Autor: Rogério Miguez
Recentemente, a Humanidade enfrentou uma pandemia devastadora por conta da propagação do vírus covid-19. A ameaça ainda não terminou em função do surgimento de novas mutações do vírus e ainda ocorrem mortes. Além disso, também estão mais sujeitos a desencarnar todos aqueles que se recusaram em usar a ciência para se imunizar, por razões variadas, não tomando nenhuma das vacinas desenvolvidas com este objetivo, até os dias presentes, por incrível que pareça.
Estima-se que tenham ocorrido quinze milhões de mortes por conta desta pandemia.1
Para se ter uma ideia da devastação provocada por essa criatura, durante os seis anos de duração da Segunda Guerra Mundial, houve entre sessenta e setenta milhões de mortes, em números conservadores, ou seja, o covid-19 ceifou aproximadamente o equivalente a um quarto de vidas do que foi registrado durante um conflito armado entre dezenas de nações, que usaram todos os tipos de armamentos conhecidos inclusive com o emprego de artefatos nucleares.2
A Humanidade desconhecia o grau de letalidade do vírus e o seu desfecho final, mas, mesmo assim, por temor, as famílias se isolaram por muito tempo em suas residências e os efeitos colaterais danosos, como violência doméstica, pedofilia, os casos de depressão aumentaram significativamente, entre tantos, causando outro prejuízo incomensurável às sociedades.
Este verdadeiro pavor não deixou de atingir os espíritas que fecharam rapidamente as portas dos Centros, uma atitude razoável e esperada, contudo, por medo de morrer, recusaram-se a abri-las, mesmo depois de outras vertentes religiosas já estarem funcionando normalmente, pois, a ciência, respondendo prontamente a esse novo desafio do século XXI, por meio do desenvolvimento de variadas vacinas, já havia tornado possível a imunização da grande maioria dos que quiseram ser vacinados, diminuindo consideravelmente a probabilidade, após a contaminação, do paciente chegar a óbito.
Esta atitude de ponderação e bom senso, mas de relativo descuido com os adeptos quando se percebeu que o perigo maior já havia passado, culminou em um verdadeiro desastre para o Movimento, pois os efeitos se fizeram vivos logo após algumas tímidas instituições começarem a abrir suas portas, eventualmente, apavoradas.
Isso tudo aconteceu em dois anos e foi o suficiente para fechar incontáveis instituições, algumas que se viram privadas das contribuições financeiras de seus frequentadores e sócios usadas para fazer face aos aluguéis dos imóveis, afastando inúmeros trabalhadores e frequentadores que passaram a preferir assistir o Espiritismo de suas confortáveis poltronas em suas residências por meio de intermináveis lives.
É fato que a produção dessas lives mantiveram os espíritas conectados. Elas foram de inegável valor, mas, houve excesso, pois os prejuízos são contados até hoje por desanimados espíritas que fugiram das casas intrigados com esta conduta ímpar: afinal, os espíritas têm mais medo de morrer do que outros religiosos?
Qual foi o exemplo dado aos materialistas e descrentes ao saber que alguns religiosos que defendiam com fervor a existência de Deus, a imortalidade da alma, a realidade da reencarnação, a pluralidade dos mundos habitados, a comunicabilidade entre vivos e mortos, por medo excessivo, se esconderam, iludidos de que não poderiam morrer caso estivessem trancafiados em suas confortáveis casas? E mais, as pessoas já frequentavam normalmente os supermercados, farmácias, salões de beleza, cinemas, contudo, supreendentemente várias agremiações espíritas ainda mantinham suas portas cerradas!
Surgiu, por parte de alguns, a explicação de que o espírita, por conta de seu entendimento privilegiado sobre a importância capital do corpo físico – ferramenta de progresso do Espírito imortal oferecida pela divindade -, justificaria, plenamente, a medida de exceção de trancar as portas das instituições espíritas até que seus coordenadores e diretores se sentissem seguros e confiantes de que não morreriam, alguns, aparentemente, despreocupados com o povo que já se inquietava com esta estranha atitude.
Argumentou-se ainda que o procurado passe magnético poderia ser ministrado a distância, não sendo necessária a presença física do frequentador. É fato a irradiação de fluidos se dá por muitos meios, contudo, se essa era a justificativa para manter a instituição fechada ao público, então podemos encerrar com as atividades de passes presenciais, pois se este argumento valia naquela ocasião, também deveria valer a partir do fim da pandemia. Citamos apenas esse raciocínio para reflexão, embora saibamos que as atividades de passes estão tão profundamente enraizadas no imaginário das pessoas que, no momento, é preciso atuar presencialmente, pois muitos já estão condicionados a essa prática.
Foi uma situação singular.
Entretanto, caso fossem observadas detidamente algumas orientações vindas do Alto, registradas na rica literatura espírita, há bom tempo, teriam condições de se opor à ideia de que estariam seguros em suas residências, imunes ao vírus que penetrou todos os recintos, sem exceção e sem pedir licença. A pequena criatura podia se fazer e se fez presente em qualquer lugar, como vimos, mesmo que as portas de acesso estivessem trancadas a sete chaves!
Uma destas referências se encontra em obra datada de 1956, há mais de sessenta anos:3
É preferível que a morte nos surpreenda em serviço, a esperarmos por ela numa poltrona de luxo.
É no mínimo curiosa a advertência do sábio Emmanuel sobre a necessidade premente de se fazer o bem a qualquer custo, trocando a poltrona pelo trabalho em prol dos semelhantes, mesmo que isso nos custe a vida, tão passageira e tão efêmera, infelizmente, proposta inaceitável para Espíritos ainda muito distanciados do correto entendimento das leis divinas.
Há também esta orientação de 1964:4
Mais vale chegar ao termo da jornada evangélica de coração ralado, pés feridos e mãos calejadas, a sós, mas tranquilo, do que ser surpreendido pela desencarnação bem acondicionado no prazer e cercado de amigos que, no entanto, nada poderão fazer por ti, em relação à consciência em despertamento no pórtico da Imortalidade.
Outro contundente aviso sobre a possibilidade da morte nos visitar e nos encontrar abrigados do frio e das dificuldades do dia a dia, iludidos sobre os verdadeiros objetivos da vida e do controle de Deus sobre a Sua criação.
Existe mais uma publicação de 1973 em uma mensagem intitulada, sugestivamente, de: O ponto certo5.
Ainda quando filosofias negativistas nos tenham desfigurado o raciocínio ou palavra, se o perigo nos ameaça, secreta intuição nos afirma que Deus zela por nós e para Deus nos voltamos de imediato.
Enquanto isso ocorre, vale pensar na forma aconselhável e justa de nos encomendarmos ao Criador.
Decerto que muitas maneiras existem de preparar semelhante ato de confiança, tais como a oração que sublima e o estudo que esclarece, o trabalho que realiza e o entendimento que reconforta; entretanto, o modo único de nos dirigirmos corretamente ao Pai que está nos Céus, é aquele da prática do bem.
Não nos iludamos.
Mais dia, menos dia, todos sofrem. (grifos nossos)
É oportuno lembrar que a morte é certa para todos, entretanto, jamais imaginarmos que, por conta dessa certeza, deveríamos agir com descuido, aumentando a probabilidade de desencarnar antes do tempo, pois isso sim representaria o conhecido suicídio indireto. Contudo, há uma distância imensa entre se manter escondido do trabalho em nome da preservação da vida e a fé que devemos manter em Deus, sabendo que, trabalhando em prol do próximo, temos uma adicional defesa e, se, por acaso, advier a morte, ela estava por vir, independentemente, se estamos enclausurados em nossas casas ou não. A propósito, grafamos por acaso em itálico em função do espírita estar plenamente informado de que o acaso não existe nas leis divinas. Existem muitas referências sobre esse princípio de Deus, tais como6:
Que se deve pensar da opinião dos que atribuem a formação primária a uma combinação fortuita da matéria, ou, por outra, ao acaso?
“Outro absurdo! Que homem de bom-senso pode considerar o acaso um ser inteligente? E, demais, que é o acaso? Nada.”
Ou essa citação de André Luiz7:
Libertar-se das cadeias mentais oriundas do uso de talismãs e votos, pactos e apostas, artifícios e jogos de qualquer natureza, enganosos e prescindíveis.
O espírita está informado de que o acaso não existe.
Dizem que o pior já passou, mas as lições oferecidas à Humanidade por essa criatura devem permanecer vivas por muito tempo, pois já foi dito que: Esquecer o passado é correr o risco de repetir os mesmos erros.
A melhor forma de demonstrarmos a nossa crença se dá pelo exemplo e, neste particular caso em exame, seria oportuno meditarmos detidamente no ocorrido, pois estas chamadas desgraças, nada mais representam do que verificações de aprendizado, por meio de provas e contundentes expiações.
O autor da Doutrina Espírita foi chamado pelo seu seguidor Camille Flamarion, ao pé de seu túmulo, de o bom senso encarnado. Quem sabe se essa virtude que caracterizou o Mestre de Lyon, entre tantas outras, poderia também se fazer mais presente no Movimento Espírita atual para o bem do Espiritismo e desta ínfima parte da Humanidade Universal?
Referências
1 GRIMLEY, Naomi; CORNISH, Jack; STYLIANOU, Nasso. Número real de mortes por covid no mundo pode ter chegado a 15 milhões, diz OMS.
BBC News Brasil, 5 mai. 2022. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-61332581. Acesso em: 18 nov. 2024.
2 SILVA, Daniel Neves. Segunda Guerra Mundial. Brasil Escola, [S.d.]. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/historiag/segunda-guerra-mundial.htm. Acesso em: 18 nov. 2024.
3 XAVIER, Francisco Cândido. Fonte viva. Pelo Espírito Emmanuel. ed. 1. imp. 1. Brasília/DF: FEB, 2022. Estímulo fraternal. cap. 73.
4 FRANCO, Divaldo Pereira. Messe de amor. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. ed. 8. Salvador/BA: LEAL, 2005. Mesmo assim. cap. 24.
5 XAVIER, Francisco Cândido. Segue-me. Pelo Espírito Emmanuel. ed. 15. Matão/SP: O Clarim, 2014. O ponto certo. cap. 20.
6 KARDEC, Allan.O Livro dos Espíritos. Tradução Guillon Ribeiro. ed. 69. Rio de Janeiro/RJ; FEB, 1987. q. 8.
7 VIEIRA, Waldo. Conduta espírita. Pelo Espírito André Luiz. ed. 13. Rio de Janeiro/RJ: FEB, 1987. Perante nós mesmos. cap. 18.




