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Conversas familiares de além-túmulo: O tambor de Bérésina

Revista Espírita, julho de 1858

Estando algumas pessoas reunidas conosco a fim de constatarem certas manifestações, os fatos seguintes se produziram, durante várias sessões, e deram lugar à entrevista que vamos narrar, e que apresenta um alto interesse do ponto de vista do estudo.

O Espírito se manifestou por pancadas, não com o pé da mesa, mas na substância da própria madeira. A troca de pensamentos que ocorreu, nesta circunstância, entre os assistentes e o ser invisível, não permitia duvidar da intervenção de uma inteligência oculta. Por outro lado, as respostas dadas a diversas perguntas, seja por sim e por não, seja por meio da tiptologia alfabética, os golpes batiam à vontade uma marcha qualquer, o ritmo de uma música, imitavam a fuzilaria e a canhonada de uma batalha, o barulho do tanoeiro, do sapateiro, fazendo o eco com uma admirável precisão, etc. Depois ocorreu o movimento de uma mesa e sua translação, sem nenhum contato das mãos, estando os assistentes afastados; uma saladeira, tendo sido colocada sobre a mesa, ao invés de girar, se pôs a deslizar em linha reta, igualmente sem o contato das mãos. Os golpes se faziam ouvir igualmente em diversos móveis do quarto, algumas vezes simultaneamente, outras vezes como se respondessem.

O Espírito parecia ter uma marcada predileção pelas pancadas do tambor, porque a elas voltava, a cada instante, sem que se lhe pedisse; frequentemente, em certas questões, em lugar de responder, ele batia a geral ou a chamada. Interrogado sobre várias particularidades de sua vida, disse chamar-se Celima, ter nascido em Paris, morrido há quarenta e cinco anos, e ter sido tocador de tambor.

Entre os assistentes, além do médium especial para influências físicas que servia nas manifestações, havia uma excelente médium escrevente que pôde servir de intérprete ao Espírito, o que permitiu obter respostas mais explícitas. Tendo confirmado, pela psicografia, o que dissera por meio da tiptologia, seu nome, o lugar do seu nascimento e a época da sua morte, lhe foi dirigida a série de perguntas seguintes, cujas respostas oferecem vários traços característicos e que corroboram certas partes essenciais da teoria.

1. Escrever-nos alguma coisa, é o que desejas? – R. Ran plan plan, Ran plan plan.

2. Por que escrevestes isso? – R. Eu era tocador de tambor.

3. Havias recebido alguma instrução? – R. Sim.

4. Onde fizeste teus estudos? – R. Nos Ignorantes.

5. Parece-nos ser jovial? – R. Eu o sou muito.

6. Disseste-nos uma vez que, durante tua vida amavas demais beber; isso é verdade? — R. Amava tudo o que era bom.

7. Eras militar? – R. Mas sim, porque eu era tocador de tambor.

8. Sob qual governo serviste? – R. Sob Napoleão o Grande.

9. Pode nos citar uma das batalhas a qual assististe? – R. A Bérésina.

10. Foi lá que morreste? – R. Não.

11. Estavas em Moscou? – R. Não.

12. Onde morreste? – R. Nas neves.

13. Em qual corpo servias? – R. Nos fuzileiros da guarda.

14. Amavas muito Napoleão, o Grande? – R. Como todos nós o amamos, sem saber por quê.

15. Sabes em que se tomou depois de sua morte? – R. Eu não me ocupei senão de mim depois de minha morte.

16. Estás reencarnado? – R. Não, uma vez que venho conversar convosco.

17. Por que te manifestaste por golpes sem que tivesses sido chamado? – R. É preciso fazer ruído para aqueles cujo coração não crê. Se não tendes o bastante, dar-vos-ei ainda mais.

18. É de tua própria vontade que vens bater, ou outro Espírito te forçou fazê-lo? – R. Foi pela minha vontade que vim; há um que chamais Verdade que pode forçar-me a isso também; mas, há muito tempo, eu queria vir.

19. Com qual objetivo desejavas vir? – R. Para conversar convosco; era o que eu queria; mas havia alguma coisa que me impedia. Fui forçado por um Espírito familiar da casa, que me convidou, a me tornar útil às pessoas que me pedissem responder. – Esse Espírito tem, pois, muito poder, uma vez que comanda assim os outros Espíritos? – R. Mais do que credes e não usa isso senão para o bem.

Nota. – O Espírito familiar da casa se fez conhecer sob o nome alegórico da Verdade, circunstância ignorada pelo médium.

20. O que te impedia vir? – R. Não o sei; alguma coisa que não compreendo.

21. Lamentas a vida? – R. Não, eu não lamento nada.

22. Preferes tua existência atual ou tua existência terrestre? -R. Prefiro a existência dos Espíritos à existência do corpo.

23. Por que isso? – R. Porque se está bem melhor do que na Terra; na Terra é o purgatório, e todo o tempo que vivi, desejei sempre a morte.

24. Sofres em tua nova situação? – R. Não; mas não sou ainda feliz.

25. Estarias satisfeito em ter uma nova existência corporal? -R. Sim, porque sei que devo elevar-me.

26. Quem te disse? – R. Eu o sei bem.

27. Estarás logo reencarnado? – R. Não o sei.

28. Vês outros Espíritos ao teu redor? – R. Sim, muitos.

29. Como sabes que são Espíritos? – R. Entre nós, nos vemos tal qual somos.

30. Sob qual aparência os vês? – R. Como se podem ver os Espíritos, mas não pelos olhos.

31. E tu, sob qual forma estás aqui? – R. Sob a que tinha durante a minha vida; quer dizer, de tamborileiro.

32. E vês os outros Espíritos, sob a forma que tinham em sua vida? – R. Não, não tomamos uma aparência senão quando somos evocados, de outro modo nos vemos sem forma.

33. Vês tão perfeitamente como se estivesses vivo? – R. Sim, perfeitamente.

34. É pelos olhos que nos vês? – R. Não; temos uma forma, porém, não temos sentidos; nossa forma não é senão aparente.

Nota. – Seguramente, os Espíritos têm sensações, uma vez que percebem, de outro modo seriam inertes; mas suas sensações não estão localizadas como quando têm um corpo: elas são inerentes a todo o seu ser.

35. Diga-nos, positivamente, em que lugar estás aqui? – R. Estou perto da mesa, entre o médium e vós.

36. Quando bates, estás sobre a mesa, ou acima, ou na espessura da madeira? – R. Estou ao lado; não me coloco na madeira: basta que toque a mesa.

37. Como produzes os ruídos que fazes ouvir? – R. Creio que por uma espécie de concentração de nossa força.

38. Poderias nos explicar o modo pelo qual produzes os diferentes ruídos que imitas, as arranhaduras, por exemplo? – R. Não saberia precisar muito a natureza dos ruídos: é difícil explicar. Sei que se arranha, mas não sei explicar como se produz esse ruído que chamais arranhadura.

39. Poderias produzir os mesmos ruídos com qualquer outro médium? – R. Não, há especialidades em todos os médiuns; nem todos podem agir do mesmo modo.

40. Vês entre nós algum, além do jovem S… (o médium de influências físicas pelo qual esse Espírito se manifestou), que poderia te ajudar a produzir os mesmos efeitos? – R. Não o vejo no momento; com ele estou muito disposto a fazer.

41. Por que com ele antes que com um outro? – R. Porque eu o conheço muito, e que também é mais apto, do que um outro, para esse gênero de manifestações.

42. Tu o conheces de tempos antigos; antes de sua existência atual? – R. Não; não o conheço senão há pouco tempo; fui de algum modo atraído para ele, para dele fazer meu instrumento.

43. Quando uma mesa se eleva no ar sem ponto de apoio, o que é que a sustenta? – R. Nossa vontade que lhe ordenou obedecer, e também o fluido que lhe transmitimos.

Nota. – Essa resposta vem em apoio da teoria que nos foi dada, e que reportamos nos números. 5 e 6 desta Revista (Revista Espírita), sobre a causa das manifestações físicas.

44. Poderias fazê-lo? – R. Penso; tentarei quando o médium vier. (Ele estava ausente nesse momento.)

45. De quem isso depende? – R. Isso depende de mim, uma vez que me sirvo do médium como instrumento.

46. Mas a qualidade do instrumento não é importante? – R. Sim, me ajuda muito, já disse que não poderia fazê-lo com outros hoje.

Nota. – No correr da sessão tentou-se o erguimento da mesa, mas não se conseguiu, provavelmente porque não se pôs nisso bastante perseverança; houve esforços evidentes e movimentos de translação sem contato nem imposição das mãos. Entre as experiências que foram feitas, fez-se a de abertura da mesa; do lado do acréscimo, essa mesa oferecia muita resistência devido a sua má construção, foi posta de um lado, ao passo que o Espírito pegava de outro e a fazia abrir.

47. Por que, outro dia, os movimentos da mesa se detinham cada vez que um de nós tomava a luz para olhar debaixo? – R. Porque queria punir vossa curiosidade.

48. Com o que te ocupas em tua existência de Espírito, por que, enfim, não passas todo o teu tempo a bater? – R. Frequentemente, tenho missões a cumprir; devemos obedecer às ordens superiores, e, sobretudo, quando temos bem a fazer pela nossa influência sobre os humanos.

49. Tua vida terrestre não foi, sem dúvida, isenta de faltas; reconhece-as agora? – R. Sim, as expio justamente permanecendo estacionário entre os Espíritos inferiores; não poderei me purificar mais senão quando tomar um outro corpo.

50. Quando fazias ouvir golpes em um outro móvel, ao mesmo tempo que na mesa, eras tu que os produzias ou um outro Espírito? – R. Era eu.

51. Estavas só, portanto? – R. Não, mas eu realizava sozinho a missão de bater.

52. Os outros Espíritos que ali estavam, ajudavam de algum modo? – R. Não para bater, mas para falar.

53. Então não eram Espíritos batedores? – R. Não, a Verdade não permitia senão a mim bater.

54. Os Espíritos batedores, algumas vezes, não se reúnem em maior número, a fim de terem mais força para produzirem certos fenômenos? – R. Sim, mas para aquilo que queria fazer, posso fazê-lo sozinho.

55. Em tua existência espírita, estás sempre na Terra? – R. O mais frequentemente, no espaço.

56. Algumas vezes vais para outros mundos, quer dizer, em outros globos? – R. Não nos mais perfeitos, mas em mundos inferiores.

57. Algumas vezes, te divertes vendo e ouvindo o que fazem os homens? – R. Não; algumas vezes, todavia, deles tive piedade.

58. Quem são aqueles junto aos quais vais de preferência? – R. Aqueles que querem crer de boa-fé.

59. Poderias ler os nossos pensamentos? – R. Não, eu não leio nas almas; não sou bastante perfeito para isso.

60. Entretanto, deves conhecer os nossos pensamentos, uma vez que vens entre nós; de outro modo, como poderias saber se cremos de boa-fé? -R. Eu não leio, mas ouço.

Nota. – A questão 58 tinha por objetivo perguntar quais são aqueles junto aos quais ele vai de preferência espontaneamente, em sua vida de Espírito, sem ser evocado; pela evocação ele pode, como Espírito de uma ordem pouco elevada, ser constrangido a vir mesmo em um meio que lhe desagrade. Por outro lado, sem ler, propriamente falando, nossos pensamentos, certamente, poderiam ver que as pessoas não estavam reunidas senão para um objetivo sério, e pela natureza das questões e das conversações que ele ouvia, julgar que a assembleia era composta de pessoas sinceramente desejosas de se esclarecerem.

61. Encontraste, no mundo dos Espíritos, alguns dos antigos camaradas de armas? – R. Sim, mas suas posições eram tão diferentes, que não reconheci a todos.

62. Em que consistia essa diferença? – R. Na ordem feliz ou infeliz de cada um.

62. Que disseste em vos reencontrando? – R. Eu lhes disse: Vamos elevar-nos até Deus, que o permite.

63. Como entendias subir até Deus? – R. Um degrau a mais superado, é um degrau a mais até Ele.

64. Disseste-nos que morreste nas neves, em consequência, morreste de frio? – R. De frio e de necessidade.

65. Tiveste, imediatamente, ciência de sua nova existência? -R. Não, mas não tinha mais frio.

66. Algumas vezes, retomaste ao lugar onde deixaste teu corpo? – R. Não, ele me fizera sofrer muito.

67. Nós te agradecemos as explicações que consentiste nos dar; elas nos forneceram úteis objetos de observação para nos aperfeiçoarmos na ciência Espírita? – R. Estou às vossas ordens.

Nota. – Esse Espírito, como se vê, é pouco avançado na hierarquia espírita: ele mesmo reconhece sua inferioridade. Seus conhecimentos são limitados; mas há nele bom senso, sentimentos honoráveis e benevolência. Sua missão, como Espírito, é bastante ínfima, uma vez que desempenha o papel de Espírito batedor para chamar os incrédulos à fé; mas, no próprio teatro, o próprio traje de comparsa não pode cobrir um coração honesto? Suas respostas têm a simplicidade da ignorância; mas, por não terem a elevação da linguagem filosófica dos Espíritos superiores, não são menos instrutivas como estudo dos costumes espíritas, se assim podemos nos exprimir. É somente estudando todas as classes desse mundo que nos espera, que se pode chegar a conhecê-lo, e, de algum modo, nele marcar antecipadamente o lugar que cada um de nós pode aí ocupar. Vendo a situação que se prepararam, por seus vícios e suas virtudes, os homens que foram nossos iguais nesse mundo, é um encorajamento para nos elevar, o mais possível, desde este: é o exemplo ao lado do preceito. Não é demasiado repetir que para bem conhecer uma coisa, e dela se fazer uma ideia isenta de ilusões, é preciso vê-la sob todas as suas faces, do mesmo modo que o botânico não pode conhecer o reino vegetal senão observando desde o modesto criptogâmo escondido sob o musgo, até o carvalho que se eleva nos ares.

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