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Opinião sobre a institucionalização do movimento espírita

Autor: Rodrigo Sales

Vivemos tempos díficeis no planeta, sobretudo no Brasil. A cada instante uma avalanche de notícias nos mostra as arbitrariedades comportamentais dos líderes do governo nas diversas instituições do país bem como do próprio povo que lança-se desesperadamente às tentativas diversas de prosperidade e crescimento midiático, econômico ou de sobrevivência mesmo numa demonstração geral de que a mente humana, no cenário de mundo atual, não consegue alinhar-se harmonicamente com a proposta do amor, da verdade, da não violência, da ação correta e, portanto, da paz. Essa convulsão mental deságua-se nos movimentos humanos sejam eles políticos, religiosos, científicos ou filosóficos o que provoca uma série de mudanças e resistências que se configuram em guerras ideológicas e posicionamentos muitas das vezes descabidos e violentos.

Um dos movimentos humanos percebido no cenário social é o dos espíritas. E aqui cabe uma definição do que vem a ser o espírita. Do ponto de vista conceitual: “Diremos, pois, que a doutrina espírita ou o Espiritismo tem por princípio as relações do mundo material com os Espíritos ou seres do mundo invisível. Os adeptos do Espiritismo serão os espíritas, ou, se quiserem, os espiritistas.” (Allan Kardec, Introdução de O Livro dos Espíritos). Dada essa conceituação, que servirá de parâmetro para o que escreveremos, podemos prosseguir fazendo algumas análises que julgo serem necessárias e urgentes dado o contexto de mundo em que estamos e principalmente dada a relevância da contribuição que a mensagem do Espiritismo tem para esse mesmo mundo convulsivo.

Viver o Espiritismo é configurar a própria vida de maneira a não nutrir o medo da morte, entendendo que somos Espíritos imortais que momentaneamente estamos na Terra encarnados para o desenvolvimento das nossas potencialidades íntimas. Desta forma, viver o Espiritismo é lançar-se no grande desafio de empreender esforços para a educação espiritual de si mesmo. E inexoravelmente essa educação se dá através da vivência dos valores nobres tais como o amor, a gentileza, a não violência, a ação correta, a verdade, a paz entre outros. Vivência é algo que se experimenta no contato com as criações divinas que se apresentam no mundo, sobretudo os seres humanos e suas complexas organizações em sociedade. Logo, somos seres espirituais que encarnados vivemos em sociedade para que, exercendo nossa sociabilidade, consigamos alcançar os valores educativos para o Espírito que somos. Alcançar, atingir, buscar, esforçar-se para que esta sociedade seja mais fraterna e amorosa, mais justa e humanizada são atitudes espíritas. Miséria social, pessoas morrendo de fome, pessoas perdendo a dignidade, o direito de acesso a saúde, educação, cultura com a qualidade capaz de favorecer o desenvolvimento saudável psicosocioemocional não combina com a proposta da doutrina espírita, e, em tese, não combina com o espírita e suas movimentações.

No Brasil, temos um histórico de movimento dos espíritas pautado na prática da caridade assistencialista, isto é, focada em dar cestas básicas e pratos de sopa com pão à famílias carentes (algumas diríamos miseráveis no sentido mais profundo que o termo significa), doação de enxovais para bebês recém nascidos, campanhas de alimentos, acompanhada da chamada assistência espiritual que envolve aplicação de passes, tratamento desobsessivo, distribuição de água fluidificada, exposição de palestras de conteúdo evangélico-doutrinário (como se habituou chamar as reuniões públicas) e a evangelização infantojuvenil. Há ainda a prática de se reunir nos lares das pessoas para o chamado Evangelho no Lar que consiste em dedicar alguns minutos para leitura e reflexão dos textos do evangelho em conjunto com a família. Tudo isso estimulado, consagrado, administrado e monitorado pelas instituições espíritas, ou centros espíritas, ou grupos, ou casas ou seja lá o nome que se dê. A verdade é que grande parte dessas ações elencadas sofrem uma institucionalização em que as avaliações, ordens, definições partem de pessoas que ocupam o quadro administrativo desses agrupamentos blindadas muitas vezes pelo marketing que fazem em torno de si mesmas por serem médiuns ou reconhecidas por terem feito muita caridade na vida.

Pode parecer estranho usar a palavra sofrer para correlacionar a gestão de tais práticas às instituições dos espíritas mas não vejo outro termo mais adequado. O movimento dos espíritas que deveria ser livre, pautado no diálogo com as diferentes visões de mundo buscando expor as ideias da natureza, origem e destinação dos Espíritos e suas relações com o mundo corporal, tendo como foco a prática do bem social onde todos os seres humanos tenham assegurados os direitos que lhes conferem a cidadania capaz de favorecer a construção de um mundo genuinamente bom, pacífico e amoroso. Falo deveria porque de fato não o é, principalmente por causa dessa institucionalização e submissão a pessoas cuja visão de mundo é ainda tão limitada e retrógrada. Não posso generalizar todas as instituições, mas a maioria expressiva delas estabelecem este “controle” sobre o que julgam ser a “essência” a “pureza” doutrinária em que tudo aquilo que seja colocado diferente do que acreditam e enxergam é tido como desagradável, aberração, errado, não doutrinário, equivocado, lamentável; numa disputa por poder totalmente descabida e não aberta ao diálogo ou ao contraditório.

Escrevo este texto para que todos os espíritas institucionalizados o leiam e tenham a coragem de fazer uma autocrítica sobre sua contribuição com a vivência do Espiritismo no seu sentido mais amplo, universal, social e transformador. Mas não uma transformação que virá como que num toque de mágica onde Espíritos iluminados farão a mudança, até porque isso não acontecerá. A mudança é fruto da organização social humana, portanto, espiritamente a mudança vem dos esforços em promover a sociedade com serviços mais dignos e com a elevação da qualidade de vida das pessoas que a compõe, isto é, construir a cidadania. Naturalmente muitos reprovarão algumas palavras aqui colocadas e isso deve servir para indicar quão institucionalizados e não livres ou disponíveis ao diálogo estão certos espíritas.

A falta do diálogo leva a rupturas muitas vezes irreparáveis. Saber dialogar é permitir-se lidar com as diversas visões de mundo de modo a extrair resoluções úteis para o crescimento de todos. Não é atitude espírita ler ou ouvir uma opinião diferente e de imediato se opor ao que está sendo dito ou emitir críticas desvairadas oriundas de um ego ameaçado em perder o poder ou o dote institucional do qual se acha possuidor. Divulgarei, em breve, novos textos em que me debruço sobre a análise do movimento dos espíritas com o objetivo de somar contribuição nesse processo de autocrítica ao movimento, ao qual me incluo pois sou espírita e estabeleço contato com diversas destas práticas dentre outras, contextualizado com as necessidades atuais que o próprio Espiritismo passa principalmente no Brasil em que novas percepções estão ganhando fôlego representando o novo, ou no meio ponto de vista, representando um convite a uma reestruturação da finalidade original da regeneração social elencada por Kardec nos fundamentos desta grande obra de Educação que é o Espiritismo. Diálogo, diálogo e mais diálogo, eis a necessidade urgente do agora.

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