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Evocação: Plínio, o moço

Revista Espírita, março de 1859      

“O ócio que desfrutamos vos permite ensinar e me permite aprender. Gostaria, pois, muito de saber se os fantasmas têm alguma coisa de real, se têm uma verdadeira aparência, se são gênios, ou se não são senão vãs imagens que se traçam numa imaginação perturbada pelo medo. O que me inclina a crer que há verdadeiros espectros, é o que se me disse haver ocorrido a Curtius Rufus. No tempo em que ainda estava sem fortuna e sem nome, seguira na África aquele que o governo lhe havia escolhido. No declínio do dia, passeava sob um pórtico, quando uma mulher, de um talhe e de uma beleza mais do que humanas apresentou-se lhe: “Eu sou a África, disse ela. Venho predizer-te o que te deve acontecer. Tu irás a Roma, exercerás os maiores cargos, e retornarás, em seguida, para governar esta província, onde morrerás.”

Tudo aconteceu como ela havia predito. Conta-se mesmo que, ancorando em Cartago, e saindo de sua nave, a mesma figura se apresentou diante dele, e veio ao seu encontro sobre a margem.

“O que há de verdade, é que caiu doente, e que, julgando o futuro pelo passado, a infelicidade que o ameaçava pela boa fortuna que havia provado, desesperou-se primeiro de sua cura, apesar da boa opinião que os seus dele conceberam.

“Mas eis uma outra história, que não vos parecerá menos surpreendente, e que é bem mais horrível. Eu lhe darei tal como a recebi.

– Havia em Atenas uma casa muito grande e muito habitável, mas desacreditada e deserta. No profundo silêncio da noite, ouvia-se um ruído de ferros, e, se se aplicasse o ouvido com mais atenção, um ruído de correntes, que parecia primeiro vir de longe e, em seguida, se aproximar. Logo via-se um espectro parecido com um velho, muito magro, muito abatido, que tinha uma longa barba, cabelos eriçados, ferros nos pés e nas mãos, que sacudia horrivelmente. Daí, noites horríveis e sem sono para aqueles que habitavam essa casa. A insônia, com o tempo, trazia a doença, e a doença aumentando o medo, era seguida da morte. Porque durante o dia, embora o espectro não aparecesse mais, a impressão que dera o remetia sempre diante dos olhos e o medo passado gerava um novo. Por fim, a casa foi abandonada, e deixada inteiramente ao fantasma. Colocou-se lhe, todavia, uma placa para advertir que estava para alugar ou à venda, no pensamento de que alguém, pouco instruído de um desconforto tão terrível, poderia ser enganado.

O filósofo Atenodoro veio a Atenas. Percebendo a placa, perguntou o preço. A modicidade colocou-o em desconfiança, e se informou. Foi-lhe contada a história, e longe de fazê-lo romper sua compra, a contratou sem demora. Ali se alojou, e à tarde ordenou que levantassem sua cama no quarto da frente, que trouxessem suas tabuinhas, sua pena e a luz, e que as pessoas se retirassem para o fundo da casa. Ele, com medo que sua imaginação não fosse ao sabor de um medo frívolo se figurar fantasmas, aplicou seu espírito, seus olhos e sua mão em escrever. No começo da noite um profundo silêncio reinava nessa casa, como por toda parte alhures. Em seguida, ouviu ferros se entrechocarem, correntes se chocarem; não levantou os olhos, não deixou sua pena; firmou-se e se esforçou em impor-se aos seus ouvidos. O ruído aumentou, aproximou-se; parecia que estava perto da porta do quarto. Ele olhou e percebeu o espectro, tal como lhe haviam pintado. Esse espectro estava de pé e o chamava com o dedo. Atenodoro fez-lhe sinal com a mão para esperar um pouco, e continuou a escrever como se nada houvesse. O espectro recomeçou seu tumulto com suas correntes, que fazia soar nos ouvidos do filósofo. Este olhou ainda uma vez, e viu que ele continuava a chamá-lo com o dedo. Então, sem mais tardar, levantou-se, tomou a luz e seguiu. O fantasma caminhou com passo lento, como se o peso das correntes o sobrecarregasse. Chegados ao pátio da casa, ele desapareceu de repente, e deixou nosso filósofo, que recolheu ervas e folhas, e as colocou no lugar onde ele o havia deixado, para poder reconhecê-lo. No dia seguinte, foi procurar os magistrados e suplicou-lhes ordenar que se escavasse naquele lugar. Foi feito; encontraram-se ossos ainda envolvidos em correntes; o tempo havia consumido as carnes. Depois que foram reunidos cuidadosamente, foram sepultados publicamente e, depois que se deu ao morto os últimos deveres, ele não perturbou mais o repouso dessa casa.

“O que acabo de contar, eu o creio sobre a fé de outro. Mas, eis o que posso assegurar aos outros sobre a minha. – Tenho um liberto chamado Marcus, que não é sem saber. Havia deitado com seu irmão mais novo. Pareceu-lhe ver alguém sentado sobre sua cama, e que aproximava a tesoura de sua cabeça e mesmo lhe cortava cabelos acima de sua fronte. Quando fez luz, percebeu que tinha o alto da testa liso, e seus cabelos foram encontrados esparramados perto dele. Pouco depois, semelhante aventura tendo ocorrido com um dos meus criados, não me permite mais duvidar da verdade do outro.

Um dos meus jovens escravos dormia com os companheiros, no lugar que lhes está destinado. Dois homens vestidos de branco (foi assim que contou) vieram pelas janelas, rasparam-lhe a cabeça enquanto dormia, e retornaram como tinham chegado. No dia seguinte, quando chegou o dia, encontrou-se raspado, como se encontrara o outro, e os cabelos que lhe foram cortados, esparsos sobre o soalho.

“Essas aventuras não teriam nenhuma consequência, se eu não fora acusado, diante de Domitien, sob cujo reinado elas ocorreram. Eu não teria escapado, se ele vivesse, porque se encontrou, em sua pasta para papéis, um requerimento contra mim, feito por Carus. Daí pode-se conjecturar que, como o costume dos acusados é negligenciar seus cabelos, e deixa-los crescer, aqueles que o haviam cortado aos meus criados, assinalavam que eu estava fora de perigo. Suplico-vos, pois, colocar toda a vossa erudição em ação. O assunto é digno de uma meditação profunda e, talvez, não seja indigno de que me partilheis vossas luzes. Se, segundo vosso costume, balançardes as duas opiniões contrárias, fazei, todavia, com que a balança penda de algum lado, para tirar-me da inquietação na qual estou, porque não vos consulto senão para nela não mais estar. -Adeus.”

Resposta de Plínio, o Moço, às perguntas que lhe foram endereçadas, na sessão da Sociedade de 28 de janeiro de 1859.

1. Evocação. – Resp. Falai; eu responderei.

2. Embora estejais morto há 1743 anos, tendes a lembrança de vossa existência em Roma, ao tempo de Trajano? – R. Por que, pois, nós Espíritos não poderíamos nos lembrar? Lembrai-vos bem dos atos de vossa infância. O que é, pois, para o Espírito, uma existência passada, senão a infância das existências pelas quais deveremos passar, antes de atingirmos o fim de nossas provas. Toda existência terrestre, ou envolvida no véu material, é uma aproximação com o éter, e, ao mesmo tempo, uma infância espiritual e material; espiritual, porque o Espírito está, ainda, no início das provas; material, porque ele não faz senão entrar nas fases grosseiras pelas quais deve passar para se depurar e se instruir.

3. Poderíeis dizer-nos o que fizestes desde essa época? – R. O que fiz, seria bem longo; procurei fazer o bem; não quereis, sem dúvida, passar horas inteiras à espera que eu termine; contentai-vos, pois, com uma resposta; eu o repito, procurei fazer o bem, instruir-me, conduzir criaturas terrestres e errantes a se aproximarem do Criador de todas as coisas; daquilo que nos dá o pão da vida espiritual e material.

4. Que mundo habitais? – R. Pouco importa; estou um pouco por toda parte: o espaço é o meu domínio, e o de muitos outros. Essas são perguntas às quais um Espírito, sábio e esclarecido da luz santa e divina, não deve responder, ou somente em ocasiões muito raras.

5. Em uma carta que escrevestes a Sura, narrastes três fatos de aparições; lembrai-vos delas? – R. Eu as sustento porque foram verdadeiras; todos os dias, tendes fatos semelhantes aos quais não prestais atenção; são muito simples mas, na época em que vivi, tê-lo-íamos achado surpreendentes; vós, vós não deveis vos espantar com isso; deixai, pois, de lado essas coisas, tende-as mais extraordinárias.

6. Temos, todavia, o desejo de dirigir-vos algumas perguntas a esse respeito. – R. Uma vez que vos responda de maneira geral, isso deverá vos bastar; entretanto, fazei-as, se o desejais absolutamente; serei lacônico em minhas respostas.

7. No primeiro fato, uma mulher apareceu a Curtius Rufus e disse-lhe que ela era a África. Quem era essa mulher? – R. Uma grande figura; parece-me que era muito simples para homens esclarecidos, tais como aqueles do século XIX.

8. Qual motivo fazia agir o Espírito que apareceu a Atenodoro, e por que esse ruído de correntes? – R. Figura da escravidão, manifestação; meio de convencer os homens, de chamar sua atenção fazendo falar da coisa, e de provar a existência do mundo espiritual.

9. Defendestes, diante de Trajano, a causa dos cristãos perseguidos; foi por um simples motivo de humanidade ou por convicção da verdade de sua doutrina? – R. Eu tinha os dois motivos; a humanidade não caminhava senão em segunda linha.

10. Que pensais de vosso panegírico de Trajano? – R. Haveria necessidade de ser refeito.

11. Escrevestes uma história de vosso tempo, ela perdeu-se; ser-vos-ia possível reparar essa perda lhe ditando? – R. O mundo dos Espíritos não se manifesta especialmente para estas coisas; tendes essas espécies de manifestações e elas têm seu objetivo; são tantas estacas semeadas à direita e à esquerda sobre o grande caminho da verdade, mas deixai fazer e não vos ocupeis disso consagrando-vos aos vossos estudos; cabe a nós o cuidado de ver e de julgar o que importa que saibais; cada coisa tem seu tempo; não vos desvieis, pois, da linha que vos traçamos.

12. É aprazível fazer justiça às vossas boas qualidades e, sobretudo, ao vosso desinteresse. Diz-se que não exigíeis nada de vossos clientes pelos vossos discursos; esse desinteresse era tão raro em Roma quanto o é entre nós? – R. Não bajuleis minhas qualidades passadas: não as tenho mais. O desinteresse não é quase nada de vosso século; em duzentos homens tendes apenas um ou dois verdadeiramente desinteressados; sabeis que o século está para o egoísmo e o dinheiro. Os homens do presente são edificados com a lama e se revestem de metal. Antigamente havia coração, valor pessoal entre os Antigos, agora não há senão o lugar.

13. Sem absolver nosso século, parece-nos, entretanto, que vale ainda mais que aquele em que vivestes, aquele onde a corrupção estava em seu auge, e onde a delação nada conhecia de sagrado. – R. Faço uma generalidade que é bem verdadeira; sei que, na época em que vivi, não havia muito maior desinteresse; mas, entretanto, havia o que não possuis, eu o repito, ou pelo menos em dose muito fraca: o amor ao belo, ao nobre e ao grande. Falo por todo o mundo; o homem do presente, sobretudo os povos do Ocidente, particularmente o Francês, tem o coração pronto para fazer grandes coisas, mas isso não é senão o brilho que passa; depois vem a reflexão, e a reflexão olha e diz: o positivo, o positivo antes de tudo; e o dinheiro, e o egoísmo a ocupar-se de estar por cima. Nós nos manifestamos justamente porque vos desviastes dos grandes princípios dados por Jesus. Adeus, vós não o compreendeis.

Nota

Compreendemos muito bem que o nosso século ainda deixa muito a desejar, sua praga é o egoísmo, e o egoísmo engendra a cupidez e a sede de riquezas. Sob esse aspecto, está longe do desinteresse do qual o povo romano deu tantos exemplos sublimes numa certa época, mas que não foi a de Plínio. Seria injusto, todavia, menosprezar sua superioridade em mais de um aspecto, mesmo nos mais belos tempos de Roma, que também tiveram seus exemplos de barbárie. Havia, então, ferocidade até na grandeza e no desinteresse; ao passo que nosso século se marcará pelo abrandamento dos costumes, os sentimentos de justiça e de humanidade que presidem a todas as instituições que vê nascer, e até mesmo nas querelas dos povos.

Allan Kardec.

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