita 

O Centro Espírita deve caracterizar-se pela simplicidade própria das primeiras casas do Cristianismo nascente, sem imagens, rituais, símbolos, paramentos, sacramentos ou manifestações exteriores, como velórios, casamentos e ba­tizados. Em sua simplicidade, deve funcionar como elemento educativo e libertador, eliminando os condicionamentos mentais e os hábitos arraigados que trazemos do passado, recente ou remoto, com vigilância redobrada nas práticas doutrinárias e mediúnicas, tendo sempre em mente que os fins não justificam os meios. 

O Centro Espírita deve organizar-se não apenas para desenvolver com eficiência suas atividades básicas, mas tam­bém para cumprir suas obrigações legais. Como diretrizes, deve adotar a estrutura departamental e o planejamento das atividades. Os departamentos não podem ser estanques, mas trabalhar entrosados, trocando experiências e ideias. O planejamento das atividades é fundamental, porque é a improvisação que nos leva muitas vezes aos desvios de rota.  

A direção do Centro Espírita deve ser democrática. Não há mais lugar no meio espírita para o dirigente auto­crata, que se julga dono da instituição e se escuda nos Espíritos para justificar suas ideias. A direção liderada, com a cooperação do grupo, pela competência, paciência, tolerância e honestidade de propósitos, é a que mais se coa­duna com os fundamentos da Doutrina Espírita.

O consolador – Ano 5 – N 255 – Especial

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