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Urânia

Revista Espírita, novembro de 1859

Fragmentos de um poema Espírita do senhor de Porry

*

Abri-vos aos meus gritos, véus do santuário!
Que o mau trema e o bom se esclareça?
Uma luz divina me inunda, e meu seio agitado
Em abundância dardeja a verdade!
E vós, sérios pensadores, cujos trabalhos célebres
Prometem a luz e dão as trevas,
Que de sonhos mentirosos e de prestígios vãos
Embalais incessantemente as infelicidades humanas,
Concilio de sábios, que tanto de orgulho inflama.
Sereis confundidos pela voz de uma mulher?
Este Deus, que quereis do Universo banir,
Ou que pretendeis loucamente definir.
Do qual vossos sistemas querem sondar a essência,
Malgrado vós, se revela à vossa consciência;
E tal que, entregando-se a sutis debates;
Ousa o negar tão alto, o proclama tão baixo!
Tudo por sua vontade nasce e se renova:
É a base suprema; a vida eterna;
Tudo repousa nele: a matéria e o Espírito;
Que vos retire seu sopro… e o Universo perece;
O ateu disse um dia “Deus não é senão uma quimera;
E, filha do acaso, a vida é efêmera,
O mundo, onde o homem fraco, em nascendo, foi jogado,
Está regido pelas leis da necessidade.
Quando o trespasse apaga os nossos sentidos e nossa alma,
O abismo do nada de novo nos reclama;
A Natureza, imutável em seu curso eterno,
Recolhe nossos restos no seio. maternal.
Usamos curtos instantes que seus favores nos dão;
Que nossas frontes radiosas de rosas se coroem;
Só o prazer é Deus; em nossos barulhentos festins,
Desafiamos a cólera dos móveis destinos!”
Mas quando tua consciência, íntima vingadora,
Insensato! te censura uma culpável embriaguez,
O indigente repelido por um gesto desumano,
Ou o crime impune do qual sujas tua mão,
É do seio escuro da cega matéria
Que jorra em teu coração a importuna luz
Que repõe sempre seus grandes crimes sob teus olhos,
Te apavora e te torna, a ti mesmo, odioso?

*

Então, do soberano que tua audácia nega
Sentes passar sobre ti a força infinita;
E ele te acossa, te sitia, e, malgrado teus esforços,
Se revela ao teu coração pelo grito do remorso!…
Evitando os humanos, cansado de inquietação,
Procuras das florestas a negra solidão;
E crês, percorrendo seus selvagens desvios,
Escapar a esse Deus que te persegue sempre!
Sobre sua presa em farrapos o tigre feliz dormita
O homem, coberto de sangue, nas trevas vela;
Seu olhar está ofuscado por um horrível clarão;
Seu corpo treme inundado de um frio suor;
Um ruído surdo e sinistro em seu ouvido troveja;
Espectros ameaçadores o escoltam o rodeiam;
E sua voz que formula uma terrível confissão,
Se exclama com terror Graça, graça, ó meu Deus!
Sim, o remorso, carrasco de todo ser que pensa,
Nos revela com Deus nossa imortal essência;
E frequentemente a virtude, de um nobre arrependimento
transforma um vil culpado em glorioso mártir;
Os brutos separam a humana criatura,
O remorso é a chama onde nossa alma se depura;
E pelo seu aguilhão o ser regenera,
Na escala do bem avança um degrau.
Sim, a verdade brilha, e do soberbo ateu
Por seus raios vingadores, a audácia é refutada.
O panteísmo vem expor por sua vez
De seu louco argumento o capcioso desvio:
“Ó mortais fascinados por seu sonho risível,
Onde o encontrareis, esse Grande Ser invisível?
Ele está diante de vossos olhos, esse eterno Grande Todo;
Tudo forma sua essência, nele tudo se resolve;
Deus brilha no sol, enverdece na folhagem,
Ruge no vulcão e troveja na tormenta,
Floresce em nossos jardins, murmura nas águas.
Suspira flacidamente pela voz dos pássaros,
E colore os ares os tecidos diáfanos;
É ele quem nos anima e quem move nossos órgãos;
É ele quem pensa em nós; todos os seres diversos
São ele mesmo; em uma palavra, esse Deus, é o Universo.”
O quê! Deus se manifesta a si mesmo contrário!
Ele é a ovelha e lobo, rola e víbora!
Ele se torna alternativamente pedra, planta, animal;
Sua natureza combina o bem e o mal,
Percorre todos os graus do bruto ao arcanjo!
Eterna antítese, ele é luz e lama!
Ele é valente e frouxo, ele é pequeno e grande,
Verídico e mentiroso, imortal e agonizante!…
Ele é ao mesmo tempo opressor e vítima,
Cultiva a virtude e se enrola no crime;
Ele é, ao mesmo tempo, Lametrie e Platão.
Sócrates e Melitus, Marco Aurélio e Nero;
Servidor da glória e da ignomínia!

*

Então, do soberano que tua audácia nega
Sentes passar sobre ti a força infinita;
E ele te acossa, te sitia, e, malgrado teus esforços,
Se revela ao teu coração pelo grito do remorso!…
Evitando os humanos, cansado de inquietação,
Procuras das florestas a negra solidão;
E crês, percorrendo seus selvagens desvios,
Escapar a esse Deus que te persegue sempre!
Sobre sua presa em farrapos o tigre feliz dormita
O homem, coberto de sangue, nas trevas vela;
Seu olhar está ofuscado por um horrível clarão;
Seu corpo treme inundado de um frio suor;
Um ruído surdo e sinistro em seu ouvido troveja;
Espectros ameaçadores o escoltam o rodeiam;
E sua voz que formula uma terrível confissão,
Se exclama com terror Graça, graça, ó meu Deus!
Sim, o remorso, carrasco de todo ser que pensa,
Nos revela com Deus nossa imortal essência;
E frequentemente a virtude, de um nobre arrependimento
transforma um vil culpado em glorioso mártir;
Os brutos separam a humana criatura,
O remorso é a chama onde nossa alma se depura;
E pelo seu aguilhão o ser regenera,
Na escala do bem avança um degrau.
Sim, a verdade brilha, e do soberbo ateu
Por seus raios vingadores, a audácia é refutada.
O panteísmo vem expor por sua vez
De seu louco argumento o capcioso desvio:
“Ó mortais fascinados por seu sonho risível,
Onde o encontrareis, esse Grande Ser invisível?
Ele está diante de vossos olhos, esse eterno Grande Todo;
Tudo forma sua essência, nele tudo se resolve;
Deus brilha no sol, enverdece na folhagem,
Ruge no vulcão e troveja na tormenta,
Floresce em nossos jardins, murmura nas águas.
Suspira flacidamente pela voz dos pássaros,
E colore os ares os tecidos diáfanos;
É ele quem nos anima e quem move nossos órgãos;
É ele quem pensa em nós; todos os seres diversos
São ele mesmo; em uma palavra, esse Deus, é o Universo.”
O quê! Deus se manifesta a si mesmo contrário!
Ele é a ovelha e lobo, rola e víbora!
Ele se torna alternativamente pedra, planta, animal;
Sua natureza combina o bem e o mal,
Percorre todos os graus do bruto ao arcanjo!
Eterna antítese, ele é luz e lama!
Ele é valente e frouxo, ele é pequeno e grande,
Verídico e mentiroso, imortal e agonizante!…
Ele é ao mesmo tempo opressor e vítima,
Cultiva a virtude e se enrola no crime;
Ele é, ao mesmo tempo, Lametrie e Platão.
Sócrates e Melitus, Marco Aurélio e Nero;
Servidor da glória e da ignomínia!

Ele mesmo, alternativamente, se afirma e se nega!
Contra a sua própria essência ele afia o ferro,
Evoca o nada; e por cúmulo do ultraje,
Sua voz escarnece e amaldiçoa sua magnífica obra!…
Oh não, mil vezes não, esse dogma monstruoso
Jamais pôde germinar num coração virtuoso.
Mergulhado em seus remorsos onde o crime se expia,
O temerário autor da doutrina ímpia,
No seiotlos prazeres, se sente apavorado
Pela imagem de um Deus que não podia negar;
E para disso se isentar, blasfêmia da blasfêmia!…
Ele o uniu a este mundo, ele o uniu a si mesmo.
O ateu pelo menos, comprimido com semelhante embaraço,
Ousando negar seu Deus, não o degrada.
*
Deus, que a raça humana procurou sem cessar,
Deus, que quer ser adorado e não ser conhecido,
É dos seres diversos o princípio e o fim:
Mas, para subir até ele, qual é, “pois, o caminho
Não é a Ciência, efêmera miragem
Que fascina nossos olhos com sua brilhante imagem,
E que, enganando sempre um poderoso desejo,
Desaparece sob a mão que pensa agarrá-lo.
Sábios, amontoais escombros sobre escombros
E vossos sistemas vãos passam como as sombras!
Este Deus; que sem perecer nenhum ser pode ver,
Cuja essência encerra um terrível poder,
Mas que para seus filhos nutre um amor temo,
A menos de igualá-lo, tu não podes compreendê-lo!
Ah! Para se unir a ele, para reencontrá-lo um dia,
A alma deve tomar emprestadas as asas do Amor.
Lancemos ao vento o orgulho e as cinzas da dúvida;
O próprio Deus aos crentes plainará o caminho:
Seu amor infinito jamais se afastou,
A alma que o procura com sinceridade,
E que esmigalhando nos pés riqueza e gozo,
Aspira confundir-se com a sua pura essência,
Mas este Deus, que quer bem ao coração humilde e piedoso,
Que bane de seu seio o déspota orgulhoso,
Que se revela ao sábio, que se abandona ao prudente,
Como um amante ciumento não sofre nenhuma partilha.
E, para contentá-lo, é preciso aos prestígios mundanos
Opor constantemente inflexíveis desdéns,
Felizes, pois, seus filhos que, na solitude,
Do bom, do verdadeiro, do belo, fazem seu único estudo!
Feliz, portanto, o homem absorvido inteiramente
No triplo clarão desse divino foco!
No meio das tristezas, cujo cortejo sobeja
No círculo limitado de nosso pobre mundo,
Semelhante ao oásis que floresce no deserto,
O tesouro da Fé para a sua alma está aberto;
E Deus, sem mostrar-se, no seu coração se insinua,

*

E lhe verte uma alegria ao vulgo desconhecida.
Então, com seu destino o sábio está satisfeito;
Com uma calma inalterável guarda o benefício;
De um véu constelado quando a noite o cerca,
Na sua cama pacífica ele adormece, e saboreia,
Nos sonhos brilhantes com os quais se embriaga seu coração,
Um celeste antegozo da suprema felicidade.
Tua alma que na verdade a ardente sede altera,
Da Criação quer sondar o mistério?…
Como um pintor primeiro concebeu no seu cérebro
A obra-prima encantadora que produz seu pincel,
O Eterno tira tudo de sua própria natureza,
Mas não se confunde com a sua criatura
Que, da inteligência tendo recebido o fogo,
Está livre de falir ou de subir até Deus.
Obra de seu Pensamento, obra de sua palavra,
Cada criação de seu seio parte… e voa,
Num círculo traçado por inflexíveis leis,
Cumprir o destino do qual fez a escolha
Como o artista, Deus pensa antes de produzir.
Como ele, o que criou, poderia destruí-lo;
Ora, fonte inesgotável de seres indiferentes
E de globos semeados no imenso Universo,
Deus, a Força sem freio, de sua Vida eterna:
Às suas criações transmite uma centelha.
O livro ou o quadro pelo artista inventado,
Produto inerte, jaz na imobilidade,
Mas o Verbo jorra de sua Onipotência,
Dele se destaca e se move em sua própria existência,
Sem cessar ele se transforma e jamais perece;
Do inerte metal se elevando ao Espírito,
O Verbo criador na planta dormita,
Sonha no animal, e no homem desperta;
De grau em grau, descendo e subindo,
Da Criação o conjunto radioso,
Sobre as ondas do éter forma uma cadeia imensa
Que o arcanjo termina, que a pedra começa.
Obedecendo às leis que regem seu meio,
Cada elemento se aproxima ou se afasta de Deus;
Seja que ao bem se devote ou que ao mal ele sucumba.
Cada ser inteligente, por sua vontade, sobe ou cai.
Ora, se o homem, habitando a atmosfera do mal,
Se rebaixa pelo crime ao nível do animal,
Em anjo de homem puro se transforma, – e esse anjo
De grau em grau pode tornar-se arcanjo,
No seu trono brilhante esse arcanjo elevado,
Está livre para guardar sua personalidade.
Ou de se fundir no seio da Onipotência
Que se pode assimilar uma perfeita essência.
Assim, mais de um arcanjo, na celeste morada,
Com Deus está reunido por um excesso de amor;

*

Mas outros, invejando sua glória soberana,
Fascinados pelo orgulho, esse pai do ódio,
Quiseram do Mais Alto discutir os decretos;
E mergulharem na noite que esconde seus segredos:
Esse Deus, cujo olhar os teria colocado em pó,
Ensombra-lhes as lajes de seu ardente raio.
Depois, desfigurados, no Universo errante,
Seguidos pelos assaltos de remorsos devorantes,
Esses anjos que perdem sua audácia funesta,
Não ousam mais se mostrar no adro celeste;
Na vergonha, afiando seu aguilhão amado,
Entregam seu coração rebelde às tormentas do inferno,
Ao passo que o homem puro, cuja prova termina,
De triunfo em triunfo ao paraíso se eleva.
Todos esses mundos diferentes no Universo semeados,
Que ferem teus olhares com suas flechas inflamadas,
Que rola do éter o vago universal,
Assim como os Espíritos, estão agrupados em escalas.
Globos variados esses luminosos feixes
São vastas moradas, celestes naves
Onde vagam no espaço, a enormes distâncias,
Espíritos graduados em imensas coortes.
Há mundos puros e mundos horríveis:
Sem entraves reinam nos globos felizes,
Três princípios divinos, honra, amor, justiça.
Da ordem social cimentam o edifício;
E, sem cessar, queridos de todos seus habitantes,
De sua felicidade são as provas constantes.
De outros globos, entregues a insolentes vertigens,
Anjos condenados seguiram os vestígios:
Esses mundos, artesãos de sua própria infelicidade,
À lei de Deus substituíram pela sua;
E, no seu solo, onde ribomba uma horrível tormenta,
De seus hóspedes impuros a multidão se lamenta.
Nosso globo noviço, em seus passos incertos,
Flutua até nossos dias entre esses dois destinos.
Ultrajando a moral, ultrajando a natureza,
Quando um globo do crime preencheu a medida;
Que seus hóspedes, mergulhados em seus prazeres barulhentos,
Fecharam seus ouvidos aos discursos dos videntes;
Que do verbo divino o mais ligeiro traço,
Nesse mundo enceguecido se dissipa e se apaga
Então do Onipotente a cólera desencadeia
Desce sobre o rebelde a perecer condenado:
Os arcanjos vingadores com suas asas poderosas
Batem a terra ímpia… e seus mares saltitantes,
Com imensa altura ultrapassam os seus níveis,
No seu solo limpo precipitam suas águas;
Vulcões subterrâneos a chama brilhante, ribombante,
Dispersa no éter os restos deste mundo;
E o Ser Soberano, cuja vingança luziu,
Rompe esse globo impuro que nele não mais crê!

*

Nossa Terra medíocre é uma estação de prova,
Onde o justo sofredor, de suas lágrimas se sacia,
Lágrimas que, por degraus purificam seu coração,
Preparam seu caminho para um mundo melhor.
E não é em vão quando o sono nos mergulha
Nos risonhos transportes da embriaguez de um sonho,
Que por um rápido impulso somos transportados
Num astro novo radiante de claridades;
Que nos cremos errar por vastos bosques
Sem cessar percorridos por um povo de sábios;
Que vemos esse globo iluminado por sóis
Irradiando alternadamente brancos, azuis e vermelhos,
Que, cruzando nos ares suas tintas combinadas,
Colorem esses belos campos com luzes variadas!…
Se teu coração neste mundo se mantém virtuoso,
Tu os atravessarás, esses globos luxuosos
Que a paz alegra, que habita a sabedoria,
Onde reina da felicidade a eterna liberalidade.
Sim, tua alma as vê, essas radiosas moradas
Que os favores do céu embelezam sempre,
Onde o Espírito, se depurando, sobe de grau em grau,
Quando o perverso segue um caminho retrógrado,
E do reino do mal percorrendo os elos,
Desce de círculo em círculo aos abismos infernais.
Espelho onde o Universo reflete a sua imagem,
Esses destinos diferentes nossa alma os pressagia.
A alma, essa viva força que domina os sentidos,
Aos seus menores desejos súbito obediente, –
Que, como um fogo cativo num vaso de argila,
Consome em seus transportes sua veste frágil; –
A alma, que do passado guarda a lembrança
E sabe ler por vezes no obscuro futuro,
Não tem do fogo vital a efêmera centelha
Tu mesmo tu o sentes, tua alma é imortal.
Nos campos do espaço e da eternidade,
Conservando sua permanência e sua identidade,
Não, a alma não morre, mas muda o seu domínio,
E de asilo em asilo sempre passeia Nossa alma,
se isolando do mundo exterior,
Por vezes pode conquistar um sentido superior;
E, no arrebatamento do sono magnético,
Se armar de um novo olho ou do dom profético:
Libertada um instante dos terrestres laços,
Sem obstáculo percorre os campos aéreos;
E, com um ágil pulo, no infinito lançada,
Vê através dos corpos e lê no pensamento.

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