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Impaciente x Aborrecente

Autor: Rogério Miguez

Incontáveis textos espíritas têm sido escritos sobre a família. Dada a sua inegável importância, variados aspectos desta instituição vêm sendo analisados, comentados, explorados, visando melhor entender todas as suas nuances. Justifica-se assim, plenamente, a abordagem frequente do tema para o nosso máximo esclarecimento e conscientização da necessidade de aproveitamento das inúmeras oportunidades de crescimento oferecidas pela organização familiar. Notória lei de Deus, consagrada pelo Espiritismo, como não poderia deixar de ser, estabelece o mecanismo básico mais adequado a promover o progresso dos Espíritos. Tal foi também a preocupação de Allan Kardec, ao registrar em O Livro dos Espíritos1:

“Qual seria, para a sociedade, o resultado do relaxamento dos laços de família?

Uma recrudescência do egoísmo.”

Dentre as possíveis posições ocupadas por Espíritos no seio de uma família, considerando o sentido estrito, existem a de pais ou filhos, quando respeitadas, possibilitam também a continuação regular da espécie, atendendo a outra importante lei divina, a da reprodução.

Antes da reencarnação, geralmente, há acertos entre Espíritos, empenhando-se já do lado de lá a manter e estruturar mais uma família. Estes compromissos têm as suas raízes na lei de Ação e Reação, ou seja, nas diversas interações e vivências comuns entre estes Espíritos em outras muitas vidas, que agora determinam ajustes e resgates entre todos. Contudo, ao chegar à Terra, após mais um reingresso na carne, acontece a benção do provisório esquecimento do passado2, e os familiares, mesmo reiteradamente avisados pela voz da consciência e regularmente orientados pelos seus guias espirituais, em muitos casos  acabam por negligenciar seus compromissos, relaxando os cuidados devidos nos relacionamentos familiares, tornando estes últimos problemáticos a ponto de causar, quando não bem vivenciados, a ruptura total ou a quebra parcial do organismo familiar, com prejuízos claros para os componentes do grupo e para a sociedade.

Futuros pais, se obrigam a bem orientar certos Espíritos quando sob sua guarda temporariamente permanecerão encarnados, todavia, alguns se impaicientam, agindo de forma quase passional, quando não há o atendimento de suas particulares expectativas em relação à prole, esquecidos da realidade, pois, seus rebentos, de fato, não lhes pertencem, antes são filhos de Deus foram criados originalmente por Ele. Não se lembram, da mesma forma que os filhos são Espíritos independentes com extensa bagagem particular forjada em muitas vidas, sendo em alguns casos mais antigos do que os próprios genitores. Estes filhos agora detêm tendências e inclinações inatas construídas em vivências passadas, quando estiveram integrando outros agrupamentos familiares. Elaboraram gradativamente traços de personalidade a se manifestarem espontaneamente, sem terem sido incentivados ou recebido quaisquer exemplos paternos. Nem sempre, estes traços antigos de caráter são positivos, daí a necessidade imperiosa dos pais em primar pela mansidão e pela pacificação.

Os filhos, por sua vez, de igual modo, não se recordam de seus pais como aqueles mesmos compromissados a tentar (re)orientá-los dentro de suas possibilidades, tornando-se rebeldes a todas as tentativas de (re)educação por parte dos impaicientes, transformando-se, pouco a pouco, em consequência, em alguns casos, nos assim conhecidos aborrecentes. Tornam-se avessos a tudo, contestam os continuados esforços dos pais em aconselhá-los, alegando melhor preparo para a vida. Os pais são considerados antigos, obsoletos, arcaicos para uma vida moderna e tecnológica, tal qual se apresenta contemporaneamente.

Este “conflito” parece não ter solução, considerando, à primeira vista, tudo indicar a existência constante de um enorme fosso de entendimento e possível intransigência, entre uns e outros, oriundo do próprio progresso do planeta, ao avançar rapidamente e, bem como, do possível progresso realizado na erraticidade. Ora, se os Espíritos formadores da família se encontrarão sempre razoavelmente defasados em evolução, é de se esperar embates contínuos entre gerações a se repetirem indefinidamente.

Entretanto, felizmente, este não é o caso, pois na medida da aproximação dos Espíritos na escala evolutiva, em função de seus esforços – e isto faz parte da programação de Deus -, as gritantes diferenças tornam-se cada vez menores, não criando mais tantos desentendimentos entre genitores e filhos. Nós, Espíritos eternos, à parte certos períodos de estacionamento, estamos em evolução contínua, aparando deste modo as arestas a se apresentarem por ora bem ásperas, características marcantes do mundo de provas e expiações onde vivemos, mas, em vias de se tornar mundo de regeneração.

Além disso, dependendo de como pais e filhos se conduzem, no ambiente familiar, sendo mais brandos e cuidadosos mutuamente, agindo com mais compaixão, os conflitos de origem cármica, muitas vezes, se atenuam, podendo mesmo desaparecer. Nada nos obriga a agir desta ou daquela forma, temos livre-arbítrio; deste modo, mesmo apresentando-se a possível lacuna de entendimento entre familiares, estes podem superar os atritos pelo exercício continuado das muitas virtudes conhecidas.

A propósito, tudo indica ser a Paciência uma das mais importantes virtudes para o sucesso da família, que deve ser entendido como convivência harmônica com aproveitamento das oportunidades de crescimento propiciadas pelo grupo familiar. Sobre esta nobre virtude há posição de muita sabedoria, expressa por Vinícius, em seu livro Em torno do mestre3. Nesta obra o autor, certamente inspirado, esclarece sobre o conhecido dito popular: perdi a paciência. Esta expressão, usada tão corriqueiramente por todos quando se configura situação de acentuado desconforto ou atrito e explodimos em revolta, não se sustenta, considerando que só se perde o que se tem. Ao desenvolver virtudes, seja qual for, diz a lei de Deus não ser possível o desaparecimento destas conquistas da intimidade do ser; não mais se apagam, mesmo após os continuados processos de desencarnação e reencarnação. Virtude é tesouro inalienável, é um dos dois exemplos daquilo a ser seguramente levado desta vida, o outro são as conquistas do intelecto. Neste particular caso, o uso correto da expressão popular deveria ser: ainda sou impaciente! Não detenho a virtude da paciência!

No relacionamento entre pais e filhos, cabe aos primeiros, em princípio, a maior responsabilidade de encaminhamento de solução nos conflitos familiares. Pelo fato de terem sido aceitos ou se apresentado como futuros educadores de outros Espíritos, isso indica um preparo maior, pois Deus não designaria, pelas suas leis sábias, Espíritos despreparados para, sob sua guarda, ensinar outros Espíritos, durante uma vida. Não seria prudente. Ademais, os progenitores já tiveram também a escola do mundo para se preparar, encontrando-se, em tese, em melhores condições para orientar os filhos, através do entendimento de aspectos da vida já absorvidos, contudo, novas situações para os seus descendentes.

Para o triunfo da família, neste caso em análise, como em outros, deve existir muita tolerância de ambos os lados, compreensão mútua, respeito às individualidades, às bagagens de experiência de uns e outros, afinal cada qual em sua posição na família pode aprender com o outro. O êxito em família, igualmente, não de deve esquecer, depende muitíssimo do exercício continuado do amor, virtude máxima que tudo conquista, tudo pode e engloba todas as outras.

A tarefa é grave e de muita responsabilidade, e para não acreditar-se ser a paternidade ou a maternidade mera situação biológica e passageira, basta recordar o livro Família4, quando Emmanuel elucida ser o lar o local onde recebemos o nosso primeiro mandato de serviço cristão. Poderíamos acrescentar para todos os desejosos em conhecer as suas particulares missões nesta vida que, a organização familiar, seja na paternidade seja na maternidade, representa a primeira missão para Espíritos reencarnados.

Há seguramente outros possíveis caminhos para vencer em família, entretanto, podemos com certeza afirmar serem as atitudes sugeridas abaixo, acertadas providências nos auxiliando a alcançar este desiderato:

  • Sejamos menos impaicientes!
  • Sejamos mais compaissivos!
  • Sejamos menos paissionais!

Paicifiquemos, agindo com regular mãessidão.

1 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Guillon Ribeiro. 69. ed. Rio de Janeiro: FEB Editora, 1987. Parte 3ª, cap. VII, q.775.

2 Reformador, ano 130, n, 2197, p. 32-34, Abril, 2012.

3 Vinicius (pseudônimo de Pedro de Camargo). Em torno do mestre. 5. ed. Rio de Janeiro: FEB Editora, 1985. p. 24 a 26.

4 XAVIER, Francisco C. Família. Espíritos Diversos. 1. ed. São Paulo: CEU, 1981. p. 24.

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