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A força do exemplo

Autor: Rogério Miguez

Difundida no meio espírita, encontra-se a seguinte orientação: a maior caridade que se pode fazer pela Doutrina é a sua própria divulgação. Esta expressão, exatamente como está escrita, além de algumas variantes, pois cada qual a registra de modo particular, inspira-se em ensino do Espírito Emmanuel a que nos referiremos adiante. Normalmente, a máxima é citada para enfatizar a divulgação espírita, visando a sua melhor propagação, pelos meios escritos, televisivos, e pelas variadas mídias existentes.

Poder-se-ia perguntar qual seria a razão de se questionar a propriedade desta norma? Afinal, divulgar não é útil e bom? Afirma-se ser a propaganda a alma do negócio, e quando se faz divulgação, faz-se propaganda, não há sombra de dúvida.

Todavia, há duas pertinentes questões envolvidas aqui em exame: a primeira se prende à despreocupação e tendência de muitos em não serem fiéis aos escritos alheios, uma vez que, agindo assim, podem facilmente modificar sobremaneira a ideia original do autor, como é o caso da expressão que aqui focalizamos. É semelhante aquele antigo ditado: “Quem conta um conto, sempre aumenta um ponto”; e neste particular poderíamos dizer “sempre modifica um ponto”; a segunda é saber se realmente a maior caridade que podemos fazer pela Doutrina é a sua divulgação pelos meios citados, entre outros; é informação capital, porque, se for assim, devemos sempre concentrar todos os nossos esforços nesta direção; se porém não for, precisamos redirecionar a nossa atenção para o foco real, sem esquecer também da valiosíssima e tradicional divulgação.

Em relação à primeira questão, é preocupante a conduta de alguns em alterar, acrescentar ou suprimir, palavras e sentenças contidas em um texto espírita. Muitas passagens nos Evangelhos foram afetadas por esta prática, fato previsto por Jesus, levando-o à promessa de nos enviar outro Consolador. Seus ensinos, sabia-o Ele, seriam esquecidos e deturpados, pois o Espírito, ainda em evolução, divisando um ponto de vista que não consegue bem compreender ou aceitar, ao transcrevê-lo ou divulgá-lo, altera-o, consciente ou inconscientemente, de modo a ajustar a ideia às suas limitações de entendimento, adaptando as ideias alheias aos seus próprios princípios e experiências.

Devemos ser fiéis aos conceitos de outrem, independentemente se os aceitamos ou não em nosso íntimo. É regra, dentro da área de comunicação, jamais modificar o texto de um autor ao citá-lo, exceto se houver menção à modificação, fazendo as ressalvas necessárias. Se desejarmos divulgar opiniões outras, quando positivas, prática muito salutar, é imperioso sermos fiéis ao original.

Considerando a segunda questão em análise, cremos ser o desconhecimento a causa maior, justificando a posição dos disseminadores da máxima em avaliação.

Do que conhecemos, há no livro Estude e viva,1 escrito com ditados alternados dos Espíritos Emmanuel e André Luiz, uma mensagem intitulada Socorro oportuno, da autoria de Emmanuel em que se encontra a forma original da tão propalada frase. Analisando, contudo, o seu conteúdo, conclui-se não ser exatamente esta a proposta de Emmanuel, conforme segue:

Lembra-te deles, os quase loucos de sofrimento, e trabalha para que a Doutrina Espírita lhes estenda socorro oportuno. Para isso, estudemos Allan Kardec, ao clarão da mensagem de Jesus Cristo, e, seja no exemplo ou na atitude, na ação ou na palavra, recordemos que o Espiritismo nos solicita uma espécie permanente de caridade – a caridade da sua própria divulgação. (Destaques nossos.)

Observa-se no texto menção a: exemplo, atitude e ação, que são condutas claramente voltadas ao nosso dia a dia de espíritas. A última orientação de Emmanuel, que se refere à palavra, até poderia ser interpretada por dita ou escrita, mas, mesmo assim, nada sugere ser a palavra escrita, entre as quatro propostas citadas, a representante da maior caridade a se fazer pelo Espiritismo.

Além disso, Emmanuel não elencou prioridades, simplesmente disse “caridade permanente”. Esta ligeira reflexão feita sobre o parágrafo não poderia apontar para outra direção, caso contrário, Emmanuel estaria em contradição com Allan Kardec.

Plenamente cônscio desta realidade, o mestre de Lyon, desencarnado em 31 de março de 1869, comparece em Espírito na sessão de 30 de abril de 1869, na Sociedade de Paris, apenas um mês após a sua desencarnação, e, em uma comunicação, registra esta sábia recomendação sob o título: O exemplo é o mais poderoso agente de propagação, entre tantas outras emitidas durante sua frutífera vida. Esta lúcida posição do Prof. Rivail consta da última edição da Revista Espírita,2 de onde destacamos apenas um trecho bem objetivo, de interesse, para o caso em exame:

Venho esta noite, meus amigos, falar-vos por alguns instantes. […] Tenho ainda alguns conselhos a vos dar quanto à marcha que deveis seguir perante o público, com o objetivo de fazer progredir a obra a que devotei a minha vida corporal, e cujo aperfeiçoamento acompanho na erraticidade.

O que vos recomendo, principalmente e antes de tudo, é a tolerância, a afeição, a simpatia de uns para com os outros e também para com os incrédulos. […]

As brochuras, os jornais, os livros, as publicações de toda sorte são meios poderosos de introduzir a luz por toda parte, mas o mais seguro, o mais íntimo e o mais acessível a todos é o exemplo na caridade, a doçura e o amor. (Destaques nossos.)

Vale a pena o registro quando, mais à frente, nesta mesma mensagem, Allan Kardec, destaca a importância da fidelidade:

Que o mais perfeito acordo, a maior simpatia e a mais singular abnegação reinem no seio da Comissão. Espero que ela saiba cumprir com honra, fidelidade e consciência o mandato que lhe é confiado. (Destaques nossos.)

Cremos ser o texto claro o suficiente, sem dar margem a outras interpretações, atestando a preocupação de Allan Kardec ao recomendar ser o exemplo o mais seguro, íntimo, acessível e poderoso (este último está no título da mensagem) agente de divulgação da Doutrina, exemplo este intimamente direcionado à conduta caridosa, entre todos, sejam ou não espíritas.

Nada há a estranhar, considerando também o primeiro livro escrito por Allan Kardec, O livro dos espíritos,3 quando, ao tratar do tema A Prece, registrou:

Poderemos utilmente pedir a Deus que perdoe as nossas faltas?

Deus sabe discernir o bem do mal; a prece não esconde as faltas. Aquele que a Deus pede perdão de suas faltas só o obtém mudando de proceder. As boas ações são a melhor prece, por isso que os atos valem mais que as palavras.” (Destaques nossos.)

O senso comum confirma serem os atos mais valiosos do que mil palavras e poderíamos por extensão, dizer também valer mais do que mil textos, imaginando a palavra dita e a escrita. Assim o diz igualmente a máxima popular: “A palavra convence, o exemplo arrasta”.

Não há nesta análise, nenhuma oposição à boa prática da divulgação doutrinária, por qualquer meio lícito e mídia possível. Tal conduta, importante, nobre, meritória e permanente, conforme recomenda Emmanuel, sempre será bem-vinda e louvada.

Entretanto, dada a inquestionável força do exemplo, cremos deveria o mesmo receber a máxima atenção dos espíritas: na família; na atividade profissional; na seara religiosa e na sociedade, o que representa, isto sim, a maior caridade a ser feita pela Doutrina.

Agindo assim, nos faremos (re)conhecidos dentro do organismo social por muito nos amarmos; seremos identificados na coletividade como praticantes da verdade, da honestidade, da honradez,  da lisura no falar e, principalmente, no agir, ou seja, fiéis cumpridores da lei de justiça, de amor e de caridade. Dessa forma nos tornaremos divulgadores vivos da Doutrina onde estivermos, verdadeiros propagandistas dos princípios do Espiritismo, atraindo todos os desejosos dos bons exemplos; dos homens íntegros; dos seguidores e praticantes da ética e da moralidade, tão escassos em nossa sociedade moderna. Em poucas palavras: dos homens de bem.

1 XAVIER, Francisco C.; VEIRA, Waldo. Estude e Viva. Pelos Espíritos Emmanuel e André Luiz. 12. ed. Rio de Janeiro: FEB Editora, 2006. cap. 40.

2 KARDEC, Allan. Revista espírita: jornal de estudos psicológicos. ano 12, n. 6, jun. 1869. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 3. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2009. Dissertações Espíritas, p. 257.

3 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Guillon Ribeiro. 93. ed. 1. imp. (Edição Histórica.) Brasília: FEB, 2013. q. 661.

Juventude Espírita 27/01/2019

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