fbpx

Romaria

Autor: Guerra Junqueiro (espírito)

*

Não sabeis, não sabeis, filhas que adoro tanto,

Calcular a extensão de tantas amarguras,

Existências em flor, fustigadas de pranto,

Lírios no lamaçal das grandes desventuras…

*

Almas na escuridão da noite sem aurora,

Corpos de podridão, urnas de lama e pus,

Anjos açucenais que a miséria devora,

Pobrezitos sem pão, esquálidos e nus.

*

No entanto, há aroma e luz na beira dos caminhos,

Cantos de rouxinóis, árvores, fruto e flor,

Harmonias sutis, que se evolam dos ninhos

Dourados pelo sol dalvorada do amor!

*

Mocidade no abril resplandecente e loiro

De noivado e canção das almas virginais;

Entoando a sorrir mil ditirambos de oiro,

Como as aves gracis em voos nos trigais.

*

A alegria taful das manhãs harmoniosas

Em que maio desfolha os cravos e os jasmins,

Espargindo dos céus as glicínias formosas,

Na esmeraldina cor do colo dos jardins!

*

E Deus que fez o Sol e a candura das crianças,

Fez também o soluço e a lágrima dorida,

E se fez a bondade envolta de esperanças,

Criou a dor clareando a escuridão da vida.

*

Há risos e esplendor e há prantos, filhas minhas,

Porque o pranto é que lava as manchas e os negrumes

De almas torvas e vis, misérrimas, mesquinhas,

Transformando-as em luz e em vasos de perfumes!…

*

A lágrima da dor é estrela que transluz,

Um coração que sofre é chama que se eleva

Da túrbida hediondez dos pantanais da treva,

Às regiões da glória intérmina da luz.

*

Sobre o escuro, porém, das lepras mal-cheirosas,

Paira o clarão do amor, edênico e sem par,

Que liga o verme ao mar, que une a pomba às rosas,

Que o grão de areia une ao roble secular.

*

O amor que fraterniza, o amor que dá saúde,

Que irmana a fera e a rosa, as aves e os chacais,

Que faz da Caridade a flama da Virtude,

Que sublime conduz aos planos celestiais.

*

Filhas que Deus me deu, vinde alegres, comigo,

Vinde comigo ver a dor dos desgraçados

Que chorando se vão, sem pátria e sem abrigo,

Cheios de sânie e pus, com os corpos cancerados.

*

Aproveitemos, pois, esta hora calma e mansa,

Em que há músicas no ar e olores nas estradas,

Hora em que a Terra acorda em haustos de esperança,

Ébria de aroma e luz das flores orvalhadas.

*

Saúdam o alvorecer as vozes das ovelhas,

Perpassam colibris, chilreia a passarada,

Zumbem sofregamente as trêfegas abelhas,

Compondo o hino de sol de esplêndida alvorada!

*

Partamos nós, também, por este mundo afora,

Nutrindo o coração na fonte da esperança,

Dando consolo à dor, à treva a luz da aurora,

A paz à guerra e à luta os lírios da bonança.

*

Conduzamos conosco a luz da Caridade,

Oferecendo o Bem aos pobres pequeninos,

Ofertando com amor a toda a Humanidade

Esse pão divinal que é dos trigais divinos.

*

Espalhemos a Fé, a Caridade e a Crença,

Tenhamos a noss’alma em delubros de luz,

E acharemos no fim da romaria imensa,

O sol primaveril da graça de Jesus!

Nota

A poesia acima, psicografada por Francisco Cândido Xavier, faz parte do livro Parnaso de Além-Túmulo

Obra completa: https://www.febeditora.com.br/parnaso-de-alem-tumulo

spot_img