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Vencendo nossos medos

Autor: Eurípedes Kuhl

Classificamos o medo como dos piores inimigos da criatura, por alojar-se na cidadela da alma, atacando as forças mais profundas

Instrução do Governador – In: “Nosso Lar”, André Luiz/FCX, Cap. 42, pág. 230, 48ª Ed., 1998, FEB, Rio/RJ.

Segundo a Grande Enciclopédia Larousse Cultural, por definição, medo é o sentimento de inquietação, de apreensão em face de um perigo real ou imaginário.

A palavra medo relaciona-se também com receio, temor, horror, pavor, pânico.

A propósito, vejamos como se expressou sobre o medo Thomas Hobbes (1588-1679), filósofo inglês, há algum tempo muito discutido nos meios da psicanálise: “(…) o medo é um sentimento que nos inspira a possibilidade real de sermos afetados por um mal real, por um mal que conhecemos pela experiência”.

Nós, espíritas, bem sabemos que além dos “males reais”, visíveis, tangíveis, existem os também reais, invisíveis, intangíveis, do que nos dá conta a obsessão…

De início, se analisarmos desde quando o homem tem medo, certamente chegaríamos à idade da pedra lascada, com os nossos ancestrais se refugiando nos fundos das cavernas, ante os grandes perigos dos raios, dos trovões, dos furacões, dos vulcões, dos terremotos, dos maremotos, dos eclipses cósmicos etc.

Tais acontecimentos, hoje bem explicados, antanho eram tidos como sobrenaturais e determinados por deuses terríveis, vingativos. Holocaustos, oferendas e promessas começaram ali e pelo jeito ainda não aplacaram a cólera daqueles deuses…

Vamos elencar neste artigo algumas espécies de medo. 

Medos naturais 

São aqueles medos com os quais, praticamente, todos nascemos com eles… Fogo / Grandes ruídos / Desequilíbrios / Morte-mortos / (do) Desconhecido.

OBS: Dizer que todos nascem com medo da morte ou dos mortos remete, aos ocidentais, à infância, quando ainda, sem despertar de todo a razão, veem os familiares com grandes  sofrimentos em velórios e enterros de parentes ou amigos, com isso inculcando/instalando no subconsciente infantil que aquilo (a morte) é terrível… 

Medos amigos

Os chamados “medos amigos” são aqueles ditados pela prudência e basicamente são por eles que os seres vivos mantêm sua integridade, como por ex.:

O vegetal: procura a luz e a água, pelo que, de forma indireta, está evitando a sombra e a seca, regime no qual feneceria;

O animal: foge de um predador ou do combate no qual esteja em desvantagem, e não o faz por covardia, senão sim para continuar vivendo;

O homem: num gradiente que vai ao infinito, visto que a inteligência abre um leque de infinitas hastes de opções, sempre evitará a ação de consequências prejudiciais; por ex.: não ultrapassar na curva, não brincar à beira do precipício, não riscar fósforos próximo a combustíveis etc.

Afirmamos, enfaticamente, que esses não são medos, senão, sim, frutos da prudência, ditada pelo abençoado instinto de conservação, engendrado por Deus e que nasce com todas as criaturas. 

Medos inimigos

São os que causam prejuízos ao ser humano, não por alguma ação, mas justamente ao contrário, pela inação, como por ex.:

Medo de mudanças: é um arqui-inimigo de toda a Humanidade; num ambiente de trabalho ou de reuniões, por ex., medo de mudar de lugar pessoas/objetos/móveis…

Medo de enfrentar desafios da vida: como assumir responsabilidades (sejam familiares, profissionais, sociais). 

Medos irracionais

São aqueles sentimentos que bloqueiam o raciocínio e se edificam sobre bases que contrariam o bom senso, como por exemplo:

“Medo de ir ao dentista”: vejam bem, que o que se diz não é “ter medo de ser submetido a um tratamento odontológico”, e sim, “de ir ao dentista…”.

Ora: se um pai contar para seu filho (desde criança) que antigamente eram necessárias seis pessoas para extrair um dente (cinco para segurar o paciente e uma sexta pessoa para usar o alicate-boticão), certamente esse filho, durante sua vida, será o primeiro a buscar o dentista, na salutar trilha da “visita de prevenção”.

Se necessário tratamento, talvez até exija “injeção” (anestesia), para só sentir uma picadinha…

Medos reais 

Situam-se entre as inquietações que se seguem após traumas, como por exemplo:

Assalto: alguém é assaltado e passa a ter receio de voltar a ser vítima; como defesa deixa de sair de casa, até quase se enclausurar por completo; o correto seria continuar normalmente saindo, mas com cuidado redobrado; e, se voltar a ser assaltado, com certeza já terá muito mais equilíbrio para proceder sem riscos;

Falar em público: alguém diz algo para algumas pessoas e é ridicularizado…

Aí implanta-se tal medo; mas, se a pessoa treinar, nem que seja no banheiro, em frente ao espelho, e depois para a família, verá que aos poucos dominará essa técnica, não sendo necessário ser um brilhante orador, mas sim alguém que fala com clareza;

Infecção: sempre lavar as mãos é excelente tal cuidado; só haverá problema se houver exagero…

“Andar de avião”: de fato, desastres aéreos ocorrem, mas o avião é dezenas ou centenas de vezes mais seguro do que automóveis…

OBS.: Geralmente, esses medos se transformam em manias, daí em fobias, depois em neuroses, podendo evoluir para psicoses…

Medos imaginários

Falsos sentimentos, pois ainda não aconteceram, mas já vivem na mente, como se reais fossem. Considerando que o homem formula pensamentos, cuja fixação os converte em “realidade” mental, surge aqui — apenas entre nós, homens — o medo imaginário, isto é, temor de algo que ainda não aconteceu. Esse é o mais prejudicial dos medos, pois o medo real, muitas vezes, tem raízes no passado, a se expressar no presente. Agora: como ter medo de algo que ainda não aconteceu?

Exemplos:

  • Um estudante (ou muito magro, ou de pouca estatura, ou de óculos, ou algo obeso) traz em estado latente o receio de não ser aceito e com isso evita se enturmar;
  • Um jovem que sofre, antecipadamente, a angústia de não arranjar namorada…
  • Um entregador que desde a infância não tenha sido esclarecido que os dentistas existem exatamente para tirar “a dor de dente” e não para causar dor; esse entregador terá receio até de ir entregar uma pizza ao coitado do profissional lá no seu consultório, que quase não tem tempo para uma alimentação calma, de tanto que precisa trabalhar para sobreviver…

Medo de terroristas: o nível de medo pode atingir a fase do pavor, muito comum nas pessoas que sofrem a “síndrome do pânico”.

Síndrome do pânico: a expressão é originária de Pan, deus grego, tocador de flauta, que aterrorizava os camponeses com seus chifres e pés de equinos; os pacientes que apresentam essa síndrome sofrem intensamente, com graves sintomas, que vão da angústia a palpitações, sudoreses, tremores, falta de ar, náuseas, medo da loucura e medo extremo com sensação de morte.

Nos Estados Unidos, o trauma pós 11 de setembro de 2001 (derrubada das “torres gêmeas” por terroristas) levou até mesmo a propaganda a colocar máscara contra gases na famosa boneca “Barbie”…

Fobias

A fobia é acompanhada de um medo exagerado e persistente (mórbido) que não tem limites em relação às causas que o produzem. O fóbico sofre terrivelmente. O exército de medos, nesse patamar, é quase ilimitado.

Pela Psicanálise temos que a maioria das fobias, na verdade, mascaram um perigo simbólico, cujo objeto exato esconde-se nas fímbrias do subconsciente, muitas vezes como defesa subjetiva, derivando um fato real para um perigo imaginário.

Como exemplo, podemos citar o caso de Hans, uma criança que foi psicanalisada por Freud, e que tinha “pavor” de cavalos, aos quais, paradoxalmente, admirava… Em suas pesquisas, o grande mestre austríaco percebeu que, para Hans, o cavalo (animal forte) era uma representação simbólica do pai, que vivia ameaçando-o de castração.

Vamos citar algumas fobias:

Claustrofobia: é a mais citada de todas as fobias e refere-se ao medo de lugares fechados [pela teoria junguiana — Carl Gustav Jung (1875-1961), notável psiquiatra suíço —, esse medo está relacionado ao nascimento. O ser precisa deixar o conforto e atravessar um túnel estreito, rumo ao desconhecido…]; também se manifesta junto a multidões;

Nosofobia: o medo de adoecer, o que leva o fóbico a se julgar doente; começa pelo medo de se infectar por micróbios e por isso até não dá a mão nos cumprimentos… Essa fobia conduz rapidamente à hipocondria (busca obcecada de tratamento para doenças inexistentes);

Agorafobia: medo de espaços abertos e amplos: (medo de deslocar-se sem ajuda); (meditando sobre essa fobia, bem podemos calcular a coragem de Cristóvão Colombo…);

Altofobia: medo das alturas;

Antropofobia: medo de enfrentar a sociedade, levando o indivíduo a trágicas solidões;

Gerontofobia: medo de envelhecer… e até do convívio com pessoas idosas;

Necrofobia: medo da morte e até dos mortos;

Obesofobia: medo de engordar (fobia muito cultivada pelas jovens modelos de modas); quase sempre leva à anorexia (perda do apetite), que é porta aberta ao comprometimento do sistema orgânico de defesa autoimune;

Talassofobia: medo das águas, rios etc. 

Autoanálise 

Todos nós, sem exceção, temos medos…

Disso, de alguma forma, sempre resultam grandes ou pequenos desconfortos. Assim, impõe-se que idealizemos uma “administração” dos nossos medos. Dizemos “administração”, pois extingui-los é totalmente impossível. Em primeiro lugar, nada melhor do que identificar e classificar o medo. Uma vez identificados e classificados os nossos medos, o trabalho agora é realizar um mapeamento da origem deles.

Para começar, devemos ter como certeza de que a humanidade sempre se defrontou com o medo e poucos não foram os homens que se dedicaram a explicá-lo, primeiro para poderem entendê-lo, para em seguida eliminá-lo.

Todos fracassaram, eis que o medo, enquanto sentimento de evitação do mal, é um instrumento de sobrevivência, sem exageros, de todos os seres vivos.

Até porque há a classe de medo que é muito benéfica, como vimos. Dessa forma, o medo tanto pode ser, em potencial, um amigo ou um grande inimigo. Se o perigo pode ser real ou imaginário, o medo também o será.

Para um medo ser identificado, necessário se torna compreender como ele se instalou, ou, dizendo de outra forma, como é que ele “apareceu”: quando, como, por quê.

Quase sempre o medo se disfarça, lançando mão de símbolos, num processo muito parecido com os sonhos, cuja interpretação é problemática, justamente pelo simbolismo com o qual a maioria se apresenta ao sonhador.

É sob convicção que afirmamos que o medo pode e deve ser trabalhado para se tornar um incomparável instrumento de equilíbrio no nosso dia a dia. Em todos os medos, se a pessoa não conseguir dominá-los racionalmente (autolibertação), um bom caminho a seguir será procurar um aconselhamento:

Na fé: em primeiro lugar, orações a Deus e ao Anjo Guardião!

Na família: ouvindo a experiência dos pais e familiares mais íntimos;

Na ajuda espiritual: outra via será procurar um orientador espiritual; de nossa parte, sugerimos visita a um Centro Espírita e um diálogo com alguém disposto a ouvir essa pessoa com tolerância e fraternidade, sugerindo caminhos evangelhoterápicos.

Obs.: Se a pessoa fizer questão, nada objeta o auxílio de um psicanalista. Devemos considerar que a Medicina terrena com seus avanços científicos é um dos canais pelo qual mais têm aportadas benesses vindas da Espiritualidade, a bem da Humanidade. 

No Espiritismo

A Doutrina dos Espíritos leciona que todos temos um extenso passado existencial, de multiplicadas existências, que espelham atualmente nosso painel mental de emoções e sentimentos, painel esse que se atualiza segundo a segundo.

De posse de tão transcendental entendimento, ao espírita convicto será possível iniciar, por uma enérgica e sincera autorreforma, um intenso e permanente tratamento, visando libertar-se de seus medos, manias, fobias, neuroses e eventuais psicoses.

Na questão 919 de “O Livro dos Espíritos”, o Espírito Santo Agostinho nos dá preciosa maneira de nos conhecermos a nós mesmos, através do balanço diário das nossas ações, ao final de cada dia, bem como interrogação constante à consciência. E na “Introdução” da mesma obra registrou, a propósito dos nossos temores:

“O Espiritismo mostra a realidade das coisas e com isso afasta os funestos efeitos de um temor exagerado”.

Tratando-se dessa realidade das coisas, aos espíritas acorre compreender muitos fatos da presente existência, conjeturando que sua origem pode estar em vidas passadas.

Obs.: Em Psicologia, segundo C. G. Jung, que já citamos, esse atavismo recebe o nome de “sombra”, caracterizando-se por componentes da personalidade, formado por instintos, que produzem sentimentos e ações desagradáveis.

Sabendo que o perispírito guarda indelevelmente as chamadas “matrizes psíquicas” (fatos marcantes de outras existências), não ficará difícil conjeturar que o medo, no presente, pode ter-se originado por suicídio ou por ter sido vítima, assim:

Medo de multidão: será que essa pessoa não foi condenada e quem sabe até apedrejada em público?

Medo de altura: não teria se suicidado atirando-se ou sido vítima de queda de penhascos?

Medo de água: não teria se afogado?

Medo de lugares fechados: não teria morrido num calabouço?

Medo de animais: não teria morrido sob ataque de algum deles?

Além disso, a obsessão e seus agentes ocultos fragilizam a razão do obsidiado. Daí que, vulnerável, ele se torna quase sempre cliente de novos medos… É nesse ponto que a prece sincera e a autorreforma carreiam-lhe o amparo do Mais Alto.

Conclusão

O medo edifica muros altos ao discernimento, impedindo análises, reflexões e soluções para nosso dia a dia, qual lanterna que se apaga na mente. Além disso, é um grande gerador de bloqueios, com perda de novas oportunidades de aprendizado.

Infinitos medos existem e infinitas são também as maneiras de administrá-los.

Uma constante, porém, se impõe: é que o medo seja reconhecido, analisado racionalmente e aceito como parte da estrutura emocional.

Em sendo real, a prudência dará o toque de como agir.

Contudo, se imaginário, conscientizado disso, por si mesmo, em autoanálise ou por aconselhamento, esse medo deverá ser enfrentado pelo “medroso”.

Logo se perceberá que até o medo tem medo…

Como asseverou Santo Agostinho, qualquer medo se dissolve, diante da fé, numa enfrentação racional. Com respeito, acrescentamos:

A luta entre o medo e a razão

É igual à da vespa contra o leão:

Incomoda sim, mas vence não! 

O consolador – Ano 8 – N 378 e 379 – Especial

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