Autor: Fernando Hora
A tarefa de amparo fraternal é uma das mais complexas no âmbito da instituição espírita. É admirável a prudência e a medida com que os irmãos encarregados dessa seara desenvolvem o amparo aos aflitos.
O Livro de Jó, um dos mais instigantes do Antigo Testamento, possui um aspecto bastante pertinente a esse assunto. Seu protagonista, apesar de rico e poderoso, é também pessoa justa, virtuosa e dotada de profunda fé. Segundo o relato, tendo o “diabo” levantado suspeitas sobre a autenticidade dessa fé — que seria apenas fruto dos benefícios conferidos por Deus — o Senhor permite que aquele o faça passar por duras provas, levando-o a perder abruptamente seus bens, seus filhos e sua saúde.
A partir desse ponto, o drama principal passa a se desenvolver em torno das reações humanas às desgraças sofridas por um homem notadamente íntegro e “temente a Deus”. Nesse contexto, amigos vindos de longe para reconfortá-lo surpreendem-se com as dúvidas de Jó em relação à razão de tão pesado infortúnio, já que ele seguia todos os mandamentos da Lei.
O discurso dos amigos desenvolve-se na tentativa de convencer Jó de que, em algum momento, ele errou ou haveria de errar, já que Deus, sendo justo, não aplicaria duras penas a um inocente, segundo a lógica dos seus sistemas idealizados.
Indo adiante nas Escrituras, vemos Jesus, séculos após, também condenando linhas de discurso como a dos amigos de Jó. Diante de tragédias e doenças, substitui o julgamento pelo auxílio. Toca o leproso, acolhe os excluídos, convive com os considerados moralmente impuros e impede a condenação da mulher adúltera com a célebre advertência: “Quem estiver sem pecado, atire a primeira pedra” (Jo 8:7).
Interessante a passagem em que comenta a morte de galileus assassinados por Pilatos e a queda da torre de Siloé, afirmando que não eram mais pecadores do que os demais (Lc 13:1–5). Também no episódio do cego de nascença, à pergunta dos discípulos “Quem pecou, este ou seus pais?”, que ecoa diretamente o raciocínio dos amigos de Jó, o Mestre responde: “Nem ele pecou, nem seus pais” (Jo 9:3). Antes de qualquer explicação adicional, Ele desmonta a premissa acusatória da própria pergunta.
A máxima “não julgueis, para não serdes julgados” (Mt 7:1) não constitui uma recomendação genérica de tolerância, mas uma ruptura consciente com a tradição de transformar o erro ou o sofrimento alheio em tribunal moral. Onde os amigos de Jó buscaram causas, Jesus oferece presença; onde imputaram culpa, Ele oferece misericórdia.
Sustentando a bandeira da caridade, o espírita de hoje também procura consolar o aflito com base nas suas certezas. Contudo, muitas vezes, determinadas generalizações levam-no a adotar a mesma postura dos amigos de Jó.
A Doutrina Espírita, corretamente compreendida, embora ofereça elementos para o entendimento das aflições humanas, não autoriza posturas como as dos amigos de Jó, já que ninguém tem acesso à trajetória espiritual do próximo. Atribuir causas reencarnatórias específicas ao sofrimento alheio constitui presunção grave, equivalente a falar em nome de Deus sem conhecimento, em evidente desvio do princípio da caridade, fora da qual não há salvação.




