Calcanhares de Aquiles

Autor: Rogério Miguez

Aquiles, herói lendário da Guerra de Troia, batalha descrita na rica mitologia grega, encontrou a morte exatamente nesta particular guerra, após ter o calcanhar atingido por uma flecha, único ponto vulnerável do seu indestrutível corpo biológico.

A mãe de Aquiles, relata a lenda, desejando torná-lo imortal, após seu nascimento banha-o no rio Estige o rio da invulnerabilidade1 , contudo, ela o segurava por um dos calcanhares quando mergulhou-o, em consequência, esta pequena parte do seu corpo não foi alcançada pelas mágicas águas do rio, tornando Aquiles vulnerável apenas neste ponto. Esta particularidade deu origem, ao longo do tempo, à expressão calcanhar de Aquiles, significando uma fragilidade, qualquer que seja, na personalidade ou caráter do indivíduo, ou mesmo deficiências orgânicas mais destacadas na constituição física.

O Espírito pode, ao longo do processo evolutivo, adquirir muitas virtudes e, quando não se esmera para seguir o caminho do bem, acaba também desenvolvendo vícios, criando fraquezas em seu caráter, falhas morais que podem ser perfeitamente entendidas na existência atual como nossos calcanhares de  Aquiles.

Entretanto, por qual razão estas imperfeições morais poderiam ser comparadas à calcanhares de Aquiles?

Porque estas brechas morais podem ser exploradas por indivíduos maldosos, visando a tirar proveito, de algum modo, dessas fraquezas que o Espírito imperfeito muitas vezes não consegue controlar, ou mesmo perceber. Um simples exemplo deste fato é a oferta feita por estelionatários propondo enriquecimento fácil, sem trabalhar, sendo as pirâmides financeiras mecanismos clássicos. A específica característica de personalidade e caráter explorada é a ganância do ser humano, fazendo o indivíduo não perceber o absurdo da proposta.

Além da real possibilidade de pessoas mal-intencionadas poderem tirar proveito destas debilidades de caráter, utilizando variados meios, há outra classe de aproveitadores que igualmente podem tentar prejudicar-nos: são os Espíritos desencarnados, ainda ignorantes dos princípios divinos, que, por motivos diversos, aproximam-se de nós conectando-se conosco através destas tomadas – as falhas morais –, explorando-as a partir do estabelecimento de conexão fluídica, passando a atrapalhar o caminhar de nossas existências por meio de diabólicas tramas muito bem urdidas.

Este mecanismo de interferência na vida de um indivíduo, por parte dos Espíritos vivendo no além, é conhecido por obsessão, o famoso encosto, neste caso – de desencarnado para encarnado -, uma das cinco possíveis modalidades da obsessão.

Uma boa descrição destes assédios está apresentada na obra Ideias e Ilustrações2, um livro repleto de excelentes lições. Em uma delas, de título O poder das Trevas, descrevem-se seis opções que obsessores podem utilizar para, de forma literal, derrubar um trabalhador espírita, embora possam ser empregadas em qualquer pessoa, religiosa ou não.

Seguem alguns comentários sobre cada uma delas:

  1. Promover a ruína financeira: esta é uma “boa opção” para prejudicar aqueles ligados em excesso aos bens materiais, tendência construída em existências anteriores. São obsidiados “por natureza” pela riqueza material, já nasceram assim, não por acaso, claro, ou seja, são obsidiados por eles mesmos – outra modalidade da obsessão a auto-obsessão –, desta forma, inimigos podem facilmente utilizar esta deficiência moral, construída, não há dúvida, no passado, para derrubá-lo. E como fazem isto? Sugerem ao incauto, por exemplo, direcionar seus tão amados e desejados bens materiais para um particular investimento financeiro que, de antemão, já sabem vai dar errado. O imprudente, por pura ganância, obedece de modo inconsciente às intuições e acaba por perder tudo. Alguns chegam a matar-se, como aconteceu no crack da Bolsa de Nova York.
  2. Atingir a família: é outra “excelente medida”, pois se o indivíduo tem forte ligação com os familiares, dedica-se com afinco a eles, perturbá-los, sugerindo atos e palavras acusatórias e de ingratidão, ou mesmo influenciando-os a deixar a família, podem transtornar o lidador espírita levando-o a reavaliar o seu afeto, pondo em xeque a sua fé em Deus e conduzindo-o ao desânimo e ao desalento. Este estado de abatimento pode estender-se facilmente do lar para as atividades espíritas, fazendo-o abandonar em definitivo suas tarefas religiosas, em razão de considerar-se esquecido e desprestigiado por Deus.
  3. Abalar a saúde: “ótima providência”, pois com a saúde fragilizada o atuante trabalhador pode perder o entusiasmo, julgar-se olvidado por Deus, afinal, Ele não cuida de seu fiel seguidor!? O discípulo com o corpo flagelado, com feridas e aflições pode ser presa fácil, enfraquecendo a coragem, caso descuide-se da observação dos princípios de vida aprendidos, que até então guiaram-no durante sua existência. Acamado, fica distante dos integrantes de sua grei, podendo ser sem dificuldade afastado do centro ao qual se vincula. Esta, muitas vezes “eficaz medida”, é fortalecida quando os amigos, simpatizantes e membros dos grupos de trabalho que desenvolve na instituição esquecem-se solenemente do doente, não sendo incomum esta atitude. O indivíduo, já debilitado em suas energias, pode espontaneamente abdicar de tudo, abandonando todos os nobres ideais, julgando-se esquecido pelos amigos.
  4. Incentivar calúnia, suspeita e ódio gratuito: assim agindo, empregam outra “poderosa deliberação”, considerando serem todos aqueles ainda vinculados à Terra vacilantes nas convicções, não sabendo com propriedade como lidar com acusações, mesmo reconhecendo serem indevidas na sua totalidade. Logo armam-se de contra-argumentos tentando de qualquer jeito defender o próprio nome e a honra; contudo, nestes casos, as explicações apresentadas jamais surtirão efeito, pois os acusadores foram escolhidos a dedo pelas Trevas. São aqueles descuidados, ociosos, em tudo enxergando o erro e o deslize moral. As justificativas, mesmo ajuizadas e cobertas de razão, por parte do acusado, dificilmente terão efeito em mentes dominadas por obsessores. O resultado poderia levar o trabalhador a se ver de fato pecador, impuro, infiel, e, isolado e atormentado, afastar-se em definitivo das lides espíritas.
  5. Literalmente matar o laborioso espírita: esta escolha extrema poderia, igualmente, trazer “bons resultados“. A morte interromperia a jornada para o dedicado ativista, exemplo para incontáveis, contudo, este poderia também reintegrar-se com rapidez às lides do Cordeiro, agora no plano espiritual, com talvez maiores possibilidades de ajudar o próximo. Uma dúbia providência por parte dos inimigos.

Estas cinco propostas avaliadas pelos obsessores foram todas recusadas como formas de destruir o trabalhador, entretanto, foi sugerida uma sexta ação supreendentemente com reais possibilidades de obter “sucesso” nesta nefasta missão.

A proposta vencedora passou a ser, de modo gradual, comunicada através do pensamento ao assediado sugerindo que ele era um “zero à esquerda”, como diz o ditado popular. Munidos de toda sorte de insinuações, os obsessores, de modo ardiloso, incutiram na mente do escolhido que ele era insignificante, não possuía nenhum valor, suas realizações eram destituídas de real importância, nada poderia alcançar de positivo com as suas reduzidas possibilidades e conhecimentos; era, por fim, um “zé ninguém”.

Aos poucos, como é comum em processos obsessivos, a vítima foi incorporando a ideia central de que era de fato incompetente e ineficaz servidor do Cristo. Destituído de qualquer luz que pudesse iluminar aqueles partilhando a jornada evolutiva e, como havia sido previsto pelo grupo de desafetos desencarnados, inimigos gratuitos da verdade e do bem, ele foi apagando-se por dentro, como uma luz bruxuleante, até desistir por definitivo de sua particular missão; a sua luz apagou-se. Os obsessores obtiveram êxito, atingiram o calcanhar de Aquiles do trabalhador espírita com poderosas e certeiras flechas mentais de depreciação e desdém!

Há outras artimanhas, inumeráveis, utilizadas por obsessores para desestruturar, enfraquecer e desestimular àqueles que incomodam os propósitos das Trevas, fazendo luz por onde passam em função de suas condutas nas trilhas da vida. As armadilhas são muitas, pois nossos calcanhares de Aquiles também o são. Cada qual, à semelhança de um conjunto de tomadas elétricas – suas debilidades íntimas -, quando não cuida de sua vida moral, expõe-se aos atilados olhos e ouvidos da espiritualidade inferior que, com habilidade, conecta-se e, através destas ligações fluídicas, inicia um lento processo de hipnose sugerindo de forma continuada ideias negativas e destituídas de qualquer valor, de modo a quebrar a resistência do obsidiado, levando-o a desistir das boas empreitadas.

Diante de quadro tão contundente, resta-nos vigiar de perto os nossos possíveis calcanhares de Aquiles, a fim de impedir ligações com as entidades por hora empobrecidas de valores morais pululando na densa atmosfera psíquica do planeta.

Para tanto, ocupemo-nos com utilidade o maior tempo possível, tanto mental, estudando sempre, quanto fisicamente, trabalhando em prol do próximo sempre que a oportunidade se apresente, hoje e sempre.

Referências

1 Disponível em:https://www.wikiwand.com/pt/Estige Acesso em 22 mai. 2020.

2 XAVIER, Francisco C. Ideias e ilustrações. Diversos Espíritos. 1.ed. Rio de Janeiro: Feb, 1970. Do desânimo – O Poder das Trevas. cap. 29. pág. 111.

DICA

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