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Conversas familiares de além-túmulo: Novidades da guerra

Revista Espírita, maio de 1859

O governo permitiu aos jornais, apolíticos darem notícias da guerra, mas como as relações são muitas sob todas as formas, seria ao menos inútil repeti-las aqui. O que talvez fosse mais novo para os nossos leitores é uma narração chegada do outro mundo; embora não seja tirada da fonte oficial do Moniteur, não deixa de oferecer interesse do ponto de vista dos nossos estudos. Pensamos, pois, interrogar algumas das gloriosas vítimas da vitória, presumindo que poderíamos encontrar nisso alguma instrução útil; tais objetos de observação e sobretudo da atualidade não se apresentam todos os dias.

Não conhecendo, pessoalmente, nenhum daqueles que tomaram parte na última batalha, pedimos aos Espíritos que consentem em nos assistir, se gostariam de nos enviar um deles; pensamos mesmo encontrar, num estranho, mais liberdade e facilidade do que se fora em presença de amigos ou de parentes, dominados pela emoção. Com a resposta afirmativa, tivemos as entrevistas seguintes.

O soldado Argelino de Magenta

Primeira entrevista – Sociedade, 10 de junho de 1859

1. Rogamos a Deus Todo-poderoso permitir ao Espírito de um dos militares mortos na batalha de Magenta comunicar-se conosco. – R. Que quereis saber?

2. Onde estáveis quando vos chamamos? – R. Não sei dizê-lo.

3. Quem vos preveniu que desejávamos conversar convosco? – R. Um que é mais esperto do que eu.

4. Em vossa vida duvidáveis que os mortos poderiam vir conversar com os vivos? – R. Oh! disso, não.

5. Que efeito isso produziu sobre vós ao vos encontrardes aqui? – R. Deu-me prazer; deveis, pelo que me dizem, fazer grandes coisas.

6. A qual corpo da armada pertencíeis? (Alguém disse em voz baixa: Pela sua linguagem deve ser um zuavo.) – R. Ah! Vós o dissestes.

7. Que grau tínheis? – R. O de todo mundo.

8. Como vos chamáveis? – R. Joseph Midard.

9. Como morrestes? – R. Gostaríeis de tudo saber e de nada pagar.

10. Vamos! Perdestes vossa alegria; dizei sempre, nós pagaremos depois. Como morrestes? – R. Por uma ameixa carregada.

11. Ereis contrário a ser morto? – R. Minha fé! Não; estou bem aqui.

12. No momento em que morrestes, imediatamente vos reconhecestes? – R. Não, estava tão atordoado que não o acreditava.

Nota. Isto está conforme tudo o que observamos nos casos de morte violenta; o Espírito, não se rendendo conta de sua situação, não crê imediatamente estar morto. Esse fenômeno se explica muito facilmente; ele é análogo ao do sonâmbulo que não crê dormir. Com efeito, para o sonâmbulo, a ideia do sono é sinônimo de suspensão das faculdades intelectuais; ora, como pensa, para ele não dorme; disso não se convence senão mais tarde, quando estiver familiarizado com o sentido ligado a essa palavra. Ocorre o mesmo com o Espírito surpreendido por uma morte súbita, quando nada havia preparado sua separação do corpo; para ele a morte é sinônimo de destruição, de aniquilamento; ora, como vê, sente-se, tem suas ideias, para ele não está morto; é necessário algum tempo para se reconhecer.

13. No momento que morrestes, a batalha não tinha terminado; seguistes suas peripécias? – R. Sim, uma vez que disse que não me acreditava estar morto; eu queria sempre ir de encontro aos outros cães.

14. Que sensação experimentastes nesse momento? – R. Estava encantado, achava-me muito leve.

15. Víeis os Espíritos de vossos companheiros deixarem seus corpos? – R. Não me ocupava disso, uma vez que eu não acreditava na morte.

16. Em que se tornava nesse momento essa multidão de Espíritos deixando a vida no tumulto da refrega? – R. Creio que faziam como eu.

17. Os Espíritos daqueles que se batiam com mais ardor, uns contra os outros, que pensavam encontrando-se juntos nesse mundo dos Espíritos? Estavam ainda animados uns contra os outros? -R. Sim, durante algum tempo e segundo o seu caráter.

18. Reconheceis-vos melhor agora? – R. Sem isso não me teriam enviado aqui.

19. Poderíeis dizer-nos se entre os Espíritos mortos há muito tempo, encontravam-se ali os que se interessavam pela sorte da batalha? (Pedimos a São Luís consentir ajudá-lo em suas respostas, a fim de que sejam tão explícitas quanto possível para a nossa instrução). – R. Em uma grande quantidade, porque é bom que sabeis que esses combates e suas consequências estão preparados de longa data, e que nossos adversários não estão enlameados de crimes, como o fizeram sem serem impelidos tendo em vista consequências futuras, que não tardareis a saber.

20. Deveria haver aí quem se interessasse pelo sucesso dos Austríacos; isso formava dois campos entre eles? – R. Evidentemente.

Nota. – Não nos parece ver aqui os deuses de Homero tomando partido uns pelos Gregos, e os outros pelos Troianos? Quem eram, com efeito os deuses do paganismo, senão Espíritos dos quais os Antigos fizeram divindades? Não tínhamos razão em dizer que o Espiritismo é uma luz que iluminará mais de um mistério, a chave de mais de um problema?

21. Eles exerciam uma influência qualquer sobre os combatentes? – R. Uma muito considerável.

22. Poderíeis descrever-nos a maneira pela qual exerciam essa influência? – R. Do mesmo modo que todas as outras influências produzidas pelos Espíritos sobre os homens.

23. Que pensais fazer agora? – R. Estudar mais do que o fiz durante a minha última etapa.

24. Ides retornar para assistir, como espectador, aos combates que ainda se travam? – R. Não sei ainda; tenho afeições que me retêm neste momento; entretanto, conto escapar um pouco, de tempo ao outro, para me divertir vendo as brigas subsequentes.

25. Qual gênero de afeições vos retêm? – R. Uma velha mãe enferma e sofredora, que me chora.

26. Peço perdão pelo mau pensamento que passou pelo meu espírito a respeito da afeição que vos retém. – R. Não o quero mais assim; disse-vos bobagens para vos fazer rir um pouco; é natural que não me tomeis por uma grande coisa, tendo em vista o honorável corpo ao qual pertenceis; mas tranquilizai-vos: eu não me empenhei senão por essa pobre mãe; mereço um pouco que me tenham mandado para junto de vós.

27. Quando estáveis entre os Espíritos, ouvíeis o ruído da batalha; víeis as coisas tão claramente quanto durante a vossa vida? -R. Primeiro perdi a visão, mas depois de algum tempo já via muito melhor, porque via todas as astúcias.

28. Pergunto se percebíeis o ruído do canhão. – R. Sim.

29. No momento da ação, pensáveis na morte e no que vos tornaríeis se fosses morto? – R. Pensava no que se tornaria minha mãe.

30. Era a primeira vez que íeis ao fogo? – R. Não, não; e a África?

31. Vistes a entrada dos Franceses em Milão? – R. Não.

32. Sois o único que morreu na Itália? – R. Sim.

33. Pensais que a guerra durará muito tempo? – R. Não; é fácil, e pouco meritório, de resto, predizê-lo.

34. Quando vedes, entre os Espíritos, um de vossos chefes, o reconheceis ainda como vosso superior? – R. Se o é, sim; se não, não.

Nota. – Na sua simplicidade e seu laconismo, essa resposta é eminentemente profunda e filosófica. No mundo espírita, a superioridade moral é a única que se reconhece; aquele que não a tinha na Terra, qualquer que fosse sua classe, não tem nenhuma superioridade; ali, o chefe pode estar abaixo do soldado, o senhor abaixo do servidor. Que lição para o nosso orgulho!

35. Pensais na justiça de Deus, e vos inquietais com ela? – R. Quem não pensaria nela? Mas, felizmente, não tenho que temê-la sempre; resgatei, por algumas ações que Deus achou boas, algumas escapadelas que fiz na qualidade de zuavo, como dissestes.

36. Assistindo a um combate, poderíeis proteger um de vossos companheiros e afastar dele um golpe fatal? – R. Não; isso não está em nosso poder; a hora da morte é marcada por Deus; se deve passar por ela, nada pode impedi-la; como nada pode atingi-lo se a aposentadoria não soou para ele.

37. Vedes o general Espinasse? – R. Não o vi ainda, mas espero muito ainda vê-lo.

Segunda entrevista – 17 de junho de 1859

38. Evocação – R. Presente! Coragem! Avante!

39. Lembrai-vos de ter vindo aqui há oito horas? – R. Mas!

40. Dissestes-nos que não tínheis revisto ainda o general Espinasse; como poderíeis reconhecê-lo, uma vez que já não carrega sua farda de general? – R. Não, mas conheço-o de vista; ademais não temos uma multidão de amigos prontos a nos dar a palavra. Aqui não é como no grande círculo; não se tem medo de se consentir em auxiliar e vos respondo que não há senão os maus velhacos, os únicos que não se veem.

41. Sob qual aparência estais aqui? – R. Zuavo.

42. Se pudéssemos ver-vos, como vos veríamos? – R. Com turbante e calção.

43. Pois bem! Suponho que nos aparecesse com turbante e calção, onde apanhastes essa roupa, uma vez que deixastes a vossa no campo de batalha! – R. Ah! Eis! Nada sei; tenho um alfaiate que me arranjou está.

44. De que são feitos o turbante e o calção que levais? Rendei-vos conta disso? – R. Não; isso diz respeito ao algibebe.

Nota. – Essa questão da roupa dos Espíritos, e várias outras não menos interessantes que se ligam ao mesmo princípio, estão completamente elucidadas pelas novas observações feitas no seio da sociedade; disso daremos conta no nosso próximo número. Nosso bravo zuavo não é bastante adiantado para resolvê-las por si mesmo; ser-nos-ia preciso, para isso, o concurso de circunstâncias que se apresentam fortuitamente, e que não colocamos no caminho.

45. Dai-vos conta da razão pela qual nos vedes, ao passo que não podemos ver-vos? – R. Creio compreender que vossos óculos são muito fracos.

46. É pela mesma razão que não poderíeis ver o general sem uniforme? – R. Sim, ele não o usa todos os dias.

47. Quais dias ele o usa? – R. Sim! Quando é chamado ao palácio.

48. Por que estais aqui em zuavo, se não podemos ver-vos? — R. Muito naturalmente porque sou zuavo ainda, desde há oito anos, e que no meio dos Espíritos, guardamos por muito tempo essa forma, mas isso não é senão entre nós, compreendeis que quando vamos para um mundo muito estranho, a Lua ou Júpiter, não nos damos ao trabalho de fazer tanto preparo pessoal.

49. Falais da Lua, de Júpiter, é que para aí fostes depois de vossa morte? – R. Não, não me compreendeis. Corremos muito o universo desde a nossa morte; não explicamos uma multidão de problemas da nossa Terra? Não conhecemos Deus e os outros seres muito melhores que nós como não o fazíamos há quinze dias? Passa-se na morte uma metamorfose no Espírito, que não podeis compreender.

50. Tornastes a ver o corpo que deixastes no campo de batalha? – R. Sim, não é mais belo.

51. Que impressão essa visão deixou em vós? – R. Tristeza.

52. Tendes conhecimento de vossa existência precedente? -R Sim, mas não foi bastante gloriosa para que dela me vanglorie.

53. Dizei-nos somente o gênero de existência que tivestes? -R. Simples comerciante de peles indígenas.

54. Nós vos agradecemos por consentir em retornar uma segunda vez. – R. Até breve; isso me alegra e me instrui; desde que me toleram aqui, voltarei de bom grado. Um Oficial

Superior morto em Magenta

(Sociedade. 10 de junho de 1859.)

1. Evocação. – R. Heis-me aqui.

2. Poderíeis dizer-nos como viestes tão prontamente ao nosso chamado? – R. Fui prevenido de vosso desejo.

3. Por quem fostes prevenido? – R. Por um emissário de Luís.

4. Tínheis conhecimento da existência da nossa sociedade? -R. Vós o sabeis.

Nota. – O oficial, do qual se trata, com efeito, concorreu para que a Sociedade obtivesse autorização para se constituir.

5. Sob qual ponto de vista consideráveis nossa sociedade, quando ajudastes a sua formação?
– R. Eu não estava ainda inteiramente fixado, mas me inclinava muito em crer, e sem os acontecimentos que sobrevieram, iria certamente instruir-me em vosso círculo.

6. Há muitas notabilidades que partilham as ideias espíritas, mas que não a confessam abertamente; seria desejável que as pessoas influentes na opinião desfraldassem abertamente essa bandeira. – R. Paciência; Deus o quer e está vez a palavra é verdadeira.

7. Em qual classe influente da sociedade pensais que o exemplo será dado em primeiro lugar? – R. Por toda parte um pouco no início, inteiramente em seguida.

8. Poderíeis dizer-nos, do ponto de vista do estudo, se, embora morto quase no mesmo momento do zuavo que acabou de vir, vossas ideias estão mais lúcidas que as dele? – R. Muito; o que pôde dizer que testemunhava uma certa elevação de pensamentos, era-lhe soprado, porque ele é muito bom, mas muito ignorante e um pouco leviano.

9. Interessai-vos ainda pelo sucesso de nossas armas? – R. Muito, mais que nunca, porque lhe conheço hoje o objetivo.

10. Poderíeis definir o vosso pensamento; o objetivo sempre foi altamente confessado, e na vossa posição sobretudo, devíeis conhecê-lo? – R. O objetivo que Deus se propôs, o conheceis?

Nota. – Ninguém menosprezará a gravidade e a profundidade desta resposta. Assim vivendo, conhecia o objetivo dos homens: como Espírito, ele via o que havia de providencial nos acontecimentos.

11. Que pensais da guerra em geral? – R. Minha opinião é que vos desejo que progridais bastante rapidamente para que ela se torne impossível, tanto quanto inútil.

12. Credes que virá um dia em que ela será impossível e inútil? – R. Penso-o, e disso não duvido, posso dizer-vos que o momento não está assim tão longe como podeis crer, sem, entretanto, dar-vos a esperança de vê-lo vós mesmos.

13. Vós vos reconhecestes imediatamente no momento de vossa morte? – R. Reconheci-me quase em seguida, e isso graças às vagas noções que tinha do Espiritismo.

14. Poderíeis dizer-nos alguma coisa do Senhor***, morto igualmente na última batalha? – R. Ele está ainda nas redes da matéria; tem mais dificuldade para dela sair; seus pensamentos não estavam dirigidos desse lado.

Nota. – Assim o conhecimento do Espiritismo ajuda o desligamento da alma depois da morte; abrevia a duração da perturbação que acompanha a separação; isso se concebe; conhecia de antemão o mundo onde se encontra.

15. Assististes à entrada de nossas tropas em Milão? – R. Sim, e com alegria; estava arrebatado pela ovação que acolheu nossas armas, primeiro por patriotismo, depois por causa do futuro que as espera.

16. Podeis, como Espírito, exercer uma influência qualquer sobre as disposições estratégicas? – R. Credes que isso não foi feito desde o princípio, e tendes dificuldade de adivinhar por quê?

17. Como ocorre que os Austríacos tenham abandonado, tão prontamente, uma praça forte como Pavie? – R. O medo.

18. Portanto, estão desmoralizados? – R. Completamente, e depois agindo-se sobre os nossos num sentido, deveis pensar que uma influência de uma outra natureza agia sobre eles.

Nota. – Esta intervenção dos Espíritos nos acontecimentos não é equivocada; eles preparam os caminhos para o cumprimento dos desígnios da Providência. Os Antigos teriam dito que isso foi a obra dos Deuses’, nós dizemos que foi a dos Espíritos por ordem de Deus.

19. Podeis dar-nos a vossa apreciação sobre o general Giulay, como militar, e todo sentimento de nacionalidade à parte? – R. Pobre, pobre general.

20. Voltaríeis com prazer se vos chamássemos? – R. Estou à vossa disposição, e prometo mesmo retornar sem ser chamado; a simpatia que tenho por vós não pode senão aumentar, deveis assim pensar. Adeus.

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