Eles estão em todo lugar. É impossível abrir um vídeo no YouTube, assistir a um jogo de futebol ou rolar o feed sem esbarrar com alguma propaganda de sites de apostas. As chamadas “bets” viraram febre no Brasil — e não só aqui. Mas o que muita gente ainda não percebeu é que, por trás do brilho das propagandas, dos bônus tentadores e dos influencers que dizem que “é só saber jogar”, existe um problema sério, silencioso e crescente.
Durante anos, os sites de apostas online surfaram em um limbo legal no Brasil. Não eram exatamente legais, mas também não estavam totalmente fora da lei. A brecha veio com a Lei nº 13.756/2018, que previa a legalização das apostas de quota fixa — aquelas em que o jogador sabe quanto pode ganhar desde o início. Só que a regulamentação só veio mesmo anos depois. Em 2023, o governo publicou uma medida provisória, e em 2024, finalmente sancionou a Lei 14.790, legalizando e criando regras para o funcionamento desses sites no país. Agora eles precisam ter sede no Brasil, pagar impostos, obter autorização do Ministério da Fazenda e seguir diretrizes de prevenção ao vício. Parece uma boa notícia. Mas enquanto o governo acordava, o estrago já estava sendo feito — e continua.
Hoje, mais da metade dos clubes da Série A do Brasileirão são patrocinados por casas de apostas. Muitas dessas empresas estão sediadas em paraísos fiscais, como Curaçao e Gibraltar, onde quase não há fiscalização. Além do futebol, a avalanche publicitária chega por meio de influenciadores digitais, celebridades e ex-participantes de reality shows que fecham contratos milionários para divulgar essas plataformas como se fossem apenas “uma forma divertida de ganhar dinheiro”. Os anúncios falam em estratégia, em estudar o jogo, em controlar as emoções. Só que tudo isso é pura maquiagem. No fim das contas, a casa sempre ganha. E quanto mais você joga, mais você perde.
Os dados assustam. A Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) identificou um aumento expressivo de jovens com comportamentos de vício relacionados a jogos. Em uma pesquisa recente, 65% dos apostadores problemáticos tinham entre 14 e 24 anos. Sim, adolescentes. Muitos desses jovens começam com apostas de R$ 5, só por diversão, mas acabam presos num ciclo tóxico de perdas, frustração e tentativa de recuperar o dinheiro que já foi embora. É como uma armadilha bem montada: quando você acha que está no controle, já perdeu tudo.
Histórias de prejuízo estão por toda parte. Gente que vende o celular, faz empréstimo, aposta o que não tem. Lucas Nascimento (22 anos, Natal‑RN) perdeu mais de R$ 72 mil em um ano e foi despejado, conforme reportagem da Folha de S. Paulo. Estudos da Anbima/Datafolha mostram que quase metade dos apostadores jovens acaba negativada – meninas como Carla, de 18 anos, que relatam ter o nome sujo após perder valores modestos (R$ 500–R$ 1 000). Pedro, 31 anos, semelhante a um gestor que perdeu R$ 98 mil, perdeu o emprego, o casamento e passou por crises psiquiátricas, foi acolhido por grupos como Jogadores Anônimos. São apenas três nomes de uma multidão que está sofrendo calada.
O problema é que o marketing dessas plataformas é agressivo e viciante. Com linguagem jovem, promessas de bônus, códigos promocionais e uma suposta proximidade com o público, os anúncios vendem a ilusão de que apostar é igual a investir. É como se, de repente, todo mundo fosse especialista em estatística esportiva. Só que não é. Não adianta conhecer todos os jogadores, todas as regras ou ter “intuição”. O sistema é feito para você perder. E mesmo quando você ganha, é só o bastante para te fazer continuar jogando.
Pior ainda: a maioria das plataformas não exige comprovação de idade e está a um clique de distância de qualquer criança com acesso à internet e ao cartão de crédito dos pais. Em muitos casos, o apostador só percebe que foi enganado quando tenta sacar o dinheiro e encontra bloqueios, exigências absurdas ou simplesmente uma plataforma que desapareceu. Há ainda os sites falsos, criados só para aplicar golpes. O vício em jogo, que já é reconhecido pela Organização Mundial da Saúde como um transtorno psicológico sério, começa a ser tratado em centros especializados no Brasil, mas a oferta de ajuda ainda é pequena, e o problema avança muito mais rápido do que a estrutura de atendimento.
A legalização recente não é um passo para colocar freio nisso tudo e não resolve o principal: a normalização do vício em apostas como se fosse só mais uma forma de entretenimento. O discurso de que “cada um sabe o que faz com o seu dinheiro” ignora o efeito psicológico, financeiro e emocional que esses jogos causam. É uma armadilha montada com cuidado, reforçada por algoritmos, publicidade e manipulação emocional.
Apostas Online x Adoecimento: uma relação que não é coincidência
| Ano | Volume movimentado por sites de apostas no Brasil | Estimativa de apostadores com sinais de vício |
|---|
| 2018 | R$ 2,1 bilhões | ~150 mil |
| 2020 | R$ 4,5 bilhões | ~300 mil |
| 2022 | R$ 7,3 bilhões | ~500 mil |
| 2023 | R$ 12 bilhões | ~830 mil |
| 2024* | R$ 18 bilhões (estimativa) | +1 milhão de casos (estimativa) |
*Fontes: Receita Federal, Unifesp, IBGE, ABP, Ministério da Fazenda – com base em estudos de mercado e projeções de saúde pública. Os dados sobre vício são estimativas com base na prevalência média global de 1% a 3% da população envolvida em apostas.
Se você está jogando e sente que não consegue parar, não é fraqueza. É sinal de que talvez seja a hora de procurar ajuda. Existem grupos de apoio, como os Jogadores Anônimos (GA), além de centros de atendimento como os CAPS AD do SUS. O CVV (188) também oferece apoio emocional gratuito e sigiloso. E se você nunca apostou, melhor ainda. Porque o jogo até pode virar, sim. Mas, na maioria das vezes, ele vira contra você.
Manifesto contra as bets
Nós equipes, dos projetos Juventude Espírita, Jovens Com Yvonne e Caravana Jovem, deixamos claro nosso posicionamento: somos totalmente contrários à legalização, à divulgação e à prática das apostas, sob qualquer forma. Acreditamos que o vício em jogos não é entretenimento — é uma armadilha que destrói lares, adoece mentes e desvia valores fundamentais. Apostar não é liberdade, é aprisionamento disfarçado de escolha. E enquanto muitos lucram com o sofrimento alheio, seguimos do lado da conscientização, da responsabilidade e do cuidado com o próximo.
Esse é um tema urgente, e que precisa ser levado a sério. Por isso, convidamos todos os grupos de mocidade, coordenadores e trabalhadores das Casas Espíritas a levarem essa discussão para seus encontros, estudos e rodas de conversa. As apostas online estão afetando diretamente a juventude e muitas famílias — e o Espiritismo, com sua proposta de esclarecimento e acolhimento, pode e deve ser um espaço de diálogo, prevenção e orientação. Vamos conversar sobre isso, refletir juntos e buscar caminhos que ajudem a proteger e fortalecer os nossos jovens.
Com carinho,
Juventude Espírita,
Jovens Com Yvonne,
Caravana Jovem.
Fontes
- Unifesp – Departamento de Psicobiologia
- Ministério da Fazenda – Secretaria de Prêmios e Apostas (2024)
- Lei 14.790/2023 – Regulamentação das apostas esportivas
- CVM e Banco Central – Alerta sobre fraudes e golpes online
- IBGE – Dados sobre jovens, internet e finanças (2023)
- Associação Brasileira de Psiquiatria – Jogo patológico
- R7 – História de um gestor que perdeu tudo por causa das apostas
- UOL – 52% dos usuários de bets apostam de novo para recuperar perdas




