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Vozes de uma sombra

Autor: Augusto dos Anjos (espírito)

*

Donde venho? Das eras remotíssimas,

Das substâncias elementaríssimas,

Emergindo das cósmicas matérias.

Venho dos invisíveis protozoários,

Da confusão dos seres embrionários,

Das células primevas, das bactérias.

*

Venho da fonte eterna das origens,

No turbilhão de todas as vertigens,

Em mil transmutações, fundas e enormes;

Do silêncio da mônada invisível,

Do tetro e fundo abismo, negro e horrível,

Vitalizando corpos multiformes.

*

Sei que evolvi e sei que sou oriundo

Do trabalho telúrico do mundo,

Da Terra no vultoso e imenso abdômen;

Sofri, desde as intensas torpitudes

Das larvas microscópicas e rudes,

A infinita desgraça de ser homem.

*

Na Terra, apenas fui terrível presa,

Simbiose da dor e da tristeza,

Durante penosíssimos minutos;

A dor, essa tirânica incendiária,

Abatia-me a vida solitária

Como se eu fora bruto entre os mais brutos.

*

Depois, voltei desse laboratório,

Onde me revolvi como infusório,

Como animálculo medonho, obscuro,

Té atingir a evolução dos seres

Conscientes de todos os deveres,

Descortinando as luzes do futuro.

*

E vejo os meus incógnitos problemas

Iguais a horrendos e fatais dilemas,

Enigmas insolúveis e profundos;

Sombra egressa de lousa dura e fria,

Grito ao mundo o meu grito que se alia

A todos os anseios gemebundos: –

*

“Homem! por mais que gastes teus fosfatos

Não saberás, analisando os fatos,

Inda que desintegres energias,

A razão do completo e do incompleto,

Como é que em homem se transforma o feto

Entre os duzentos e setenta dias.

*

A flor da laranjeira, a asa do inseto,

Um estafermo e um Tales de Mileto,

Como existiram, não perceberás;

E nem compreenderás como se opera

A mutação do inverno em primavera,

E a transubstanciação da guerra em paz;

*

Como vivem o novo e o obsoleto,

O ângulo obtuso e o ângulo reto

Dentro das linhas da Geometria;

A luz de Miguel Angelo nas artes,

E o espírito profundo de Descartes

No eterno estudo da Filosofia.

*

Porque existem as crianças e os macróbios

Nas coletividades dos micróbios

Que fazem a vida enferma e a vida sã;

Os antigos remédios alopatas

E as modernas dosagens homeopatas,

Produto da experiência de Hahnemann.

*

A psíquico-análise freudiana

Tentando aprofundar a alma humana

Com a mais requintadíssima vaidade,

E as teorias do Espiritualismo

Enchendo os homens todos de otimismo,

Mostrando as luzes da imortalidade.

*

Como vive o canário junto ao corvo,

O céu iluminado, o inferno torvo

Nos absconsos refolhos da consciência;

O laconismo e a prolixidade,

A atividade e a inatividade,

A noite da ignorância e o sol da Ciência.

*

As epidermes e as aponevroses,

As grandes atonias e as nevroses,

As atrações e as grandes repulsões,

Que reunindo os átomos no solo

Tecem a evolução de pólo a pólo,

Em prodigiosas manifestações;

*

Como os degenerados blastodermas

Criam a descendência dos palermas

No lupanar das pobres meretrizes,

Junto dois palacetes higiênicos,

Onde entre gozos fúlgidos e edênicos

Cresce a alegre progênie dos felizes.

*

Os lombricóides mínimos, os vermes,

Em contraposição com os paquidermes,

Assombrosas antíteses no mundo;

É o gigante e o germe originário,

Os milhões de corpúsculos do ovário,

Onde há somente um óvulo fecundo.

*

A alma pura do Cristo e a de Tibério,

Vaso de carne podre, o cemitério,

E o jardim rescendendo de perfumes;

O doloroso e tetro cataclismo

Da beleza louçã do organismo,

Repleto de dejetos e de estrumes.

*

As coisas substanciais e as coisas ocas,

As ideias conexas e as loucas,

A teoria cristã e Augusto Comte;

E o desconhecido e o devassado,

E o que é ilimitado e o limitado

Na óptica ilusória do horizonte.

*

Os terrenos povoados e o deserto,

Aquilo que está longe e o que está perto;

O que não tem sinal e o que tem marca;

A funda simpatia e a antipatia,

As atrofias e a hipertrofia,

Como as tuberculoses e a anasarca.

*

Os fenômenos todos geológicos,

Psíquicos, científicos, sociológicos,

Que inspiram pavor e inspiram medo,

Homem! por mais que a ideia tua gastes,

Na solução de todos os contrastes,

Não saberás o cósmico segredo.

*

E apesar da teoria mais abstrusa

Dessa ciência inicial, confusa,

A que se acolhem míseros ateus,

Caminharás lutando além da cova,

Para a Vida que eterna se renova,

Buscando as perfeições do Amor em Deus.”

Nota

A poesia acima, psicografada por Francisco Cândido Xavier, faz parte do livro Parnaso de Além-Túmulo

Obra completa: https://www.febeditora.com.br/parnaso-de-alem-tumulo

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