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A segunda morte: Considerações iniciais

Autor: Paulo Hayashi Jr.

O planeta Terra, segundo as indicações dos Espíritos superiores, representa um lugar de baixo desenvolvimento físico e moral. Há lugares melhores, tal como Júpiter, mas também sítios inferiores como Marte[1]. Assim, estaríamos em um educandário de espíritos jovens que ainda não detém conhecimento superior e necessita, segundo as situações, de vivências e experimentações para avançar no processo de despertar e internalização da aprendizagem espiritual. Neste ponto, é essencial que se tenha os instrumentos adequados e, portanto, surgem dois elementos fundamentais para o espírito: o corpo físico material e o perispírito.

O corpo material é a vestimenta carnal que permite ao espírito estar “enterrado” na Terra, já que é o plano espiritual o primário. Estar encarnado representa oportunidade de progresso ao ser, ainda que ela possa passar por experiências em outros orbes também[2]. Através das encarnações na Terra, há o ensaio do desenvolvimento da inteligência, bem como do treinamento das emanações mentais para que se possa, em um futuro promissor, irradiar para diferentes lugares ou mundos. O corpo físico representa uma bênção já que é através dessa couraça de carnal que permite ao indivíduo polir com mais destrezas suas habilidades, ou até mesmo se defender dos inimigos de outrora. Todavia, é essencial que o ser saiba colocar o corpo físico sob suas ordens e diretrizes, ao invés do contrário. Na tradição oriental diz que o ser é o cavaleiro e que o corpo material, o cavalo. Deixar que o cavalo guie o cavaleiro é sinal de desastre iminente. É a influência da matéria que descamba para paixões menos nobres. Por outro lado, quando o cavalo está a serviço do cavaleiro, há o avanço do ser de modo produtivo e com os objetivos corretos. Mas, em algum momento ambos se separam.

Morrer ou desencarnar-se faz parte do ciclo de idas e vindas entre os planos espirituais e materiais. Estar na “esfera do recomeço” é parte da jornada do ser rumo ao seu aprimoramento infinito, em destaque com a identificação do ser com o Criador. Neste ponto, o encarnado não vem apenas com a vestimenta da carne. O espírito é sempre acompanhado do perispírito como instrumento complementar, “para poder elevar-se na atmosfera e transportar-se para onde queira[3]”.

O perispírito é um envoltório semimaterial, também chamado de corpo etéreo. Trata-se de um corpo vaporoso, provindo do fluido universal e que está adaptado, ou condicionado, ao mundo onde habita o espírito. Ou seja, é útil enquanto o ser estiver em aprendizagem na Terra, seja quando encarnado, seja desencarnado. Quando ocorre esta segunda situação, há a separação do perispírito com a carne e com perdas até mesmo para o primeiro com a perda de seu corpo vital. Esse, também chamado de ‘duplo etérico’ representa a parte mais periférica do perispírito e é “formado por emanações neuropsíquicas que pertencem ao campo fisiológico e que, por isso mesmo, não conseguem maior afastamento da organização terrestre, destinando-se à desintegração, tanto quanto ocorre ao instrumento carnal, por ocasião da morte renovadora[4]”. Já as partes sobreviventes do perispírito, corpo vital e astral, auxiliam na manutenção dos registros de débitos e créditos do indivíduo frente às grandezas da eternidade e do infinito[5]. Ou seja, serve para a manutenção do equilíbrio dinâmico do progresso, resgate e deveres assumidos e cumpridos dentro da linha histórica pessoal. O que se antecipa que, conforme o espírito avança sobre seus deveres e equilibra os débitos dentro da balança do destino, o próprio perispírito se sublima. Deste modo, o modo de conduta em vida vai também influenciar no próprio processo de desencarne e de sobrevivência do espírito e sua condição perispiritual. Com isso, o desligamento do perispírito ao corpo físico material, com o processo de desencarne, não é instantâneo ou igual para todos. Como se lê em O Livro dos Espíritos: “A observação prova que, no instante da morte, o desligamento do perispírito não se completa subitamente; ele não opera senão gradualmente e com uma lentidão que varia muito segundo os indivíduos[6]”.

Ou seja, conforme o tipo de vida, mais ou menos ligado ao material e ao sensual, o indivíduo terá a separação facilitada ou não. Em casos penosos, pode o espírito ficar preso à própria decomposição do corpo físico. É a vivência do livre-arbítrio e da colheita dos resultados das escolhas que se fez em vida. Assim, a recomendação de Paulo de Tarso: “Tudo me é lícito, mas nem tudo me convém” (1Cor 6:12). Ou de modo complementar pelo instrutor espiritual Gúbio[7]: “somos o que somos. Depois do sepulcro, não encontramos senão o paraíso ou o inferno criado por nós mesmos”.

Ou seja, somos como o bicho da seda que acaba envolvido com o fio que expeliu. Com isso, as criações mentais, as atitudes mentais devem ser geridas com cuidado. De acordo com Gúbio: “Nosso organismo perispiritual, fruto sublime da evolução, quanto ocorre ao corpo físico na esfera da Crosta, pode ser comparado aos polos de um aparelho magnético-elétrico[8]”. Assim, o perispírito é uma ferramenta de consolidação da vontade e do pensamento, cabendo então responsabilidade no uso de tão precioso instrumento. O perispírito é moldado conforme a vontade do indivíduo de modo sutil e com flexibilidade e capacidade de expansão e de retração, podendo se transformar naquilo que o espírito quer. 

Em outras palavras, o perispírito pode representar ferramenta versátil para que o indivíduo treine sua vontade e pensamento, energia e conhecimento de modo a ser útil para uma realidade maior. Por outro lado, quando abusamos demais dele e das experiências encarnadas podemos danificar o próprio fluido condensado ou perispírito. O que parece legitimar a observação do evangelista Lucas (16:10): “Quem é fiel no pouco, também é fiel no muito, e quem é desonesto no pouco, também é desonesto no muito”.

Em sentido semelhante encontra-se a seguinte observação de O Livro dos Médiuns: “no conhecimento do perispírito está a chave de inúmeros problemas até hoje insolúveis[9]”. Portanto, o perispírito é elemento essencial para que o espírito consiga trilhar suas obrigações, deveres, resgates e missões, tal como veste sutil que reflete e é refletido a condição moral e de avanços do espírito. No caso específico de comunicação no intercâmbio entre dois perispíritos, a questão da afinidade parece ser fundamental[10]. O que pode facilitar ou não as trocas de comunicação, por exemplo, entre encarnado e desencarnado, por exemplo.

Retomando a possibilidade de perder ou danificar o perispírito há o fenômeno conhecido como segunda morte, ou seja, quando o indivíduo não mais precisa do mesmo devido ao avanço ou quando perdeu devido ao abuso do livre arbítrio e contraiu dívidas de grande vulto. No primeiro caso, pode-se dizer que o perispírito foi gradualmente diminuindo a ponto de não mais o espírito precisar dele. É o caso dos espíritos puros que representam entidades de primeira ordem[11]. Espíritos puros são aqueles que não sofrem influência da matéria e possuem tanto conhecimento quanto desenvolvimento moral de forma plena. “Não estando mais sujeitos à reencarnação em corpos perecíveis, é para eles a vida eterna, que desfrutam do seio de Deus[12]”.

Na tradição védica, há o conceito de samsara e que representa o ciclo de renascimento e morte que o indivíduo precisa realizar para alcançar a perfeição. Assim, os espíritos puros e a não necessidade do perispírito e da reencarnação representam a libertação desta roda e por isso, como expressa O Livro dos Espíritos, os espíritos nesta condição “gozam de inalterável felicidade[13]”.

A escala espírita representa o grau de maturidade do espírito, seja em termos de desenvolvimento moral, conhecimentos superiores, tendência ao bem, influência da matéria e trabalhos santificantes. Em outras palavras, a perda salutar do perispírito não é uma tarefa que acontece do dia para a noite, mas exige comprometimento e disciplina, conhecimento e companheirismo ao longo de vários períodos.

Por outro lado, para aqueles que se comprometem de profundo no mal pode haver também a perda do corpo fluídico e, neste caso, há a limitação do ser por si mesmo. É o caso dos ovoides que são seres humanos que perdem a forma original e ficam limitados, tal como pequenas esferas, “maiores que um crânio humano[14]”. Neste caso, a segunda morte é temporária, pois como bem indica a doutrina Espírita, não há retrocessos. Algum dia haverá a reencarnação na esfera do recomeço e mais outra vez será dada a oportunidade para a regeneração e o pagamento das dívidas. Nenhum filho será esquecido pelo Pai.

Portanto, a segunda morte (a perda do perispírito) pode representar tanto uma bênção, quanto um certo infortúnio ao ser. É a recompensa ou punição de modo extremado. Para ilustrar ambas as situações, observe a narrativa do instrutor espiritual Gúbio[15]:

“Viste companheiros – prosseguiu o orientador – que se desfizeram dele [do perispírito], rumo a esferas sublimes, cuja grandeza por enquanto não nos é dado sondar, e observaste irmãos que se submeteram a operações redutivas e desintegradoras dos elementos perispiríticos para renascerem na carne terrestre. Os primeiros são servidores enobrecidos e gloriosos, no dever bem cumprido, enquanto que os segundos são colegas nossos, que já merecem a reencarnação trabalhada por valores intercessores, mas, tanto quanto ocorre aos companheiros respeitáveis desses dois tipos, os ignorantes e os maus, os transviados e os criminosos também perdem, um dia, a forma perispiritual. 

“Pela densidade da mente, saturada de impulsos inferiores, não conseguem elevar-se e gravitam em derredor das paixões absorventes que por muitos anos elegeram em centro de interesses fundamentais. Grande número, nessas circunstâncias, mormente os participantes de condenáveis delitos, imantam-se aos que se lhes associaram nos crimes. Se o discípulo de Jesus se mantém ligado a Ele, através de imponderáveis fios de amor, inspiração e reconhecimento, os pupilos do ódio e da perversidade se demoram unidos, sob a orientação das inteligências que os entrelaçam na rede do mal. Enriquecer a mente de conhecimentos novos, aperfeiçoar-lhe as faculdades de expressão, purificá-la nas correntes iluminativas do bem e engrandecê-la com a incorporação definitiva de princípios nobres é desenvolver nosso corpo glorioso, na expressão do apóstolo Paulo, estruturando-o em matéria sublimada e divina.”

Deste modo, o perispírito é instrumento valioso, útil e sutil. Não pode ser abusado no uso negativo. Todavia, pode-se dizer que perdê-lo para acender para moradas mais elevadas pode significar destinação final de todos. Um dia não mais precisaremos desta ferramenta, pois já teremos nos aprimorado a ponto de conseguir suprir com as nossas aptidões, conhecimento, amor e luzes próprias. Assim como a criança aprende a andar com os dois pés sem precisar mais engatinhar, o ser humano, um dia, conseguirá ascender aos céus superiores, despregado da matéria e com a sutileza que não mais precisará do perispírito, pois a afinidade com Deus e com o amor e a inteligência universal serão tamanha que não mais terá diferença. O retorno ao paraíso só depende de nós.

Portanto, agradecemos as provas e honramos os recursos disponíveis para que o progresso venha de modo justo e inquestionável. Honremos em especial, nossos corpos como legítimos auxiliares que nos querem bem e se sacrificam por nossa causa. Um dia perderemos tanto o corpo físico quanto o etéreo, mas que o espírito fique livre para auxiliar do mais alto os que ainda buscam a paz e o amor de Deus. O universo como o jardim de luz da Criação. [16]

Referências

[1] Ver nota de rodapé – pergunta 188 – O Livro dos Espíritos.

[2] Ver seção “Encarnação nos diferentes mundos” – O Livro dos Espíritos.

[3] Resposta à pergunta 93 – O Livro dos Espíritos.

[4] André Luiz. Nos domínios da mediunidade. Cap. 11.

[5] Marlene Nobre. Seminário: “Perispírito, suas propriedades e funções” 1ª parte. Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=AgD_08w–UA&t=11s

[6] Resposta à pergunta 155 – O Livro dos Espíritos

[7] André Luiz. Libertação. Brasília: FEB, 2008, p. 199.

[8] André Luiz. Libertação. Brasília: FEB, 2008, p. 35.

[9] O Livro dos Médiuns. Cap.1, item 54.

[10] O Livro dos Médiuns, Cap. 9, item 225.

[11] Ver – O Livro dos Espíritos, Cap.1, Escala Espírita.

[12] O Livro dos Espíritos, Cap.1, item 113.

[13] O Livro dos Espíritos, Cap.1, item 113.

[14] André Luiz. Libertação. Brasília: FEB, 2008, p.

[15] André Luiz. Libertação. Brasília: FEB, 2008, p. 105-6.

[16] Em homenagem aos meus queridos genitores, Paulo Hayashi e Ioko Ikefuti Hayashi, que já se encontram na Pátria Espiritual.

O consolador – Especial.

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